sexta-feira, 10 de março de 2023

Flávia Oliveira - Tudo é assunto de mulher

O Globo

O agravamento de problemas urgentes, da epidemia de feminicídios e estupros à precarização do mercado de trabalho, monopolizou — de novo — a agenda de reflexões, reivindicações e debates do 8 de Março, Dia Internacional da Mulher. Assunto de mulher não é só violência de gênero e desigualdade salarial. Mas os últimos anos, de tão nefastos, sequestraram das brasileiras também a possibilidade de passar 24 horas reivindicando participação em temas que, por inércia — e machismo, claro — têm sido mantidos nas mãos dos homens. E que não dizem respeito somente a eles.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública informou que um terço das brasileiras com 16 anos ou mais de idade já sofreu violência física e/ou sexual cometida por parceiro ou ex. A Rede de Observatórios de Segurança acompanhou ocorrências contra mulheres, no ano passado, em sete estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Maranhão, Ceará e Piauí. Contou 2.423 crimes, de bala perdida a agressão verbal, de cárcere privado a feminicídio, de ameaça a estupro.

Depois do hiato no ano eleitoral, o Instituto de Segurança Pública retomou a divulgação do Dossiê Mulher, relatório essencial à elaboração de políticas públicas de enfrentamento à violência de gênero. A 17ª edição, referente a 2021, segundo ano da pandemia, é desoladora. A cada cinco minutos uma mulher foi vítima de algum tipo de violência no estado governado por Cláudio Castro. Houve 85 feminicídios. Em 21, filhos presenciaram o assassinato das mães; 14 vítimas tinham conseguido na Justiça medida protetiva contra o agressor. Sete em cada dez feminicídios ocorreram dentro de casa, 81% foram cometidos por cônjuges ou ex. A cada 24 horas, 12 meninas ou mulheres são estupradas em território fluminense.

O último ano do governo Jair Bolsonaro chegou ao fim com desemprego de 6,5% para homens e de 9,8% para mulheres. O rendimento médio deles terminou 2022 em R$ 3.099, ante R$ 2.416 delas. Dos cargos de gerência, 39,2% eram ocupados por profissionais do sexo feminino — em uma década, a proporção não avançou nem dois pontos percentuais, segundo estudo da pesquisadora Janaína Feijó, do Ibre/FGV. Não é de mentirinha a conta que estima em um século o prazo para o alcance da equidade se o ritmo não for acelerado. E a situação é ainda mais grave para mulheres negras e indígenas, seja nas estatísticas de violência, seja no mercado laboral.

São esses indicadores de vida e morte que nos obrigaram ao Dia Internacional da Mulher de mais lamento que regozijo. O presidente da República anunciou um conjunto de medidas na direção correta do enfrentamento às mazelas agudas: de cota para mulheres vítimas da violência em contratações públicas à construção de 40 unidades da Casa da Mulher Brasileira no país; do esforço por aprovação no Congresso Nacional da lei de equiparação salarial à instituição do 14 de março como o Dia Marielle Franco de enfrentamento à violência política; da criação do programa de saúde menstrual à licença-maternidade para as brasileiras do Bolsa Atleta.

Numa fresta, uma centena de organizações da sociedade civil entregou a Luiz Inácio Lula da Silva um manifesto pela indicação de juristas negras ao Supremo Tribunal Federal. A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, em entrevista ao “Estúdio i”, da GloboNews, avisou que também levará o assunto ao presidente, que vem dando sinais de que apresentará Cristiano Zanin, seu advogado na Lava-Jato, como sucessor do ministro Ricardo Lewandowski, que deixará o STF em maio.

Faltou-nos tempo para bradar ao país que a indicação de cargos às Cortes Superiores é assunto de mulher — e de mulher preta, maior parcela da população (28%) e também a menos representada. Economia é assunto de mulher porque as trabalhadoras brasileiras chefiam famílias se equilibrando em alta informalidade, baixa remuneração e oportunidades limitadas de ascensão profissional, tanto no setor privado quanto no público. São elas que estão à frente da maioria das famílias endividadas do país. Segundo a CNC, 77,9% dos lares brasileiros tinham dívidas no ano passado.

Inflação de alimentos, da educação, da saúde é assunto de mulher, a quem desproporcionalmente cabem as atribuições com a casa, as crianças, os idosos. Reforma tributária é assunto de mulher, penalizada pela carga tributária regressiva, que faz quem ganha menos pagar mais. Orçamento público é assunto de mulher, porque é a distribuição dos recursos de União, estados e municípios que financia e viabiliza as políticas sociais. Meio ambiente é assunto de mulher — e posso provar. Não é por acaso que Marina SilvaSonia Guajajara e Joenia Wapichana estão à frente dos ministérios do Meio Ambiente, dos Povos Indígenas e da Funai, respectivamente. Não há assunto da agenda nacional que não pertença às mulheres brasileiras.

 

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