O Globo
Está completando sete anos a revelação de
um dos diálogos mais famosos da nossa crônica político-criminal. Na gravação
feita pelo delator e ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, o então
ministro do Planejamento, Romero Jucá, dizia que a elite dirigente do Brasil
precisava de um pacto para deter a Lava-Jato.
Segundo ele, era necessário fazer o impeachment
de Dilma
Rousseff e “botar o Michel (Temer) num grande acordo nacional, com o
Supremo, com tudo”. Desde então, porém, muita coisa já aconteceu: depois do
próprio impeachment, vieram a Vaza-Jato, a desmoralização da Lava-Jato e, por
fim, a ascensão de um presidente da República negacionista, tresloucado e
autoritário, que quase acabou com nossa democracia.
A reação da sociedade foi a possível. Como
parte do Congresso e a Procuradoria-Geral da República fingiram que não havia
nada demais acontecendo, coube ao Supremo tomar decisões que provavelmente não
teriam sido aceitas noutros tempos. O inquérito das fake news é um bom exemplo.
Nascido em 2019 com um insanável vício de origem — foi instalado pelo ministro Dias Toffoli com o objetivo genérico de investigar “notícias fraudulentas, ameaças e infrações” contra ele mesmo e seus colegas do STF, além de ter sido entregue a um relator sem sorteio —, o inquérito permanece sigiloso até hoje e nunca foi concluído.
Ainda assim, como serviu para investigar as redes bolsonaristas que disseminavam fake news sobre a Covid-19 e a vacinação e ainda forneceu elementos aos inquéritos sobre os ataques à credibilidade das urnas eletrônicas e o 8 de Janeiro, acabou legitimado (ou engolido) por boa parte da opinião pública. Gilmar Mendes, decano do tribunal, costuma afirmar que, se não fosse o inquérito das fake news, estaríamos hoje sob uma ditadura.
Faz sentido imaginar que, sem a resistência
do Supremo, o golpismo de Bolsonaro e figuras como Mauro Cid,
Ailton Barros ou Elcio Franco teria avançado de forma irreversível. Daí a dizer
que o STF precisava cometer arbitrariedades para combater o arbítrio vai uma
longa distância.
Apesar do trauma, o 8 de Janeiro fracassou,
e as chances de um novo golpe de Estado hoje são nulas. Mas os supremos juízes
continuam a agir como se tivessem poderes extraordinários para praticamente
tudo.
Muito dessa onipotência tem sido vitaminado
pelo governo Lula,
que, sem rumo e sem força diante de um Centrão guloso e de uma extrema direita
barulhenta, vem recorrendo ao Supremo para resolver no tapetão as faturas que
não consegue liquidar no voto, no Congresso — da Lei das Estatais à
privatização da Eletrobras,
passando pelo orçamento secreto e, se bobear, até a CPI do golpismo.
Isso tem feito com que os ministros que
deveriam zelar pelo cumprimento da Constituição se sintam autorizados a criar
suas próprias regras, de acordo com suas supremas conveniências.
Foi assim que Ricardo
Lewandowski decidiu,
às vésperas da aposentadoria, que a quarentena de 36 meses criada pela Lei
das Estatais para políticos com mandato ou dirigentes partidários ocuparem
cargos de direção nessas empresas representava uma “restrição de direitos” e,
portanto, feria a Constituição.
Veja bem: a lei não impede que políticos
recebam dinheiro do fundo eleitoral, sejam eleitos, comandem seus gabinetes ou
expressem opiniões, mas evita que ocupem cargos por apadrinhamento político em
empresas que administram o patrimônio público.
Mas sabe como é: Lula precisava acomodar
seus aliados nessas empresas, e Lewandowski queria agradar ao presidente para
ver se conseguia emplacar seu candidato para substituí-lo. Então a lei
rapidamente virou inconstitucional.
Do mesmo modo, Edson
Fachin entregou a Dias Toffoli, à revelia da presidente e do regimento do
STF, uma das ações mais espinhosas — por isso mais valiosas — da Corte. Nesse
processo, fundamental para anular as condenações de Lula, Lewandowski concedeu
ao petista acesso aos diálogos hackeados da Vaza-Jato e ainda anulou o uso dos
programas de registro de propina da Odebrecht como prova.
Há hoje mais de 60 pedidos de políticos
pelos mesmos benefícios — todo um Centrão, que vai de Eduardo Cunha a
Anthony Garotinho. Fachin, pelo jeito, não estava a fim de julgá-los, mas
Toffoli acatou a missão sem reclamar. Mais uma vez, violaram as regras do
próprio tribunal.
Ainda assim, ninguém parece se importar. Afinal, por que implicar com uma transgressão à toa, vinda do supremo guardião da democracia? O risco é um dia olharmos para essa quadra da História e percebermos que, de tanto querer defender a democracia, acabamos por ajudar a dilapidá-la mais ainda. Com Supremo, com tudo. Tomara que não seja tarde demais.
2 comentários:
Explêndido!
Sei lá,alguém precisa fazer alguma coisa,que seja o Supremo.
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