A condenação aos golpistas une os brasileiros
O Globo
Pesquisa de opinião aponta que apenas 3% da
população diz ser a favor de invasões em Brasília
A esmagadora maioria dos brasileiros
condena os ataques golpistas. Que os inimigos da democracia eram uma minoria já
era sabido. Na quarta-feira, o Datafolha publicou uma pesquisa de opinião
realizada em todo o Brasil que deu uma dimensão da pequenez desse grupo. Nove
em cada dez (93%) dos entrevistados dizem ser contra as invasões realizadas em
Brasília no domingo. Não mais do que 3% afirmam ser a favor. Entre os que
votaram em Jair Bolsonaro, o apoio aos golpistas não passa de 10%.
Os adjetivos mais usados para classificar
os invasores são vândalos, terroristas, irresponsáveis, criminosos e
baderneiros. Na opinião de 77%, haverá punição para aqueles que estão sendo
identificados. O mesmo percentual acredita que os financiadores deveriam ser
presos.
A sustentação popular à democracia serve como esteio às instituições responsáveis por garantir o cumprimento da Constituição. Sem o apoio do povo, a democracia seria uma vítima frágil para os golpistas. Não é. Para a sociedade brasileira, ficou claro que o embate diante do país é entre quem acredita no sistema democrático e quem quer a sua destruição. A disputa não se dá mais entre os apoiadores desse ou daquele candidato. Isso foi em outubro.
Em momentos de grave crise, é indispensável
relembrar o básico. A democracia não garante a eleição dos melhores candidatos.
Desde que os brasileiros reconquistaram o voto direto, o país teve governos
bons, medianos e ruins. O que a democracia assegura é a resolução pacífica das
divergências e o direito dos eleitores de fazer novas escolhas. É essa valiosa
conquista que agora está sob ataque.
A raquítica minoria radical ainda precisa
entender que não existe democracia sem perdedores. Voltar à oposição é parte
inescapável do jogo. Quem se recusa a reconhecer uma derrota é,
independentemente da ideologia, um autoritário, mesmo que jure ser o contrário.
Qualquer um pode dizer ser um democrata. O nome oficial da Coreia do Norte é
República Popular Democrática da Coreia. O que conta é o que cada um faz.
Em sociedades livres, o conflito é
inevitável. Afinal, a democracia é baseada em liberdade e, por isso, funciona
como palco onde diferentes pontos de vista são defendidos. Há, porém, regras
para que funcione. Como ficou evidente a todo o país, os golpistas que
assaltaram Brasília atropelaram todas elas.
Como chegaram a esse ponto? Os radicais
absorveram de forma acrítica o discurso populista e enganador de Jair Bolsonaro.
Se ele é a voz do “verdadeiro” povo, representante fiel da moralidade e da
justiça, se fala em nome de Deus e da pátria, como pode ter perdido a eleição?
A resposta falaciosa para essa contradição aparente são as teorias
conspiratórias contra o sistema eleitoral. Daí para o pedido de intervenção
militar e a violência é um pulo.
Todas essas considerações soam como
platitudes, comparáveis à preleção de professor de jardim de infância ensinando
alunos a respeitar a fila. O fato de ser necessário ressaltá-las demonstra o
nível de descolamento da realidade da minoria radical bolsonarista. Em nome da
democracia, esse delírio coletivo deve ser estancado e punido.
É bem-vindo o compromisso do novo governo em esclarecer caso Marielle
O Globo
Não importa se o crime que ocorreu há cinco
anos será investigado no Rio ou em Brasília, mas que seja apurado
Um dos momentos marcantes da posse de
Anielle Franco como ministra da Igualdade Racial, na quarta-feira, foi quando
lembrou a morte da irmã, a vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), em 14 de março
de 2018. O assassinato de Marielle e de seu motorista, Anderson Gomes,
completará cinco anos sem que haja respostas adequadas. Ao assumir o cargo, no
dia 2, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, disse que
esclarecer o crime é “questão de honra” e defendeu a federalização das
investigações, hoje a cargo do estado do Rio.
