O Globo
Escapamos de coisas terríveis: um país
ingovernável, uma guerra civil, uma ditadura. Rimos dos ‘patriotas’ e nos
distraímos na internet, mas deveríamos estar apavorados
Ainda não conseguimos avaliar tudo o que
aconteceu no domingo. Ainda estamos sob o impacto emocional dos acontecimentos,
ainda faltam explicações. O bolsonarismo, à imagem do ídolo, não é regido
apenas pela estupidez, mas também por uma densa e opaca burrice. Não há como
compreender, de forma racional, o que pretendiam os idiotas sinistros que
marcharam sobre a Praça dos Três Poderes. Achavam que seriam acudidos pelas
Forças Armadas no quebra-quebra? Acharam que nada lhes aconteceria?
Não fosse pela desgraça em que quase nos
meteram, seria quase divertido ler os seus posts agressivos uivando “Selva!
Aço!” — e confrontá-los, agora, com os vídeos em que reclamam, chorosos, da
qualidade da comida servida no ginásio onde estão detidos.
“Quase”, a palavra que nos define no momento.
Escapamos por pouco de coisas terríveis: um
país ingovernável, uma guerra civil, uma ditadura. Rimos das carantonhas dos
“patriotas” reunidas na internet e nos distraímos com a zoeira dos comentários,
mas deveríamos estar apavorados, isso sim. Quase nos perdemos de novo por causa
de um bando de fanáticos anencefálicos que não foram levados a sério por
excesso de ridículo.
Espero que mofem na prisão, mas ou se chega
às suas fontes de financiamento e organização, ou o domingo não acabará nunca.
É bastante didático prender a arraia miúda, mas muito mais importante é ir
atrás dos peixes graúdos, tenham eles quantas estrelas tiverem.
Não é aceitável que desocupados montem
acampamento em áreas de segurança e fique por isso mesmo. Ou alguém consegue
imaginar professores protestando em frente aos quartéis em tamanho aconchego?
Houve leniência, omissão, conluio.
Houve também uma imensa falha de segurança
nas engrenagens do novo governo federal. Os acampamentos deveriam ter sido
desmontados no dia da posse, os ônibus de subversivos não deveriam nunca ter
chegado a Brasília. É compreensível que as autoridades quisessem evitar
confronto, mas, de novo, não é aceitável.
— Ah, mas havia um acordo com Ibaneis.
Jura? Pois faz parte do ato de governar
saber com quem se pode e com quem não se pode contar. Acreditar na competência
ou nas boas intenções de Ibaneis Rocha e de seu secretário Anderson Torres (!)
foi um erro primário.
— Ah, mas o governo não tem nem uma semana.
Pois o período de transição existe para
isso, para que o novo governo tome pé da situação — e tome as devidas
providências ao assumir.
Politicamente, é sempre menos dramático
desarmar bombas do que deixá-las explodir. Explicar o não acontecido é difícil,
é trabalhar com dados abstratos, que não têm o mesmo impacto das evidências do
acontecido. Ainda assim, é isso o que se espera dos bons governos: desarmar bombas.
O grande aspecto positivo do domingo é que
as cenas de brutalidade dos golpistas causaram ojeriza por toda parte, e
acabaram sendo um tiro certeiro no pé; à burrice dos bolsonaristas radicais
contrapôs-se a inteligência política de Lula, que soube ler o momento e
convocou a já histórica reunião dos governadores.
Nunca tantas de nossas autoridades
declararam apoio ao estado democrático de direito de forma tão veemente e
explícita.
Ufa.
Quase.
Quase.
Por enquanto, olhando daqui, da madrugada
de quarta-feira, saímos no lucro: três palácios quebrados por um extraordinário
reforço na democracia saiu até barato.
2 comentários:
Excelentes: exposição, escrita.
Quase ...
Me recupero da desesperança
E o perigo continua.
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