Fed faz pausa de avaliação no aperto monetário
Valor Econômico
Se há convicção de que o esforço adicional
da política monetária para atingir seus objetivos é de mais 0,5 ponto
percentual, a interrupção é inútil e pode sinalizar indecisão
O Federal Reserve americano deu ontem um
passo incerto ao interromper provisoriamente novas altas de juros e ao mesmo
tempo sinalizar que a maioria de seus membros espera mais dois aumentos das
taxas até o fim do ano. Em março, na reunião do Comitê de Mercado Aberto, em
que apresentaram suas projeções econômicas, seus participantes haviam colocado
como taxa terminal do mais intenso ciclo de aperto monetário em décadas os
juros correntes, na faixa de 5% a 5,25%. Os mercados reagiram sem direção
única: a Dow Jones teve pequena queda (0,68%) e o S&P 500, pequena alta
(0,1%). Os rendimentos dos títulos do Tesouro de 2 anos não se moveram e os de
10 anos caíram 0,04 ponto percentual.
Uma avaliação sobre a trajetória dos efeitos das altas de juros, feitas a partir de março de 2022, indica progressos significativos do Fed, mas nada que ainda tornasse recomendável a interrupção do ciclo neste momento, mesmo que ele esteja perto do fim. A comparação das projeções econômicas atuais com as anteriores, que sugeriam o fim dos aumentos, dá uma ideia quase contrária a essa decisão. O Produto Interno Bruto americano deverá crescer bem mais, 1%, ante 0,4% da previsão anterior. A aposta de queda mais forte do desemprego, para 4,5%, foi reduzida a 4,1% - a taxa atual é 3,7%. O índice de gastos pessoais do consumo em 2023 praticamente não mudou (3,2% ante 3,3%), enquanto que, o que é muito significativo, o núcleo deste índice - a medida considerada mais acurada para a evolução prospectiva da inflação -, subiu de 3,6% para 3,9%.
Em sua exposição, Powell mencionou evolução
gradual do quadro econômico sob a tensão de juros mais elevados. Os
investimentos das empresas continuam em retração, mas não o consumo das
famílias, a economia continua a se mover em ritmo moderado, mas o mercado de
trabalho continua extremamente apertado. Os aumentos salariais se moderaram e
deixaram de ser um fator de preocupação. A média mensal de criação de empregos
no último trimestre foi alta, de 283 mil.
As conclusões do presidente do Fed sobre as
perspectivas da inflação, que é cadente, tampouco referendam automaticamente
uma pausa nos juros. “Os riscos para a inflação são mais de alta”, disse. “O
núcleo dos gastos pessoais de consumo corrente é de 4,7%, e não está se movendo
significativamente para baixo”.
Por que parar de subir então as taxas
demandou dois tipos de explicação de Powell. O primeiro foi formal, em que
traçou a linha do tempo das principais questões que se apresentaram ao Fed e
suas decisões. No início, o fator principal era formular em que ritmo os juros
subiriam, e a escolha foi por aumentos rápidos. Em dezembro, o Fed discutiu
sobre se a magnitude das elevações mensais se manteria, e o banco reduziu os
reajustes para 0,25 ponto. Como se imagina que o ciclo de aperto está para
terminar, Powell afirmou que uma pausa estaria dentro dessa linha evolutiva de ação.
O outro caminho de explicação não fugiu ao
habitual e serviria tanto para reforçar a “decisão baseada nos dados” como uma
interrupção. Ele afirmou que há ainda grandes incertezas no horizonte. Quando
os membros do Fomc fizeram sua projeção anterior alguns bancos regionais
faliram, levando o Fed a temer que isso pudesse provocar um aperto monetário
adicional forte, para além daquele que o ritmo de aumento das taxas já trazia.
Powell disse que a extensão dos efeitos dos estragos provocados nos bancos regionais
ainda é incerta. Está implícito que os juros deveriam subir menos e mais
devagar se o aperto no crédito na esteira da quebra de bancos regionais se
intensificar.
