sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Laura Karpuska* - É tudo para ontem

O Estado de S. Paulo.

O debate hoje não é sobre sustentar a democracia brasileira, mas sobre como restaurá-la

Esta é a primeira coluna que escrevo sem termos Bolsonaro como presidente. Apesar disso, o bolsonarismo continua dominando a narrativa e o acontecer dos fatos no Brasil.

Os otimistas enxergam a consequência dos ataques terroristas desta semana como positivos: Lula e as instituições mostraram capacidade de reação e fortaleceram a democracia brasileira. Bolsonaro sai enfraquecido.

A democracia possui um desafio inerente que é o de agregar diferentes vontades. Uns querem Estado grande, impostos altos, muitos serviços públicos. Outros, não. A flutuação de poder funciona como aliada da democracia, pois permite que todos possam, em algum momento, ter suas vontades representadas e manifestadas no acontecer do Estado.

Para que o mecanismo da flutuação de poder funcione, é preciso saber perder. Essa é outra dificuldade da democracia: sustentar um governo para todos enquanto apenas alguns terão acesso ao poder e se sentirão representados. A transição pacífica de poder ritualiza esse processo e é fundamental na democracia.

No último domingo, vimos que uma minoria radical não aceita a flutuação e a passagem de poder pacífica. Pesquisa Atlas divulgada nesta semana mostrou 37% dos entrevistados a favor de intervenções militares “para invalidar o resultado da eleição presidencial”.

As divergências entre os brasileiros parecem ser anteriores às suas preferências sobre como conduzir a economia ou sobre qual o papel do Estado. Os brasileiros possuem, talvez de forma mais marcante do que o pensado anteriormente, preferências distintas sobre a importância da própria democracia. Quando uma parcela significativa da população não acredita no sistema político que rege o País, como sustentar o próprio sistema?

Elementos não liberais e antidemocráticos sempre estiveram presentes na nossa sociedade – a eleição de Bolsonaro explicitou isso. O debate hoje não é sobre sustentar a democracia brasileira, mas sobre como restaurá-la. Enquanto Bolsonaro ficar impune, a reconstrução democrática será difícil. Estimular uma cultura democrática não é condizente com um expresidente que tenha atentado tanto contra as instituições ficando impune.

Apesar do tom pessimista, decidi acabar esta coluna com otimismo impulsionada pelas nomeações na equipe da ministra do Planejamento, Simone Tebet. Não apenas excelentes nomes foram chamados, como houve a criação de uma Secretaria de Monitoramento e Avaliação para o Aperfeiçoamento de Política Públicas. É tudo para ontem.

*PROFESSORA DO INSPER, PH.D. EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DE NOVA YORK EM STONY BROOK

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