O Estado de S. Paulo.
O debate hoje não é sobre sustentar a democracia brasileira, mas sobre como restaurá-la
Esta é a primeira coluna que escrevo sem
termos Bolsonaro como presidente. Apesar disso, o bolsonarismo continua
dominando a narrativa e o acontecer dos fatos no Brasil.
Os otimistas enxergam a consequência dos
ataques terroristas desta semana como positivos: Lula e as instituições
mostraram capacidade de reação e fortaleceram a democracia brasileira.
Bolsonaro sai enfraquecido.
A democracia possui um desafio inerente que é o de agregar diferentes vontades. Uns querem Estado grande, impostos altos, muitos serviços públicos. Outros, não. A flutuação de poder funciona como aliada da democracia, pois permite que todos possam, em algum momento, ter suas vontades representadas e manifestadas no acontecer do Estado.
Para que o mecanismo da flutuação de poder
funcione, é preciso saber perder. Essa é outra dificuldade da democracia: sustentar
um governo para todos enquanto apenas alguns terão acesso ao poder e se
sentirão representados. A transição pacífica de poder ritualiza esse processo e
é fundamental na democracia.
No último domingo, vimos que uma minoria
radical não aceita a flutuação e a passagem de poder pacífica. Pesquisa Atlas
divulgada nesta semana mostrou 37% dos entrevistados a favor de intervenções
militares “para invalidar o resultado da eleição presidencial”.
As divergências entre os brasileiros
parecem ser anteriores às suas preferências sobre como conduzir a economia ou
sobre qual o papel do Estado. Os brasileiros possuem, talvez de forma mais
marcante do que o pensado anteriormente, preferências distintas sobre a
importância da própria democracia. Quando uma parcela significativa da
população não acredita no sistema político que rege o País, como sustentar o
próprio sistema?
Elementos não liberais e antidemocráticos
sempre estiveram presentes na nossa sociedade – a eleição de Bolsonaro
explicitou isso. O debate hoje não é sobre sustentar a democracia brasileira,
mas sobre como restaurá-la. Enquanto Bolsonaro ficar impune, a reconstrução
democrática será difícil. Estimular uma cultura democrática não é condizente
com um expresidente que tenha atentado tanto contra as instituições ficando
impune.
Apesar do tom pessimista, decidi acabar
esta coluna com otimismo impulsionada pelas nomeações na equipe da ministra do
Planejamento, Simone Tebet. Não apenas excelentes nomes foram chamados, como
houve a criação de uma Secretaria de Monitoramento e Avaliação para o
Aperfeiçoamento de Política Públicas. É tudo para ontem.
*PROFESSORA DO INSPER, PH.D. EM ECONOMIA
PELA UNIVERSIDADE DE NOVA YORK EM STONY BROOK
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