Os investidores seguiram os sinais dados
por diretores do Fed e apostaram em uma pausa nos juros agora, que seria
seguida por um novo aumento já na reunião de julho. Powell afirmou que o
próximo encontro será “acalorado”, mas que não houve qualquer decisão a
respeito de um ajuste da taxa nela. A pausa atual seria uma maneira de avaliar
os efeitos dos aumentos já feitos, dada a defasagem com que a política
monetária sempre age, evitando que uma dose exagerada de juros traga danos
desnecessários à economia americana.
Fora tempo, o Fed pouco ganha com a
decisão. Se, segundo Powell, “novos aumentos de juros” estão para vir e “ainda
há um longo caminho até atingir os 2%”, os próximos passos da autoridade
monetária tornam-se indefinidos. Se, com novos dados, a economia mostrar-se bem
mais fraca e a inflação ceder fortemente, poderá não haver mais altas de juros,
elas ocorrerem em intervalo bem maior, não havendo, nestas circunstâncias,
vantagens em se acenar com mais dois aumentos de 0,25 ponto percentual cada. Da
mesma forma, se há convicção de que o esforço adicional da política monetária
para atingir seus objetivos é de mais 0,5 ponto percentual, a interrupção é
inútil e pode sinalizar indecisão. Se a decisão fosse dependente de dados, como
tem sido, deveria haver novo ajuste de 0,25 ponto.
Os investidores entenderam ao menos um dos
recados do Fed após a reunião: os juros não serão cortados este ano, como
aguardavam.
Visão habitacional de Lula prejudica os
mais pobres
O Globo
Assim como no caso do carro ‘popular’, ele
decidiu favorecer a classe média em detrimento de quem mais precisa
O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva foi eleito empunhando as bandeiras tradicionais do combate à miséria e à
pobreza. No poder, esse discurso encontra cada vez menos eco na realidade. Na
terça-feira, Lula revelou em sua primeira “live” que pretende abrir o programa
Minha Casa, Minha Vida (MCMV) para a classe média, definida como “o cara que
ganha R$ 10 mil, R$ 12 mil”. Pôr essa ideia em prática equivale a trair os
objetivos da política habitacional baseada em subsídios e, pior, frustrar os
brasileiros que mais precisam de moradia.
Criado em 2009, o MCMV sempre teve como
meta combater o déficit habitacional. O objetivo declarado é diminuir as
famílias em habitações precárias, sob pressão devido ao valor do aluguel,
vivendo em coabitações ou áreas com alto adensamento, muitas vezes em regiões
insalubres ou áreas de risco. Diferentes análises sobre os resultados do MCMV
mostram um quadro com altos e baixos. Um estudo do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea) estima que o déficit habitacional cresceu de 5,6
milhões de domicílios em 2011 para 6,1 milhões em 2019. Significa que o
programa foi um desastre? Não exatamente. Sem ele, o déficit seria maior, perto
de 8 milhões. Poderia ser melhor? Certamente.
A ideia de Lula é descabida porque mira no
alvo errado. Posta em prática, tornará o MCMV menos eficaz no cumprimento de
sua meta, porque ele será ainda menos focado. Vale lembrar que 80% do déficit
habitacional se concentra em famílias com rendimento domiciliar de até 3
salários mínimos e 60% nas com renda de até R$ 1.800. É nelas que o MCMV
deveria se concentrar. Sobretudo, em oferecer alternativas àqueles que ainda
vivem em zonas de risco (quase 10 milhões), vítimas de deslizamentos, enchentes
e desastres climáticos a cada dia mais frequentes.
Mesmo que o Brasil estivesse em situação
fiscal confortável, com os cofres do Tesouro jorrando dinheiro e o governo sem
saber onde gastar, mesmo nessa situação dourada e irreal, não faria sentido
ampliar o limite máximo de renda das famílias cobertas dos atuais R$ 8 mil para
R$ 12 mil. Não sem antes reduzir de forma drástica o déficit de moradia entre
os mais pobres.
