segunda-feira, 20 de março de 2023

João Saboia* - Mercado de trabalho e produtividade

Valor Econômico

Investimentos públicos e privados são complementares e precisam estar articulados

O Brasil realmente é um país cheio de contradições. Os dados do mercado de trabalho são um bom exemplo. Se por um lado alguns números são favoráveis, especialmente quando analisadas suas taxas recentes de variação, em valores absolutos são um verdadeiro fracasso.

Segundo a PNAD Contínua do IBGE, a taxa média de desemprego no último ano (9,3%) foi a mais baixa desde 2016. Comparativamente a 2020, primeiro ano da pandemia, houve queda de quatro pontos percentuais, o que não é pouca coisa. Mas em termos absolutos havia impressionantes 10 milhões de pessoas desocupadas e 24 milhões de subutilizadas em 2022.

No interior do mercado de trabalho a inserção precária da população está disseminada. Das 98 milhões de pessoas ocupadas em 2022, apenas 36 milhões possuíam carteira de trabalho assinada. Em contrapartida, havia 13 milhões sem carteira assinada e 25,5 milhões de trabalhadores por conta própria, a maioria dos quais sem cobertura previdenciária. Destacam-se também as quase 6 milhões de pessoas no emprego doméstico, a maioria também sem carteira assinada. A população ocupada na informalidade representava quase 40% das pessoas ocupadas em 2022. Imaginem o desafio, tanto em termos econômicos quanto sociais, para o país sustentar os informais no futuro quando não puderem mais trabalhar.

Olhando pelo lado do rendimento, os dados são também bastante desfavoráveis. Em 2022 o rendimento médio (R$ 2.714) atingiu o menor nível desde 2013. Nos últimos dois anos houve queda de 8% no rendimento médio real. O baixo crescimento econômico, aliado à inflação, está por trás da queda do rendimento da população nos últimos anos.

Os dados desfavoráveis do mercado de trabalho justificam a preocupação do atual governo com a questão social e a luta por encontrar recursos orçamentários que permitam a transferência de renda aos mais pobres e aos excluídos do mercado de trabalho. Trata-se de uma questão emergencial que precisa ser enfrentada. Mas no médio prazo é preciso que a economia volte a crescer para que as pessoas consigam se inserir da melhor forma possível no mercado de trabalho.

A economia vem rateando desde 2014. É praticamente uma nova “década perdida”. Como sair do atoleiro em que o país está mergulhado? Como fazer com que as pessoas precisem cada vez menos de transferências sociais e consigam gerar sua própria renda?

A resposta certamente passa pela questão da produtividade e da geração de empregos. Desde 2013 a produtividade do trabalho encontra-se estagnada no país, exceto em 2020 quando houve crescimento por conta da crise no mercado de trabalho no primeiro ano da pandemia, voltando em seguida ao padrão anterior. A produtividade baixa dos últimos anos permitiu a geração de empregos, mas em sua maioria precários e mal remunerados. Note-se, entretanto, que geração de empregos e aumento da produtividade do trabalho são objetivos perfeitamente compatíveis, podendo gerar um círculo virtuoso, bastando para isso que a economia cresça mais que a produtividade.

A comparação com os níveis de produtividade de outros países é muito desfavorável ao Brasil. Segundo o ranking da World Population Review de 2022, o Brasil aparece em 57º lugar numa lista de 62 países, atrás da Argentina, México, Uruguai, Chile, Colômbia, Peru e Equador. Por outro lado, a produtividade do trabalho dos países mais desenvolvidos é muito maior que a brasileira - Noruega (7 vezes); Estados Unidos (6,2); França (5,5); Alemanha (5,3).

Por que a posição do Brasil é tão negativa comparativamente ao padrão internacional e por que a produtividade tem evoluído de forma tão negativa nos últimos anos? Várias causas têm sido apontadas.

Um dos primeiros pontos mencionados por especialistas sobre o tema e que contribui para o baixo nível de produtividade do país é o padrão deficiente da escolaridade da população em geral e da força de trabalho em particular e a má qualidade do ensino. Se por um lado a escolaridade média tem crescido, por outro ainda há muito a ser feito nessa área, começando pelo ensino fundamental, passando pelo ensino técnico e continuando no ensino superior.

Outra questão importante sempre apontada é a baixa taxa de investimentos, que vem de longa data e tem se acentuado nos últimos anos por conta dos desequilíbrios da economia. Como consequência, há grandes deficiências na infraestrutura conduzindo à utilização de tecnologias e processos produtivos defasados que contribuem para a estagnação da produtividade.

Há ainda questões associadas ao ambiente de negócios, a uma estrutura tributária complexa e ao excesso de burocracia, que acabam dificultando o processo produtivo retardando o crescimento da produtividade.

O que fazer para superar as atuais dificuldades em termos de produtividade? A resposta é complexa passando, inicialmente, pela vontade política para enfrentar os atuais problemas. Alguns pontos, entretanto, poderiam ser destacados.

Seria fundamental que as políticas públicas consigam dar conta das diversas áreas que influenciam o nível geral da produtividade do país (investimentos em infraestrutura, educação básica, formação profissional em geral, crédito para empresas inovadoras, entre outras) onde as atuais carências são conhecidas e planejada sua superação a médio prazo. Com isso seria dado um primeiro passo.

O pano de fundo para o aumento da produtividade seria, sem dúvida, a retomada da capacidade de investimento do setor público limitada pelas dificuldades fiscais do país. Investimentos públicos e privados são complementares e precisam estar articulados. As parcerias público-privadas devem ser bem aproveitadas. A política de teto de gastos dos últimos anos criou um sério obstáculo para a participação do Estado nos investimentos, dificultando com isso a parceria com o setor privado. Terá, portanto, que ser substituída por um outro mecanismo como prometido pelo atual governo.

Alguma limitação ao crescimento dos gastos públicos precisaria ser implementada para evitar seu eventual descontrole com o abandono definitivo do teto dos gastos, como, por exemplo, através da definição da trajetória de evolução da relação dívida pública/PIB a médio/longo prazo, que é uma forma padrão de controle da dívida pública. Pelo lado da receita ainda há espaço para o aumento da arrecadação de impostos, como no caso da tributação de dividendos e na redução de diversas desonerações existentes que poderiam dar uma contribuição adicional à questão fiscal.

O fato de estarmos diante de um novo governo nos próximos quatro anos representa um momento especial que precisa ser bem aproveitado para modificar a trajetória dos investimentos no país e com isso contribuir para o crescimento da produtividade no futuro.

*João Saboia é professor emérito do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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