Cerca de um ano depois do crime, a
Delegacia de Homicídios da Capital e o Grupo de Atuação Especial de Combate ao
Crime Organizado (Gaeco) prenderam o sargento reformado da Polícia Militar
Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio Vieira de Queiroz, apontados como executores de
Marielle e Anderson. Segundo as investigações, Lessa foi responsável pelos
disparos, enquanto Queiroz dirigiu o Cobalt que perseguiu o carro das vítimas.
Eles foram denunciados pelo duplo assassinato e pela tentativa de homicídio de
uma assessora da vereadora. Mantidos em presídios federais, ainda não foram
julgados.
Não é a primeira vez que se cogita levar a
apuração para Brasília. Em setembro de 2019, diante de tentativas de obstrução
das investigações, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu
ao Superior Tribunal de Justiça (STJ ) a federalização do caso. Em maio de
2020, porém, ministros da Terceira Seção do STJ negaram por unanimidade o
pedido. Entenderam que havia avanços na elucidação do crime, não existindo
justificativa técnica para a mudança.
O esclarecimento do caso Marielle é um dos
maiores desafios com que a polícia e o Ministério Público do Rio já se
depararam. Falsas pistas, falsas testemunhas, eliminação de provas,
interferências políticas, tudo contribuiu para dificultar as investigações. O
mandante, seja lá quem for, encomendou o crime a matadores profissionais, com
passagens pela polícia e larga experiência em ocultação de provas. As armas
usadas pelos bandidos jamais foram encontradas — teriam sido jogadas no mar —,
e o Cobalt utilizado na noite do crime desapareceu como num passe de mágica.
Vários mandantes já foram apontados, mas nenhuma prova consistente foi
apresentada contra eles.
O assassinato de Marielle e Anderson atingiu em cheio o Estado Democrático de Direito. Quinta mais votada para a Câmara do Rio, Marielle exercia um mandato outorgado pelo povo. Foi calada de forma brutal. Desvendar esse crime não é favor do Estado, é obrigação. Não só com a família das vítimas, mas com toda a sociedade brasileira. Não fazê-lo é capitular diante de criminosos que tentam impor um Estado paralelo sob a força das armas. É louvável a disposição do novo governo para esclarecer o caso. Mas não importa se o crime será apurado no Rio ou em Brasília, pela Polícia Civil ou Federal —esse deve ser um trabalho conjunto. O que importa é que seja apurado. E que, cinco anos depois, se possa responder a duas perguntas básicas: quem mandou matar Marielle e Anderson e por quê.
Pacote incerto
Folha de S. Paulo
Medidas para conter déficit fiscal são corretas, mas seu alcance é duvidoso
Anunciadas nesta quinta-feira (12), as
primeiras providências do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para evitar um
déficit astronômico das contas do Tesouro Nacional neste ano são, na maioria,
corretas. O pacote, porém, é incompleto e sujeito a incertezas.
Nas planilhas do Ministério da Fazenda,
estima-se que o rombo
previsto, equivalente a 2,16% do Produto Interno Bruto, poderia vir a se tornar
um superávit de 0,1% do PIB. Mas o próprio ministro Fernando Haddad
reconheceu, na apresentação do programa, que é realista esperar um déficit
próximo de 1% do produto.
É razoável estimar que a arrecadação seja
maior neste ano do que o previsto na lei orçamentária, ainda que não se saiba o
tamanho da desaceleração econômica. Também é possível bloquear —ou
contingenciar, no jargão tecnocrático— parte dos gastos autorizados pelo
Congresso Nacional.
A recuperação de créditos tributários de
ICMS pode render algo mais, assim como o recurso ao dinheiro largado no
PIS/Pasep. Se tais providências renderem o quanto imagina a Fazenda, chega-se
ao déficit menor mencionado por Haddad. São ganhos temporários de receita.
Os recursos
restantes podem vir do fim da desoneração dos combustíveis, ainda em
discussão pelo governo, e da revisão de contratos do setor público, o que não
costuma render valor significativo. Espera-se também arrecadação extra que
viria das mudanças na administração dos contenciosos entre contribuintes e a
Receita Federal.