Na conjuntura atual, tal proposição soa até
como brincadeira. Lula está pressionado para reduzir o gasto e elevar a
arrecadação, com cortes em subsídios, se quiser atingir as metas de
estabilização da dívida pública definidas pelo seu próprio governo. Não está na
conta a elevação do orçamento do MCMV.
Ao que parece, o objetivo de Lula não é
melhorar as condições de moradia dos 6,1 milhões mais necessitados (a maioria
aflita). O cálculo dele é político. Ele quer elevar seus índices de
popularidade com a classe média. O recente subsídio para a compra de carros
“populares”, em detrimento do transporte coletivo, obedeceu à mesma lógica.
Como presidente, Lula pode eleger as metas que bem entender. Só não deveria
dizer que prioriza os mais pobres quando propõe políticas públicas que tiram o
foco dos que mais precisam delas.
É bom sinal disposição do Planalto para
reduzir voos no Santos Dumont
O Globo
Aeroporto doméstico do Rio está
visivelmente saturado, enquanto Galeão continua às moscas
Foi positivo o sinal do Palácio do Planalto
diante das reivindicações do governador Cláudio Castro e do prefeito Eduardo
Paes sobre o Aeroporto Santos Dumont. Depois de encontro com o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva e com os ministros Márcio França (Portos e Aeroportos) e
Rui Costa (Casa Civil), Paes afirmou que Lula aceitou limitar os voos no
terminal doméstico para acabar com o desequilíbrio que compromete o
funcionamento dos dois principais aeroportos do Rio. O Santos Dumont manterá,
segundo Paes, apenas voos para São Paulo (Congonhas) e Brasília. Os demais
deverão passar ao Tom Jobim/Galeão.
O descompasso entre os dois aeroportos é
incontestável. Entre 2019 e 2022, o número de passageiros no Galeão caiu de
13,6 milhões para 5,7 milhões por ano. Enquanto isso, no Santos Dumont, bem
mais limitado, subiu de 8,9 milhões para 9,9 milhões — um contrassenso. Para
piorar, a Changi, empresa de Cingapura que administra o Galeão, vive um impasse
com o governo federal. Depois de anunciar a desistência da concessão no ano
passado, voltou atrás e manifestou intenção de ficar. A decisão envolve
assuntos sensíveis, como renegociação da outorga, além de implicações jurídicas
difíceis. O Galeão continua às moscas, administrado por uma concessionária que
não sabe se ficará à frente do negócio.
Em meio às incertezas, qualquer solução
para o imbróglio passa por reduzir os voos no Santos Dumont. Ele está
visivelmente saturado, como demonstram as constantes aglomerações no saguão, os
atrasos frequentes nos voos, as filas de carros no estacionamento. Não faz
sentido que o aeroporto doméstico registre maior movimento que o internacional
numa cidade que é porta de entrada de estrangeiros no país.
Apesar do desequilíbrio flagrante, o
governo federal vinha resistindo a tomar uma decisão mais drástica — e sensata.
O ministro Márcio França, apesar dos acenos positivos às reivindicações pela
limitação de voos no Santos Dumont, vinha defendendo uma redução para algo em
torno de 9 milhões de passageiros por ano, insuficiente para resolver o
problema.
É louvável que se avance na busca de uma
solução envolvendo os três níveis de governo. A imposição de modelos que não
atendem às demandas locais já se mostrou equivocada durante o governo Jair
Bolsonaro. As distorções que levaram ao desequilíbrio, agravado durante a
pandemia, não vêm de agora, mas precisam ser enfrentadas. O governo cogita
também criar uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) para gestão
compartilhada do Santos Dumont entre Infraero, governo do estado e prefeitura
do Rio.
