Valor Econômico
Lua de mel será curta, mas Lula parece não
perceber
Governo não é corrida de 100 metros, é maratona. Há três ou quatro anos para apresentar resultados. Isto posto, a velocidade de largada do governo Lula 3, e em especial a forma atabalhoada deste início, causam preocupação. Ministros escolhidos a dois dias da posse sem qualquer critério técnico, desorganização da base no Legislativo, cargos de chefia ainda a preencher depois de 45 dias de governo, falta de assertividade sobre o que é prioridade de fato na agenda e os ataques do presidente da República ao chefe do Banco Central são más notícias de um governo que, em sua terceira versão, se esperava mais experiente e gabaritado para enfrentar os desafios de gestão.
Um consultor que trabalha para investidores
japoneses circulou em Brasília na semana passada para conversar com
autoridades, estreitar laços e conhecer as possibilidades de negócios. Elogiou
a reinserção do Brasil no cenário mundial e levou a mensagem de que há dinheiro
e vontade de investir no país, mas também a preocupação com a falta de clareza
sobre os rumos do novo governo, o que faz com que os interessados segurem aportes
neste início de ano. “Terá reforma tributária, a gente não sabe qual é. O teto
caiu, haverá uma nova regra fiscal. A gente não sabe qual é. O presidente da
República briga com o presidente do Banco Central. Isso não é bom”, resumiu.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
não tem agido para diminuir essas incertezas. Em uma semana, avisou que levará
a privatização da Eletrobras à Justiça, intensificou os ataques ao presidente
do Banco Central, Roberto Campos Neto, e o ministro do Trabalho, que é um de
seus principais auxiliares, virou piada ao sugerir trocar o Uber pelos
Correios. A agenda antipática ao setor privado assusta aqueles que o elegeram
para afastar os riscos à democracia, mas esperavam que fosse cumprida a
promessa de um governo mais ao centro, e coloca uma dúvida na cabeça de todos:
a prioridade é melhorar o ambiente de negócios (reforma tributária, âncora
fiscal e renegociação de dívidas) ou descontruir as políticas liberais
recentes?
Com todo seu histórico de confusões e falta
de articulação política, o governo Bolsonaro (PL) foi mais ágil para mostrar
trabalho. O ex-presidente entregou a reforma da Previdência ao Congresso no dia
20 de fevereiro. A Câmara dos Deputados passou uma semana sem votar nada após
reeleger Rodrigo Maia seu presidente, mas no dia 12 já se reunia para rejeitar
medida provisória (MP) do governo Temer e aprovar projeto de lei com ações
antiterrorismo.
O país terá se recuperado da ressaca de
Carnaval antes de saber os detalhes da reforma tributária do governo Lula. O
secretário Bernard Appy almoçou com parlamentares na quarta-feira e se limitou
a explicar quais são as propostas de emenda constitucional (PECs) em debate no
Congresso. Quis dar o protagonismo da discussão ao Legislativo, mas deixou
frustrados os que foram na expectativa de soluções para entraves já conhecidos.
O setor de serviços não parece satisfeito com o discurso de que pagar mais
impostos será bom porque a economia crescerá mais e, no fim, mais pessoas terão
dinheiro para irem à academia, terem plano de saúde ou colocarem o filho na
escolha privada. Tampouco convence os prefeitos o argumento de que o ISS é
ineficiente e precisa acabar.
O deputado Amom Mandel (Cidadania-AM), por
exemplo, o questionou sobre como será resolvida a questão da Zona Franca de
Manaus, extinta pelos projetos em debate. Ouviu que o governo está aberto a
debater com a bancada do Amazonas as soluções. “Sabemos que não dá para fazer
essa mudança do dia para a noite”, disse Appy. O parlamentar o abordou após o
fim do evento, para marcar uma reunião, e em troca recebeu o contato de uma
assessora do secretário e não do próprio.
Também ficará para março, depois da folia,
a retomada dos trabalhos no Congresso. A base de sustentação do governo Lula é
instável, longe do apoio de 320 deputados e 50 senadores desejado pelo Palácio
do Planalto, e os presidentes da Câmara e Senado deram mais tempo para que o
Executivo se organize antes da votação de projetos com alguma polêmica. Justiça
seja feita, Lula largou em desvantagem em relação a Bolsonaro neste ponto
porque o perfil direitista do Congresso era mais alinhado às pautas
bolsonaristas do que às do PT.
Talvez seja exagerado cobrar do governo
soluções e agenda positiva tão depressa. A tradição manda esperar 100 dias. O
ambiente polarizado, a vitória apertada na eleição e o mundo imediatista das
redes digitais, contudo, desautorizam que o governo dê a impressão de letargia
ou se fie na reciclagem de programas antigos. Falta pressa. A lua de mel de
Lula, se é que existirá, tende a ser mais curta do que no passado (e pode-se
até culpar Bolsonaro por isso, que ele abandonou o governo logo após perder,
“antecipou” a posse e deixou os petistas já ditando parte dos rumos do país
desde novembro).
O desarranjo deste início de gestão, porém,
admite críticas. Um mês e meio depois da posse, há secretarias, autarquias e
empresas públicas sem chefia por disputa política, como a Secretaria Nacional
de Habitação (em queda de braço dentro do próprio MDB) e a Companhia de
Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). No
terceiro escalão, servidores de carreira que trabalharam na gestão passada
seguem nos cargos sem saber se continuarão e novos contratados não têm acesso
nem ao e-mail funcional porque a nomeação não saiu no “Diário Oficial”. Já
foram editadas quatro MPs diferentes para reestruturar os órgãos
governamentais. Replicou-se ainda a péssima prática de escolher os ministros
por composição política, sem exigir qualquer conhecimento das áreas em que vão
atuar.
Lula repetiu à exaustão na campanha o mote
de que queria voltar à Brasília para “fazer mais e melhor”, promessa que tinha
o apelo de um ex-presidente que deixou o cargo com aprovação de mais de 80% dos
brasileiros. O maior respeito às minorias, retomada da agenda de proteção do
meio ambiente e a volta do Brasil à política internacional são boas medidas
deste início de governo, mas insuficientes diante do risco de retração da
economia no segundo semestre.
Um comentário:
Tadinho do Lula...
Três vezes Presidente do Brasil (único) e não sabe o quê, quando ou como fazer...
Quem sabe tudo é o Raphael Di Cunto, do Valor Econômico, 'por supuesto'...
Vá te catar, ô!
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