Há em discussão um programa de redução e
refinanciamento de pendências relativas a impostos, uma espécie de Refis, que
pode proporcionar mais dinheiro.
Conta-se ainda com mudanças no Carf, o
tribunal administrativo do fisco. Nessa instância de recursos contra cobranças,
o governo deixou de ter voto de desempate —hoje, metade dos representantes do
Carf é da administração, e a outra, de contribuintes.
A julgar pelo aumento do valor dos
contenciosos depois do fim do voto de qualidade governista, parece ter havido
um estímulo à litigância. Outro problema, apontado por Haddad, é que passou a
haver inobservância de jurisprudência de tribunais superiores.
Com a reversão da norma, seria talvez
possível elevar a arrecadação, com mais vitórias da Receita e menos
contenciosos indevidos, em tese. É improvável, porém, que a medida passe
incólume pelo Congresso. O cálculo dos ganhos, portanto, mostra-se incerto.
Trata-se de um pacote de emergência, uma
tentativa pontual. Medidas estruturais, como a nova regra fiscal, ficam para
mais tarde. Não se vislumbra um ajuste orçamentário crível sem um controle
efetivo da expansão de gastos.
Ação e reação
Folha de S. Paulo
Pesquisa Datafolha aponta, pela segunda
vez, amplo repúdio à violência política
Se ainda havia alguma dúvida sobre qual
seria a opinião dos brasileiros a respeito do ataque da turba golpista na
capital do país, a pesquisa Datafolha divulgada na quarta-feira (11) encerrou o
assunto.
O levantamento mostra que 93% da
população com mais de 16 anos condena o espetáculo bárbaro de invasão e
depredação das instalações de Congresso, Supremo Tribunal Federal e Palácio do
Planalto.
Note-se que, em dezembro, outra sondagem do
instituto já havia revelado que uma expressiva maioria de 75% repudiava
os protestos antidemocráticos organizados por grupos bolsonaristas para
contestar a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo
turno das eleições de 2022.
Nos dois casos, naturalmente com mais peso
no deplorável episódio de domingo (8), a parcela dos que rechaçam as
manifestações dos extremistas ultrapassa em muito os 51% que elegeram Lula.
Apesar de Jair Bolsonaro (PL) ter se
ausentado do país e adotado uma estratégia ambígua para evitar incitações
explícitas aos atos de violência, a maioria entende que ele estava, em alguma
medida, envolvido no ataque. Para 38%, o ex-presidente tem muita
responsabilidade e, para 17%, um pouco de responsabilidade pelo ocorrido.
Sobre a proteção do patrimônio e a defesa
da ordem pública, 63% consideram que as forças de segurança do Distrito Federal
fizeram menos do que deveriam e 61% dizem o mesmo sobre o governador (ora
afastado) Ibaneis Rocha (MDB). O governo Lula também teve atuação aquém do
esperado para 37% dos entrevistados.
Para 82%, Lula acertou ao decretar
intervenção na área de segurança do Distrito Federal, enquanto 60% apoiam o
afastamento do governador determinado pelo ministro Alexandre de Moraes, do
Supremo Tribunal Federal.
Também é majoritário o entendimento de que,
em maior ou menor extensão, os vândalos devem ser punidos com prisão.
No geral, a pesquisa constata a sensata
rejeição à violência política, o respeito ao resultado das urnas e às regras da
democracia.
Ademais confirma-se a avaliação de que as reiteradas tentativas de Bolsonaro de desacreditar o processo eleitoral para insuflar uma quebra da ordem institucional revelaram-se um tiro no pé —com repúdio da opinião pública, fortalecimento do STF e do governo Lula.
O dever de casa do Congresso
O Estado de S. Paulo.
Câmara e Senado devem punir seus membros
que apoiaram, consentiram ou colaboraram com os atos do dia 8. Não cabe
tolerância com quem emporcalha a história do Congresso
A cúpula do Congresso, como não poderia
deixar de ser, alinhou-se aos demais Poderes, aos entes federativos e à
sociedade brasileira na defesa da Constituição e da democracia neste momento
conturbado do País. Com firmeza, os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e
da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, condenaram a barbárie impetrada por
bolsonaristas no dia 8 de janeiro.