Ainda que a proposta para redução dos voos só comece, de acordo com Paes, a ser aplicada a partir de janeiro, porque já há passagens compradas, não deixa de ser uma perspectiva alvissareira para melhorar o funcionamento dos aeroportos do Rio. Claro que não está tudo resolvido. A concessão do Galeão ainda é uma questão em aberto. Mas limitar os voos no Santos Dumont já será um grande passo.
Fraude
Folha de S. Paulo
Caso Americanas recebe nome devido;
apuração é vital para credibilidade do setor
Desde que eclodiu o escândalo da
Americanas, em janeiro, parecia inevitável que as "inconsistências"
bilionárias detectadas nos balanços da empresa acabassem por ser descritas com
mais precisão como fraude. Foi o que ocorreu agora.
Na terça-feira (13), a varejista
usou a palavra em comunicado de fato relevante ao mercado —e a
repetiu em novo documento nesta quarta (14), ao esclarecer que "no que diz
respeito aos resultados da companhia ao longo do tempo, a fraude descrita
ajudou a incrementá-los em R$ 25,3 bilhões".
Em bom português, a Americanas, hoje em
recuperação judicial, manipulou sua contabilidade em proporções astronômicas
para obter lucros fictícios, que se converteram em dividendos para os
acionistas e bônus para os diretores.
Segundo o relatório preliminar elaborado
por assessores jurídicos, foram simulados acordos com fornecedores para
descontos em compras em troca da exposição dos produtos em campanhas
publicitárias, entre outros lançamentos irregulares nos balanços.
Detalhes à parte, é evidente que um embuste
de tamanhas dimensões —os valores, aliás, podem ser maiores— não teria ocorrido
sem negligência, omissão ou cumplicidade interessada de um considerável número
de pessoas.
O comunicado da Americanas responsabiliza
nominalmente sete dirigentes, todos já afastados de suas funções, e menciona
ainda "colaboradores identificados".
Em depoimento à CPI da Câmara
dos Deputados que investiga o caso, o principal executivo da
companhia, Leonardo Coelho Pereira, afirmou que também há indícios de
participação das empresas responsáveis por auditar os resultados. Há pressões
para que o trio de acionistas de referência da Americanas seja chamado à
comissão.
Tudo considerado, seria simplismo excessivo
apontar que a fraude está circunscrita à esfera privada. Para além das
múltiplas relações com fornecedores e credores, a varejista está listada em
Bolsa de Valores —vale dizer, suas ações são oferecidas diariamente ao público,
o que implica exigências legais e vigilância das autoridades.
Da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) à
Justiça, investigações e punições serão cruciais para a credibilidade do
mercado acionário do país. Ao Congresso Nacional caberá debater eventuais
aperfeiçoamentos na legislação das sociedades anônimas, a partir de projetos já
em tramitação.
A empresa, como qualquer outra, merece a
chance de se recuperar com as próprias pernas. Seus fraudadores merecem o rigor
da lei.
Mais um El Niño
Folha de S. Paulo
Fenômeno desarranja o clima e eleva riscos
de incêndio, o que exige prevenção
O planeta se
prepara para um novo El Niño, fenômeno que ocorre quando águas
superficiais mais quentes no oceano Pacífico perturbam o clima do mundo. No
Brasil, a diminuição de chuvas no Norte e no Nordeste acende um
aviso de alerta, em especial para a Amazônia, a exigir empenho
redobrado do governo federal em prevenção.
O evento natural se repete a intervalos
irregulares, e alguns estudos indicam que o aquecimento global pode torná-lo
mais frequente e intenso. Fato é que, quando se impõe, como a partir de agora,
a temperatura média da atmosfera sobe.
A volta do El Niño alarma porque, mesmo não
aparecendo nos últimos seis anos, o período gerou seis dos nove anos mais
quentes das medições iniciadas em 1880 —todos eles ocorridos após 2014. Em 2017
e 2018 prevaleceu a condição La Niña, que resfria o globo, mas não a ponto de contrarrestar
a tendência de longo prazo.
