Valor Econômico
Discussão objetiva de compensações pode
facilitar
Estreou mal a tramitação da reforma
tributária no Congresso neste ano. Há um problema de comunicação entre o
secretário extraordinário de reforma tributária Bernardo Appy e a Câmara dos
Deputados, que pode levar o texto final da reforma para um resultado muito
distante do imaginado pelos idealizadores da proposta.
Não é apenas um problema de falta de base do governo no Legislativo, apontada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e reconhecida pelo líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). É também de convencimento. Appy e especialistas no tema argumentam expressamente que a reforma tributária é um jogo de “ganha ganha”. Ninguém perde. Em 15 anos, o PIB aumentará pelo menos 12%, em uma estimativa que o secretário diz ser conservadora. “É daí pra cima”, afirmou Appy na sua última ida à Câmara, anteontem. O ganho seria em todos os setores. O PIB da indústria aumentaria 16,6%, mas o de serviços subiria 10,1%. Na educação privada, alta de 5,2%. Na saúde, de 6,2%.
Não para por aí: um trabalho dos
economistas Edson Domingues e Débora Freire, encomendado pelo CciF em 2020
afirma que haverá ganhos para todas as faixas de renda, de 0 até mais de 30
salários mínimos. De acordo com os especialistas, a tributação de itens agora
isentos de ICMS, como a cesta básica, seria amplamente compensada pela redução
da carga sobre insumos.
Também não há perdas federativas, de acordo
com os estudos divulgados, porque a expansão da economia compensaria os efeitos
do fim das políticas de atração fiscal ou da mudança da tributação do futuro
IVA da origem para o destino. A se acertar apenas casos específicos como o da
zona franca de Manaus.
Eis aí uma reforma que mexe com a vida de
todo mundo, todos ganham e ninguém perde. Incrível que não tenha sido pensada
antes e aprovada nas duas Casas, já que os males do sistema tributário
brasileiro são de conhecimento geral e a reforma seja discutida desde o governo
Fernando Henrique.
Uma proposta em que simultaneamente todos
os contribuintes e todos os governos tenham só ganhos e nenhuma perda não soa
convincente, o que não quer dizer necessariamente que seja falso. Não parece
real porque contraria o senso comum, expressado nessa quinta-feira em
entrevista pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos): em
um jogo em que a carga fica no mesmo lugar, se um ganha, o outro perde. Se a
indústria deixa de ser sobretaxada, alguém arcará com este alívio. Talvez o
caminho do convencimento não passe por sinalizar com a descoberta da pedra
filosofal ou do paraíso perdido, mas com a discussão objetiva sobre como
estabelecer compensações.
Não se acredita dentro da Câmara que a
proposta de reforma tributária não traga perdas, ao menos em um primeiro
momento, a determinados segmentos. O ponto mais delicado é o fim da isenção
sobre os produtos que integram a cesta básica. Os articuladores da reforma já
perceberam que há um problema e surgiu como fórmula de compensação o
“cashback”. Trata-se de mecanismo pelo qual o consumidor poderia receber de
volta parte do imposto pago em algum item que estava desonerado antes e que
passa a ser taxado com o fim de benefícios fiscais.
O avanço da tecnologia permite que se cruze
a emissão de notas fiscais com os CPFs listados no cadastro único, o que dá uma
dimensão redistributiva ao “cashback”. O contribuinte que recebe Bolsa Família
poderia receber posteriormente de volta o IBS pago ao comprar um litro de leite
ou um saco de arroz. Um programa criado no Rio Grande do Sul, o “Devolve ICMS”,
serve como modelo ao que pode ser esta compensação.
Do ponto de vista prático, a sugestão do
“cashback” tem vários problemas, listados pelos integrantes do grupo de
trabalho que analisam a reforma. “Só acredito em cashback com desconto
automático. Essa coisa de desconto futuro vai fazer que o Brasil seja o único
país do mundo em que pobre precisará ter capital de giro”, diz o deputado Mauro
Benevides Filho (PDT-CE). “O cadastro único está defasado, a devolução que existe
no Rio Grande do Sul, modelo apresentado, é muito pequena e o teto de
beneficiados é baixo”, acrescentou o pedetista.
Há um agravante: Appy sinalizou em sua fala
na Câmara que, quanto mais amplo for o “cashback”, maior seria a alíquota do
IVA, como forma de calibrar a carga tributária. E tudo que o Congresso menos
quer ouvir é em aumentar a alíquota prevista para além de 25%, já considerada
muito alta.
Outro problema foi levantado durante
audiência pública pelo deputado Ivan Valente (Psol-SP). Se o “cashback” ficar
para ser regulamentado por lei complementar, essa é uma tarefa que pode levar
anos. A reoneração viria muito antes de sua compensação.
Se o “cashback” é complexo, a multiplicação
do que Appy chamou de “válvulas de escape” é simples, ou seja: por que não um
IVA comum a todos os Estados com mais de uma alíquota? Benevides defende duas:
uma geral e uma diferenciada para transporte coletivo e de carga, educação e
saúde.
Outro integrante do GT, Jonas Donizette
(PSB-SP), vê com simpatia uma ideia mais ousada, que circula entre
representantes do empresariado do varejo, um IVA quem sabe com cinco alíquotas.
Se cinco alíquotas podem, quem estará nelas? É de se imaginar como irá se
desenrolar no Congresso o lobby entre os setores para figurarem entre os contemplados
com alíquotas diferenciadas. Pode-se colocar em risco a própria essência do
IVA, que é a uniformidade do tratado e a simplificação do sistema.
“Do jeito que está sendo colocado, não
passa nada”, sintetizou o deputado Adail Filho (Republicanos), um dos três
parlamentares do Amazonas que está no colegiado criado por Lira.
Essa é uma armadilha perigosa. Em situações
de impasse, o Congresso tende a decidir nada decidir.
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