No próprio domingo, Arthur Lira afirmou que
a Câmara agiria “com rigor” para garantir “a liberdade, a democracia e o
respeito à Constituição”. O presidente da Câmara defendeu que aqueles que
“promoveram e acobertaram” o maior atentado contra a democracia brasileira
desde o fim da ditadura militar sejam “identificados e punidos na forma da
lei”. Em seguida, Rodrigo Pacheco repudiou “veementemente” o que chamou de
“atos antidemocráticos” e exigiu que os responsáveis “sofram o rigor da lei com
urgência”.
É o que este jornal espera. Um ataque tão
desavergonhado contra as instituições democráticas não pode ficar impune. A lei
deve alcançar todos os seus responsáveis diretos e indiretos. O melhor
mecanismo de defesa da democracia é a aplicação da lei e de suas penas,
observado o devido processo legal, sem fazer concessões com quem se utiliza,
para seus objetivos políticos, da violência ou da ameaça.
Imprescindível, o alinhamento dos
presidentes da Câmara e do Senado na defesa da democracia deve ir, portanto,
além de discursos. É necessário assegurar a pronta e adequada responsabilização
de todos os parlamentares que, direta ou indiretamente, contribuíram para os
atos de 8 de janeiro. Não cabe atenuar a participação – ou conivência – com tão
grave atentado às instituições democráticas.
Houve deputado que teve a ousadia de
justificar a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes. Segundo Ricardo
Barros (PP-PR), por exemplo, os atos de domingo foram causados porque o
presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes,
não conseguiu convencer a sociedade de que a urna eletrônica era confiável. “Se
ele tivesse convencido, não teríamos essas pessoas, que são brasileiros de cara
limpa”, disse o deputado à CNN Brasil, referindo-se aos vândalos que depredaram
o Palácio do Planalto, o Supremo e o Congresso.
Em tempos tão estranhos, é preciso dizer o
óbvio: todos os parlamentares que apoiaram, antes ou depois, os atos de domingo
quebraram o decoro parlamentar. Não respeitaram a Constituição. Não honraram o
Estado Democrático de Direito. Já não dispõem de condições éticas para
continuarem ocupando suas cadeiras.
As lideranças do Congresso precisam
mobilizar-se, portanto, para prover a devida responsabilização no âmbito do
Legislativo de seus pares antidemocráticos – sem prejuízo, por óbvio, da
responsabilização jurídico-penal, a ser feita pelo Judiciário. No caso, o
Legislativo dispõe de todos os meios para identificar e responsabilizar os seus
membros que incentivaram, apoiaram e colaboraram com o movimento golpista. Não
cabe tolerância com quem agride a democracia e emporcalha a história do
Congresso.
É mais que hora de dar plena efetividade
aos Conselhos de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara e do Senado. Não são –
não podem ser – órgãos de fachada, pois suas muitas omissões ao longo das
décadas vêm cobrando alto preço do País e do próprio Congresso. O caso mais
eloquente é do próprio Jair Bolsonaro, cujo comportamento como deputado federal
infringiu por diversas vezes o decoro parlamentar. Mas Bolsonaro não foi o
único parlamentar que, em vez de receber a devida punição, foi agraciado por
seus pares com a impunidade.
Não se pode transigir com os fundamentos da
República. Fazendo jus às palavras dos presidentes da Câmara e do Senado em
defesa da democracia, o Congresso tem agora uma excelente oportunidade de
fortalecer sua autoridade perante a sociedade, mostrando que não compactua com
ataques de seus membros ao regime democrático e às instituições republicanas.
Discursos são importantes, mas pouco valem se não vêm acompanhados das
correspondentes ações.
Saúde infantil em risco
O Estado de S. Paulo.