Antes até de confirmado seu advento, a
Terra já se achava sob fogo. No Canadá, literalmente, com incêndios florestais
que sufocaram Nova York com fumaça e engoliram vegetação de área equivalente à
do Rio Grande do Norte.
Em outros oceanos também se verificam
anomalias, a indicar que mudanças climáticas mais ameaçadoras podem estar em
curso. O Atlântico Norte mostra-se 1ºC mais quente que na média de 1981 a 2011.
O gelo marinho em torno da Antártida recuou para níveis recordes.
A comunidade internacional não consegue
consenso para atualizar metas do Acordo de Paris (2015). A próxima cúpula
(COP28) se realiza em cinco meses em Dubai, no epicentro petrolífero das
emissões de carbono; nem mesmo uma agenda da futura reunião se consegue fechar
no encontro preparatório ora em curso em Bonn (Alemanha).
A queima de carvão, petróleo e gás natural
precisaria recuar 6% ao ano para se observar o limite de 1,5ºC fixado em Paris,
mas não há sinal disso. O Brasil pode dar contribuição relevante reduzindo o
desmatamento, origem da maior parte de sua poluição climática.
A troca no governo federal decerto mudou as
condições para tanto, após a desarticulação do sistema de prevenção e combate
sob Jair Bolsonaro (PL). O Ibama foi reforçado, mas não é seguro que possa
fazer frente à composição explosiva de estiagem por El Niño e setor
agropecuário inflamado.
Em 1998, um ano de El Niño, só no estado de Roraima queimaram 11 mil km² de vegetação —área igual ao que se derrubou na Amazônia Legal em 2021-22. Evitar um desastre desse porte será um desafio para a ministra Marina Silva.
A inacreditável ‘TV PT’
O Estado de S. Paulo
A ideia de que o PT possa ter concessão
pública de radiodifusão, esdrúxula, reforça a vocação antitrrepublicana do
partido, incapaz de distinguir o público do privado
É evidente que o Ministério das
Comunicações deve rejeitar, sem pestanejar, o inacreditável pedido do PT para
operar seus próprios canais de rádio e TV com sinal aberto. Se o fará mesmo são
outros quinhentos, posto que o governo é do PT e o presidente é Lula da Silva,
aquele que nomeou o próprio advogado para o Supremo Tribunal Federal porque,
ora vejam, é seu amigo do peito. Lula pode posar de democrata, mas a natureza
antirrepublicana do lulopetismo sempre fala mais alto.
Ao encaminhar o pedido, a presidente do
partido, Gleisi Hoffmann, argumentou, em tom solene, que “o PT é grandioso”, “o
maior partido de esquerda da América Latina”. Nada mais natural, portanto, que
uma agremiação política formidável como essa tenha sua emissora de rádio e seu
canal de TV para “difundir as ideias e propostas da militância”. E mais: tudo
isso bancado com recursos públicos, porque ninguém ali é bobo.
É bastante improvável que o pedido petista
prospere, mas não por ser absurdo e, no limite, inconstitucional, que fique
claro. O ministro das Comunicações, Juscelino Filho, já deu mostras suficientes
de que não perde um minuto de sono preocupado com a separação entre os
interesses público e privado. Acossado pela série de malfeitos revelados por
este jornal, não é difícil imaginá-lo atendendo ao pleito do PT como forma de
se sustentar na cadeira. Tampouco Lula faria essa distinção republicana. Basta
ver a instrumentalização da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) como plataforma
de suas lives, para citar apenas um exemplo recentíssimo de seu descompromisso
com a impessoalidade.
