O Globo
O agravamento de problemas urgentes, da
epidemia de feminicídios e estupros à precarização do mercado de trabalho,
monopolizou — de novo — a agenda de reflexões, reivindicações e debates do 8 de
Março, Dia Internacional da Mulher. Assunto de mulher não é só violência de
gênero e desigualdade salarial. Mas os últimos anos, de tão nefastos,
sequestraram das brasileiras também a possibilidade de passar 24 horas
reivindicando participação em temas que, por inércia — e machismo, claro — têm
sido mantidos nas mãos dos homens. E que não dizem respeito somente a eles.
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública informou que um terço das brasileiras com 16 anos ou mais de idade já sofreu violência física e/ou sexual cometida por parceiro ou ex. A Rede de Observatórios de Segurança acompanhou ocorrências contra mulheres, no ano passado, em sete estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Maranhão, Ceará e Piauí. Contou 2.423 crimes, de bala perdida a agressão verbal, de cárcere privado a feminicídio, de ameaça a estupro.
Depois do hiato no ano eleitoral, o
Instituto de Segurança Pública retomou a divulgação do Dossiê Mulher, relatório
essencial à elaboração de políticas públicas de enfrentamento à violência de
gênero. A 17ª edição, referente a 2021, segundo ano da pandemia, é desoladora.
A cada cinco minutos uma mulher foi vítima de algum tipo de violência no estado
governado por Cláudio Castro. Houve 85 feminicídios. Em 21, filhos presenciaram
o assassinato das mães; 14 vítimas tinham conseguido na Justiça medida
protetiva contra o agressor. Sete em cada dez feminicídios ocorreram dentro de
casa, 81% foram cometidos por cônjuges ou ex. A cada 24 horas, 12 meninas ou
mulheres são estupradas em território fluminense.
O último ano do governo Jair
Bolsonaro chegou ao fim com desemprego de 6,5% para homens e de
9,8% para mulheres. O rendimento médio deles terminou 2022 em R$ 3.099, ante R$
2.416 delas. Dos cargos de gerência, 39,2% eram ocupados por profissionais do
sexo feminino — em uma década, a proporção não avançou nem dois pontos
percentuais, segundo estudo da pesquisadora Janaína Feijó, do Ibre/FGV. Não é
de mentirinha a conta que estima em um século o prazo para o alcance da
equidade se o ritmo não for acelerado. E a situação é ainda mais grave para
mulheres negras e indígenas, seja nas estatísticas de violência, seja no
mercado laboral.
São esses indicadores de vida e morte que
nos obrigaram ao Dia Internacional da Mulher de mais lamento que regozijo. O
presidente da República anunciou um conjunto de medidas na direção correta do
enfrentamento às mazelas agudas: de cota para mulheres vítimas da violência em
contratações públicas à construção de 40 unidades da Casa da Mulher Brasileira
no país; do esforço por aprovação no Congresso Nacional da lei de equiparação
salarial à instituição do 14 de março como o Dia Marielle Franco de
enfrentamento à violência política; da criação do programa de saúde menstrual à
licença-maternidade para as brasileiras do Bolsa Atleta.
Numa fresta, uma centena de organizações da
sociedade civil entregou a Luiz Inácio Lula da
Silva um manifesto pela indicação de juristas negras ao Supremo Tribunal
Federal. A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, em entrevista ao
“Estúdio i”, da GloboNews, avisou que também levará o assunto ao presidente,
que vem dando sinais de que apresentará Cristiano Zanin, seu advogado na
Lava-Jato, como sucessor do ministro Ricardo Lewandowski, que deixará o STF em
maio.
Faltou-nos tempo para bradar ao país que a
indicação de cargos às Cortes Superiores é assunto de mulher — e de mulher
preta, maior parcela da população (28%) e também a menos representada. Economia
é assunto de mulher porque as trabalhadoras brasileiras chefiam famílias se
equilibrando em alta informalidade, baixa remuneração e oportunidades limitadas
de ascensão profissional, tanto no setor privado quanto no público. São elas
que estão à frente da maioria das famílias endividadas do país. Segundo a CNC,
77,9% dos lares brasileiros tinham dívidas no ano passado.
Inflação de alimentos, da educação, da
saúde é assunto de mulher, a quem desproporcionalmente cabem as atribuições com
a casa, as crianças, os idosos. Reforma tributária é assunto de mulher,
penalizada pela carga tributária regressiva, que faz quem ganha menos pagar
mais. Orçamento público é assunto de mulher, porque é a distribuição dos
recursos de União, estados e municípios que financia e viabiliza as políticas
sociais. Meio ambiente é assunto de mulher — e posso provar. Não é por acaso
que Marina Silva, Sonia
Guajajara e Joenia
Wapichana estão à frente dos ministérios do Meio Ambiente, dos
Povos Indígenas e da Funai, respectivamente. Não há assunto da agenda nacional
que não pertença às mulheres brasileiras.
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