O Estado de S. Paulo.
É preciso recuperar o rigor técnico em lugares que jamais deveriam ter sido politizados
“Para que você entenda onde estamos: aqui
nós colocamos tudo, até os juízes.” Foi com essas palavras que um governador
argentino, cuja família foi “dona” da província durante décadas, explicava a um
escritor a sua relação com o Estado. Corta para um par de décadas antes, em
1980, quando se deu o diálogo de Carlos Fayt – na época recém-indicado para
compor a “Corte Suprema”, equivalente ao nosso Supremo Tribunal Federal (STF)–
com o então presidente da República, Raúl Alfonsín: “Quero esclarecer ao senhor
que, a partir de agora, não irei mais atender aos seus telefonemas, em função
do cargo que estou assumindo”.
Dois diálogos, duas concepções de Estado. Num caso, o patrimonialismo mais acintoso. No outro, o entendimento de que o Estado está a favor do bem-estar geral e sua função é servir o público de modo impessoal.
O Brasil tem pela frente a tarefa de
reconquistar o Estado. A rigor, mesmo na época do governo militar, o Brasil soube
ter instituições públicas relativamente impessoais e parcialmente impermeáveis
às características do governante de plantão. Até 1984, evidentemente, isso não
se aplicava a determinadas áreas em que o papel das autoridades da época era
marcante, mas, mesmo naqueles anos do governo militar, o Itamaraty manteve suas
características que o fizeram ser respeitado por todos; a Receita Federal foi
se fortalecendo tecnicamente; a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa) era uma instituição de excelência; o Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea) reunia economistas do governo e da oposição para debater, etc.
Depois, especialmente já no governo Fernando Henrique Cardoso, houve um esforço
considerável para aprimorar as instituições do País: foram criadas as agências
reguladoras com um perfil bastante técnico; o Ministério da Defesa foi uma
inovação politicamente muito relevante; no Banco Central, institucionalizou-se
o Comitê de Política Monetária (Copom); numa determinada época, a Polícia Federal
se pareceu um pouco ao FBI, etc. Nos últimos anos, boa parte desse esforço
civilizatório de décadas que o País vinha fazendo se perdeu nesse processo
político nefasto que o Brasil viveu em tempos recentes.
Essa é uma das tarefas mais importantes do
novo governo: recuperar a primazia técnica em lugares que jamais deveriam ter
sido politizados, nos quais indivíduos sem maior qualificação foram ocupando
espaços cada vez maiores, em órgãos que deveriam ser estritamente técnicos,
apenas pelo fato de serem politicamente bem relacionados. Agora, como diria o
poeta, mudar é preciso.
*Economista
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