O pedido petista não deverá ir adiante
porque, ainda que passe pelo ministro das Comunicações e pelo presidente da
República, dificilmente seria acolhido pelo Congresso. A Constituição, em seu
artigo 223, diz que a outorga e a renovação de concessões de radiodifusão
competem ao Poder Executivo, mas a decisão deverá ser apreciada pelo
Legislativo em tempo hábil (§ 1.º). Mas admitamos, num exercício de reductio ad
absurdum, que os parlamentares cheguem à conclusão de que não só o PT, mas
todos os partidos deveriam ter seus canais de rádio e TV. Caberia, então, ao
Supremo declarar a inconstitucionalidade da medida por violação do princípio da
moralidade, sem falar no descumprimento da Lei de Licitações – ou seria aberta
concorrência pública para cada uma das frequências pretendidas pelas legendas?
Ora, o PT quer é justamente instalar essa
confusão no País. Partidos políticos não têm de ter concessões públicas de
radiodifusão por uma razão elementar: já têm à disposição o discutível “horário
gratuito” de propaganda de rádio e TV e ainda dispõem dos horários reservados
às campanhas eleitorais a cada dois anos. E todas essas inserções, convém
lembrar, a expensas dos contribuintes, seja por meio de isenções tributárias
concedidas às emissoras de rádio e TV que veiculam as peças institucionais e
publicitárias, seja pelos fundos públicos que financiam os partidos. Como o PT
não se sustenta vendendo camisetas ou broches com a estrelinha do partido, é
óbvio que a programação da tal “TV PT” seria produzida com recursos públicos.
Outro aspecto não menos importante a
revelar o descalabro que seria a concessão pública à “TV PT” é a quebra da
isonomia entre os partidos. Em qualquer democracia saudável, todas as siglas
que representam as ideologias e os múltiplos interesses dos cidadãos,
preenchidos os requisitos legais para sua criação, devem ter paridade de armas
na conquista de eleitores. Como nem todos os partidos políticos no Brasil –
mesmo entre os que estão representados no Congresso – haverão de ter um canal
de TV para chamar de seu, o PT teria à disposição um poderoso instrumento de
comunicação que desequilibraria a seu favor a disputa democrática pelo poder.
Por fim, é preciso reafirmar que a
concessão de radiodifusão é um serviço público da maior relevância que não deve
ser reduzido a instrumento de desinformação por um partido que, entre as
fantasias e os fatos, há muito já fez sua escolha.
Apostando na anomia
O Estado de S. Paulo
A jogatina online está em toda parte, como
se fosse permitida no Brasil. Mas não se tem notícia de que o País tenha
liberado as apostas. Trata-se de evidente afronta à noção de república
O atual funcionamento das casas de apostas
esportivas online escancara um dos grandes problemas nacionais: a capacidade de
fazer com que a lei seja de fato cumprida e respeitada – o chamado law
enforcement – é muito baixa. O jogo continua sendo ilegal no Brasil, mas, em
vez de a lei moldar o comportamento das empresas e indivíduos, parece que os
fatos é que se impõem, como se a legislação simplesmente não existisse ou,
existindo, não tivesse a mínima importância. E, verdade seja dita, ninguém
parece se importar muito com essa situação que viola princípios republicanos.
Há uma ampla tolerância com o ilícito – tão ampla e difundida que o ilícito passa
a ser visto como lícito, como uma atividade normal e corriqueira.
Este jornal sempre se posicionou contra a
liberação dos jogos de azar, seja pelos efeitos nocivos à saúde pública, seja
pela possibilidade de que a atividade sirva a propósitos criminosos, como a
lavagem de dinheiro. Mas não se trata aqui de discutir os argumentos contrários
ou favoráveis à proibição dos jogos, e sim de lembrar que existe lei que regula
o tema e que ela está sendo olimpicamente descumprida, como se não existisse.
A Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei
3.688/1941), que proibiu o jogo de azar no País, continua vigente. Se há
pessoas interessadas em revogar essa proibição – e é notório que há –, elas
devem, exercendo legitimamente seus direitos políticos, trabalhar para que o
Congresso revise a atual legislação. É assim que funciona no Estado Democrático
de Direito. A atitude de ignorar a lei, agindo como se a liberação das apostas
fosse um fato consumado, é antidemocrática. A rigor, esse modo de atuar torna
irrelevante o trabalho do Legislativo. A própria voz do povo, manifestada por
meio de seus representantes eleitos, passa a ser irrelevante.