Pesquisa do IBGE com parâmetros
internacionais apontou a baixa qualidade no atendimento a menores de 13 anos na
rede pública de unidades básicas; nenhum Estado atingiu nota mínima
O Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) acaba de mapear as falhas no atendimento infantil em postos
de saúde da rede pública no País inteiro. Uma pesquisa com base nas informações
fornecidas por pais e responsáveis que levaram os filhos para consultas mostrou
que a qualidade dos serviços está abaixo do aceitável, conforme parâmetros
internacionais. Como noticiou o Estadão, nenhum Estado brasileiro atingiu a
nota mínima, o que, obviamente, é intolerável.
Os resultados devem servir de alerta para
gestores municipais, estaduais e do governo federal − dos quais se espera, o
mais rápido possível, a adoção de medidas que revertam o quadro. Se há uma
faixa etária que não pode ser negligenciada, é a das crianças. Ainda mais se
considerando que a chamada atenção primária é a porta de entrada para todo o
sistema de saúde: seu bom funcionamento ajuda a reduzir filas em hospitais e é
essencial para o êxito das ações de prevenção. Deveria ser, portanto, uma
prioridade para o País.
Pela primeira vez, a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua aplicou o questionário de Atenção
Primária à Saúde Infantil, no segundo trimestre de 2022. Foram selecionados
pais ou responsáveis que tivessem levado crianças menores de 13 anos para
atendimento em postos ou unidades básicas de saúde da rede pública nos 12 meses
anteriores.
O IBGE adotou um instrumento internacional
de pesquisa, validado pelo Ministério da Saúde, que deu origem a um indicador
de qualidade. Numa escala de zero a 10, a média brasileira ficou em 5,7, abaixo
de 6,6, que é a nota mínima para que um serviço de atenção básica seja
classificado como de qualidade, segundo a métrica utilizada. Entre os Estados,
Mato Grosso teve o melhor desempenho (6,4) e Rondônia, o pior (4,8). São Paulo,
ao lado de Rio de Janeiro e Piauí, não passou de 5,4.
A rede de atenção básica está presente no
País inteiro e tem enorme capilaridade, alcançando as localidades mais remotas.
Por isso mesmo, deve ser fortalecida, na medida em que constitui, em tese, o
primeiro ponto de contato da população com o sistema de saúde. No caso das
crianças de menos de 13 anos, o IBGE estima que 31,5 milhões delas tenham sido
atendidas pelo menos uma vez durante o período de referência da pesquisa, que
coincidiu com momentos críticos da pandemia de covid-19. É um número
impressionante, que corresponde a 82,9% da população na faixa de 0 a 13 anos.
No caso específico das consultas médicas, 28,4 milhões de crianças (75%) foram
contempladas no mesmo período. Tais dados demonstram a abrangência do Sistema
Único de Saúde (SUS) e só reforçam a necessidade de investimentos e,
principalmente, de melhoria de gestão para sanar as falhas apontadas pelo IBGE.
Vale notar que o questionário abordou
diferentes aspectos práticos do funcionamento dos postos de saúde, sempre sob a
ótica dos pais ou responsáveis que levaram a criança à unidade. As perguntas
versaram sobre as condições de acesso, o tempo de espera e a disponibilidade de
profissionais até a abrangência dos serviços prestados e a relação entre a
equipe de saúde e o paciente. O propósito era identificar tudo o que, direta ou
indiretamente, interfere na qualidade do atendimento, do ponto de vista do
paciente e de sua família. Um posto de saúde onde faltam profissionais ou onde
há alta rotatividade de equipes, por exemplo, terá mais dificuldades para
atingir seus objetivos.
Não raro, governantes se preocupam mais em
erguer prédios do que em tomar medidas que aprimorem o atendimento − como se a
inauguração de uma nova unidade, por si só, resolvesse o problema. Como indica
o levantamento do IBGE, o êxito da atenção primária depende do funcionamento
adequado dos milhares de postos de saúde espalhados pelo Brasil. Longe dos
holofotes e das inaugurações eleitoreiras, priorizando o que é indispensável à
garantia de uma vida saudável para milhões de crianças: a qualidade do serviço.
