Blog do Noblat / Metrópoles
A educação de base no Brasil é tão pobre
que aplaudimos medidas que deveriam nos envergonhar
A educação de base no Brasil é tão pobre que aplaudimos medidas que deveriam nos envergonhar; porque são necessárias, mas provam nosso atraso. É positivo o lançamento de programa visando alfabetizar nossas crianças aos 8 anos: mas, no século 21, já deveríamos estar alfabetizando em um segundo idioma, como o mundo contemporâneo exige e os ricos já fazem.
Há 50 anos o Brasil dá passos certos, mas insuficientes na direção de melhorar e universalizar a educação de base: merenda escolar, vinculação orçamentária, livro didático, garantia de vaga dos 4 aos 17 anos de idade, Fundef, Fundeb, PNE-I, PNE-II, Piso Nacional Salarial, Base Nacional Comum Curricular, Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, reforma do Ensino Médio. Mas continuamos com uma das piores e mais desigual educação no mundo.
Ao longo de todo esse período, não tivemos
a ambição de implantar uma estratégia que coloque nosso sistema entre os
melhores do mundo e os filhos dos ricos ou pobres em escolas com a mesma
qualidade. Ninguém deve ser contra qualquer destas medidas, mas ninguém com
ambição pode comemorá-las, porque são insuficientes para colocar o Brasil entre
os países com boa educação e os pobres com educação na qualidade dos ricos.
Essa semana, mais uma vez, outro pacto para
superar a desvantagem, mas, outra vez, sem estratégia para dar vantagem à
educação de nossas crianças. O chamado Compromisso Nacional Criança
Alfabetizada, é mais uma boa intenção. Repete o pacto lançado pela presidente
Dilma no dia 8 de novembro de 2012. O atual governo diz que é para corrigir o
descaso dos governos Temer e Bolsonaro, mas em 2012 era para corrigir os governos
anteriores. Na verdade, aquele pacto, tanto quanto esse, são promessas para
superar séculos de descaso com a educação dos filhos de pobres. Merece apoio,
mas sem comemoração.
Merece aplausos reservar R$500 milhões por
ano para o esforço de superar a tragédia de termos 1,7 milhão de nossas
crianças no 2º ano do ensino fundamental ainda sem saber ler. Mas os R$250,00
por ano para cada uma destas crianças (pouco mais de R$1,00 por dia letivo) são
insuficientes; até porque o problema não é a falta de dinheiro. A desigualdade
entre eles e os filhos dos ricos, não é apenas falta de dinheiro nos
municípios, mas também cultural, gerencial, geracional. Suas cidades são
pobres, seus pais são analfabetos, seus professores estão desmotivados por
baixos salários, baixa formação e péssimas condições de trabalho.
Não há razão para não apoiar um programa
que se propõe ensinar crianças a ler português, mas não há o que comemorar
quando o mundo contemporâneo exige e os ricos brasileiros já estão
alfabetizando suas crianças em segundo e terceiro idioma. É preciso apoiar, mas
sem comemorar. Parabenizar o Ministro Camilo pelo programa, que é necessário,
mas exigir que ao mesmo tempo ele apresente uma estratégia para “alfabetizar
para a contemporaneidade”: todos os brasileiros concluírem a educação de base
com a qualidade que o século 21 exige: ler e escrever bem português, fluência
em idiomas estrangeiros, saber o que é preciso para conhecer a realidade, ter
um ofício profissional, estar preparado para continuar aprendendo ao longo da
vida.
Faz 70 anos que o Brasil lançou um Plano de
Metas para a indústria brasileira evoluir 50 anos em 5, mas ainda não tivemos
um presidente que assuma a estratégia para, em 20 ou 30 anos, o Brasil ter um
sistema educacional de base entre os cinco melhores do mundo, e que os filhos
dos mais pobres tenham a chance de estudar em escolas tão boas quanto os ricos.
Esta estratégia já está desenhada sob formas diferentes, falta apenas um
presidente que tenha ambição para a educação de base. Que não se conforme com a
condenação do Brasil à pobreza educacional, nem ser promotor de ilusões
conformistas que praticamos há mais de 50 anos. O pacto pelo letramento aos
oito anos é um gesto necessário para superar a desvantagem atual, mas falta
estratégia de “alfabetização para contemporaneidade para todos”, no prazo
necessário, por cidades, até chegar a todo o território nacional. O governo
nacional adotando a educação de base nas cidades que não têm as condições
necessárias. Se iniciarmos agora, em 20 anos já será universal no país, tanto
quanto já seria hoje se tivéssemos levado adiante desde 2003.
Até lá, é preciso aplaudir sem alegria, até
com tristeza, por estarmos fazendo na terceira década do século 21 o que
deveríamos ter feito no século anterior.
*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador
Um comentário:
No meu tempo se dizia ''segundo ano'' também.
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