É incrível como as casas de apostas online,
mesmo exercendo uma atividade manifestamente ilegal no País – não por acaso,
essas empresas têm suas sedes no exterior, como revelou reportagem do Estadão
–, dominaram os campeonatos esportivos, estando já entre as grandes
financiadoras dos clubes de futebol e as grandes anunciantes da televisão
brasileira. Para piorar, nesse subjugar a legislação, verdadeiro atropelo das
regras nacionais, as casas de apostas online contam com a colaboração de muitas
celebridades, de diversas áreas, que não veem problema em emprestar seu nome,
seu prestígio e sua popularidade para incentivar a participação nesse tipo de
atividade.
Trata-se da trajetória perfeita de
desmoralização da lei. Diante da onipresença de seus anúncios nos campeonatos
de futebol, por exemplo, quem poderá pensar que essas apostas esportivas
continuam proibidas no País? Além disso, com tão intensa e crescente
publicidade do setor, é razoável concluir que o retorno não deve ser pequeno,
com cada vez mais pessoas apostando. Segundo o Estadão, estima-se que o mercado
de apostas online no Brasil movimente cerca de R$ 12 bilhões por ano. Ou seja,
é hoje virtualmente impossível supor que o Congresso terá condições de reunir
maioria contra esses fatos consumados. Na prática, ignorou-se a opinião de
cidadãos que são contrários à liberação dos jogos – e, ao contrário das
aparências, esses cidadãos existem.
Aos que desejam fazer uma burla
interpretativa da legislação, convém lembrar que a hipótese prevista na Lei
13.756/18, que diz respeito às “apostas de quota fixa”, exige autorização ou
concessão do Ministério da Fazenda, que nem sequer regulamentou o tema. Toda a
atuação das casas de apostas online no País é, portanto, rigorosamente fora da
lei.
Houve inúmeras tentativas de legalizar o
jogo no País, mas o Congresso sempre as rejeitou. Em 2015, o Legislativo
reiterou a proibição, incluindo na pena de multa “quem é encontrado a
participar do jogo, ainda que pela internet ou por qualquer outro meio de
comunicação, como ponteiro ou apostador”. Diante da barreira legislativa,
mudou-se a tática, para simplesmente ignorar a lei. Funcionou.
Mais dúvidas sobre a meta fiscal
O Estado de S. Paulo
Acórdão do STJ deixa claro que governo terá
de rever gastos para garantir credibilidade da política fiscal
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou
o acórdão de um caso muito relevante para a União. No julgamento realizado no
fim de abril, o tribunal acatou uma tese defendida pela ProcuradoriaGeral da
Fazenda Nacional (PGFN) e decidiu que as empresas não podem usar benefícios
fiscais oriundos de um imposto estadual, o ICMS, para reduzir a base de
incidência de tributos federais como o Imposto de Renda e a CSLL.
Com a vitória, o Ministério da Fazenda
estimou um aumento de receitas de até R$ 90 bilhões anuais, recursos
fundamentais para a meta fiscal deste e dos próximos anos. No acórdão, no
entanto, o STJ esclareceu pontos que poderão fazer muita diferença nesse
cálculo, entre os quais o uso de subvenções enquadradas nos requisitos da Lei
Complementar 160/2017.
Tal legislação equiparou as subvenções de
custeio às de investimentos, determinou o registro desses valores como reserva
de lucros e estabeleceu requisitos para a aplicação desses recursos. Pelo
acórdão do STJ, essas reservas deverão ser tributadas se forem distribuídas a
acionistas na forma de dividendos ou juros sobre capital próprio, mas ficarão
isentas se servirem para reinvestimentos ou dedução de prejuízos. Caberá à
Receita Federal fiscalizar o cumprimento desses critérios caso a caso.