Carbono azul
O Estado de S. Paulo.
Preservar baleias e manguezais ganha novo
significado em tempos de mudanças climáticas
Na esteira das mudanças climáticas, o
debate a respeito da preservação do meio ambiente requer uma compreensão renovada
sobre temas que vêm ganhando novos significados na agenda ambiental. É o caso
da proteção das baleias e da conservação de manguezais, duas preocupações
antigas que passaram a despertar atenção redobrada, ultimamente, por causa de
seu potencial para a retirada de gás carbônico da atmosfera − objetivo maior
das iniciativas para conter o aquecimento do planeta.
Vale notar que o papel de ecossistemas
costeiros e marinhos na luta contra os gases de efeito estufa deu origem ao
termo “carbono azul”, uma espécie de contraponto ao “carbono verde”, associado
a florestas e a outros biomas terrestres. Embora ambos digam respeito ao mesmo
elemento químico, a distinção de cores joga luz sobre a importância específica
dos ecossistemas e sobre a complexidade das questões ambientais.
Cada vez mais, faz-se necessário que as
autoridades dos diferentes níveis de governo, assim como o setor produtivo e a
sociedade em geral, estejam atentas a tais complexidades. Isso é especialmente
válido em um país como o Brasil, onde a riqueza ambiental não se limita à
exuberância da Floresta Amazônica, a maior floresta tropical do mundo.
Como recentemente informou o Jornal da USP,
a gigantesca costa marítima brasileira é pontilhada por uma faixa de manguezais
que se estendem do Amapá até Santa Catarina. Tal ecossistema contribui para o
enfrentamento das mudanças climáticas, na medida em que a falta de oxigênio em
seu solo lamacento reduz, ou até evita, a decomposição de matéria orgânica. O
resultado é o acúmulo de toneladas de carbono, algo extremamente benéfico para
conter o aquecimento global.
Do ponto de vista ambiental e da luta
contra as mudanças climáticas, os manguezais são um “tesouro” e, ao mesmo
tempo, uma “bomba-relógio”, a depender do rumo das políticas de conservação,
como resumiu o Jornal da USP. A publicação faz referência a estimativas de que
um hectare de manguezal teria a capacidade de armazenar mais carbono do que
qualquer outro bioma, até mesmo do que a Floresta Amazônica.
No caso das baleias, cientistas têm feito
raciocínio similar: com peso que pode ultrapassar 30 toneladas e capazes de
viver 100 anos, esses cetáceos acumulam mais carbono do que animais de menor
porte. Ao morrerem, seus corpos permanecem no fundo dos oceanos, aprisionando
grandes quantidades de carbono por séculos, como informou recente reportagem do
Washington Post reproduzida pelo Estadão.
Nesse sentido, uma medida eficaz para retirar carbono da atmosfera seria criar
condições para que a população mundial de baleias retome níveis anteriores à
devastação provocada pela caça comercial.
As mudanças climáticas já confrontam a humanidade com ameaças reais e impactos imediatos. Enfrentá-las exigirá agir em diversas frentes, e é essencial ter clareza sobre o que cada ação representa e tem a oferecer − seja plantar árvores, proteger manguezais ou salvar baleias. Como em um quebra-cabeças, é preciso juntar as peças e garantir que o resultado seja a preservação da vida na Terra.
Pacote fiscal poderá reduzir déficit
previsto pela metade
Valor Econômico
A intenção de Haddad, expressa ontem, e a
se confirmar, é mostrar que não deverá haver uma farra de gastos
A primeira tentativa de reduzir o déficit
fiscal previsto para o ano, de R$ 231,5 bilhões, foi apresentada ontem pelo
ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Na primeira vez que abordou o tema, o
ministro disse que dificilmente o déficit primário seria menor do que os R$ 63
bilhões da estimativa inicial orçamentária, feita antes da aprovação da PEC da
Transição, mas que, por outro lado, não seria de forma alguma de 2% do PIB.
