O Estado de S. Paulo.
Lula resgata a moeda que dá força ao presidencialismo de coalizão, mas mantém o sigilo
Tem havido muita confusão sobre o que seria
o “orçamento secreto”. O próprio presidente da Câmara dos Deputados, Arthur
Lira (PP-AL), nega sua existência ao argumentar que seria possível identificar
na sua execução onde e quanto dos recursos estariam sendo alocados e quais os
parlamentares beneficiados.
Entretanto, o que confere o caráter público ao orçamento é o conhecimento ex ante dos projetos que foram aprovados pelas instâncias legislativas e suas respectivas justificativas técnicas, não bastando a divulgação ex post dos valores executados e do parlamentar beneficiado. Essa publicização prévia é o que permite que os órgãos de controle fiscalizem o orçamento.
O orçamento secreto foi consequência direta
do engessamento das emendas individuais e coletivas que passaram a ter a sua
execução impositiva nos governos Dilma e Bolsonaro, respectivamente. Sem essas
moedas de troca que davam liquidez às relações Executivo-Legislativo, Bolsonaro
se viu obrigado a encontrar uma outra forma de recompensar legisladores em
troca de sobrevivência política.
A saída encontrada pelo ex presidente e
lideranças do Centrão foi o orçamento secreto; ou seja, as emendas de relator
(RP9), uma espécie de “emenda ônibus” que não é vinculada a projetos
específicos de parlamentares. Em função da vulnerabilidade política de
Bolsonaro, a execução de tais emendas foi delegada aos presidentes das casas
legislativas.
Com a decisão do STF de considerar
inconstitucionais as emendas de relator (RP9), o Congresso Nacional decidiu que
metade do seu valor em 2023 (R$ 19,4 bilhões) será executada via emendas
individuais e a outra metade sob a discricionariedade do executivo (RP2). Por
meio da portaria interministerial 1/23, o poder de coordenar a execução desses
recursos (cerca de R$ 9,8 bilhões), bem como as emendas de Comissão (R$ 7,6
bilhões) e as de bancadas estaduais (R$ 7,7 bilhões), foi concentrado nas mãos
do ministro Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais).
A recuperação da discricionariedade do
Executivo na execução desses recursos é um avanço considerável uma vez que o
presidencialismo multipartidário requer que o chefe do Executivo possua moedas
de troca legais e institucionalizadas para governar. Só assim partidos teriam
incentivo de fazer parte da coalizão de governo.
O problema desse desenho é que a sociedade
continua a não saber ex ante nem o montante dos recursos nem onde serão
executados. Ou seja, a opacidade que conferia às emendas de relator o caráter
secreto do orçamento permanece no governo Lula contrariando sua promessa de
campanha.
*Cientista político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE)
Nenhum comentário:
Postar um comentário