Entre desejos, intenções e o que é factível, as medidas alinhadas ontem podem
prover o meio termo. A intenção de Haddad é diminuir o déficit para menos de R$
100 bilhões. É importante que o governo tenha decidido reduzir o largo espaço
fiscal, obtido de forma inédita antes mesmo de tomar posse.
Como era previsto, os cortes de despesas
são a fração menor dos R$ 242,6 bilhões estimados como potencial de ajuste por
Haddad. A maior correção está contemplada em ações de receitas permanentes e
extraordinárias (R$ 156,6 bilhões). No caso das receitas permanentes, o governo
deixa claro que vai acabar com a desoneração da gasolina, o que elevará seu
caixa em R$ 28,8 bilhões e com a redução do PIS-Cofins sobre receitas
financeiras das empresas, feitas no apagar das luzes do governo de Jair
Bolsonaro e que consome R$ 4,4 bilhões.
Uma fatia importante do ganho em receitas
permanentes e extraordinárias é incerta. Ao incentivo à redução de
litigiosidade no Carf é atribuído um aumento da receitas permanentes de R$ 15
bilhões e de receitas extraordinárias de R$ 35 bilhões, estimativas arbitrárias
à volta do voto de desempate do representante da Receita Federal nos litígios
judiciais no conselho, cujo fim, em 2020, passou a propiciar ganhos seguidos às
empresas no colegiado. Esses itens representam um terço dos ganhos esperados
nas receitas do governo.
O aproveitamento dos créditos do ICMS teria
um impacto de R$ 30 bilhões. Ele seria proveniente de uma pendenga mal
resolvida na decisão sobre a retirada do ICMS da base de cálculo do PIS-Cofins
sobre as vendas das empresas, aprovada pelo STF. O Supremo, no entanto, manteve
a situação anterior na aquisição de insumos pelas companhias, que passaram a
ter abatimento maior dos tributos federais, o que os técnicos do governo
consideram uma distorção que precisa ser encerrada.
A parte que pode ser considerada própria do
primeiro ajuste, que será consolidado com regras fiscais que substituam o teto
de gastos, derrubado por Bolsonaro e exterminado agora, diz respeito a ações
que dependem da vontade do governo. As reestimativas de receitas orçamentárias
devem contribuir com R$ 36,4 bilhões. É possível que esta previsão seja
bastante conservadora e esses recursos sejam superiores a R$ 50 bilhões. Em
outra rubrica móvel, que poderá crescer dependendo do desempenho da economia,
estima-se que a autorização para uma execução inferior ao que está no orçamento
atinja R$ 25 bilhões. Outros R$ 25 bilhões viriam da revisão de contratos e
programas, uma praxe na troca de governo cujos resultados são de magnitude incerta.
Há mais economias que não estão
relacionadas no pacote do ministro da Fazenda, mas que podem ajudar no
resultado primário. O ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias,
listou 10 milhões de cadastros irregulares no Bolsa Família, que serão corrigidos.
Basicamente, são famílias que se atomizaram para aproveitar o Auxílio Brasil,
que prevê R$ 600 de auxílio por indivíduo. A revisão do Cadastro Único,
esculhambado pelo governo Bolsonaro, e a focalização do programa podem
proporcionar economias em relação aos R$ 157 bilhões alocados este ano.
Do que depende então de decisão política de
governo expressa no pacote, é possível reduzir os gastos previstos em R$ 94,6
bilhões. Isso viria do fim da desoneração de tributos (R$ 33,2 bilhões) e da
reestimativa de receitas e autorização para gastar menos (R$ 61,4 bilhões). Só
com isso, o déficit primário estimado poderia cair então para R$ 137 bilhões,
sem considerar nenhum progresso em outras medidas, que devem ocorrer. Com isso,
o rombo fiscal se reduziria a 1,2% do PIB, ainda distante do equilíbrio fiscal,
mas a caminho de demonstrar que o governo Lula não é indiferente à questão.
Pacotes são pacotes e a realidade pode
driblar todos os planos. O fator decisivo será a nova regra fiscal. A intenção
de Haddad, expressa ontem, e a se confirmar, é mostrar que não deverá haver uma
farra de gastos.
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