A decisão do STJ gerou entendimentos
opostos, que permaneceram mesmo após a publicação do acórdão. Para
especialistas na área tributária, a sentença garantiu que a ampla maioria das
empresas continue não sendo tributada. O Ministério da Fazenda concluiu o
oposto, ou seja, que uma minoria ficará livre de impostos – certeza esta que
manteve inalterada a previsão do governo de arrecadar até R$ 90 bilhões em
razão da decisão.
Qualquer informação mais firme sobre o
assunto dependerá da divulgação dos dados oficiais da arrecadação. Mas, antes
mesmo de o acórdão tornar-se público, a Instituição Fiscal Independente (IFI)
do Senado já havia feito um alerta sobre as incertezas acerca dos efeitos de
decisões judiciais nas receitas da União.
Segundo a IFI, o julgamento em questão
renderia R$ 7,1 bilhões neste ano – uma quantia importante, mas bem mais
modesta que a esperada pela Fazenda. Na hipótese de que o governo não esteja
enganado, para arrecadar este montante, ele ainda dependerá da iniciativa das
empresas de regularizar sua situação de forma voluntária até o fim de julho.
O arcabouço deixou claro que o governo
apostava mais no incremento de receitas do que no corte de despesas para
atingir a meta. Mas, se o acórdão do STJ foi incapaz de desfazer convicções de
quaisquer dos lados desta contenda, ele reforçou dúvidas sobre o cumprimento da
meta fiscal.
Sem esse reforço extra, o objetivo de reduzir o déficit a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) deste ano e a zero em 2024 será inviável. Não há mágica. Se quiser assegurar a credibilidade de sua política fiscal, o governo terá de rever gastos e enfrentar interesses, a começar pelos subsídios, que somaram escandalosos R$ 581,5 bilhões, o equivalente a 5,86% do PIB do ano passado.
Lei e educação para erradicar o feminicídio
Correio Braziliense
A banalização da vida feminina está muito
associada ao patriarcalismo ainda dominante, e pelo qual a mulher é um ser
inferior ao homem em todos os sentidos
No primeiro trimestre de 2023, o número de
feminicídios aumentou 350%, no Distrito Federal, na comparação com igual
período de 2022 — nove mulheres foram executadas por seus companheiros, quase a
metade do total registrado vítimas ao longo do ano anterior. Em Minas Gerais,
nos primeiros deste ano,11 mulheres foram assassinadas e 14 vítimas de
atentados. A banalização da vida feminina está muito associada ao
patriarcalismo ainda dominante, e pelo qual a mulher é um ser inferior ao homem
em todos os sentidos. Portanto, deve ser subordinada às vontades e aos
interesses do sexo oposto, inclusive o direito à vida.
Causa espanto e até revolta entre os mais
sensíveis, quando uma advogada do Piauí, no dia dos namorados, usa as redes
sociais e declara que "adora crime passional", e garante que o
repugnável ato combina com o 12 de julho. Para ela, são "os tipos de
crimes mais interessantes para a gente trabalhar no tribunal do júri".
Entre janeiro e abril último, os casos de feminicídios tiveram um aumento de
44% naquele estado.
Fica a impressão de que os avanços na
legislação — as leis Maria da Penha e do feminicídio —, não inibiram a
violência dos machistas. Eles seguem com as agressões físicas, morais,
psicológicas, patrimoniais que culminam com o assassinato cruel da mulher. As
medidas protetivas, decretadas pela Justiça, às mulheres agredidas, têm surtido
pouco efeito. As determinações judiciais não são respeitadas pelos homens. Eles
desafiam o Judiciário e as forças de segurança pública se revelam incapazes de
fazê-los cumprir a ordem judicial. Por fim, quando preso e condenado, o
criminoso conta com o benefício da progressão da pena, que o devolverá à
sociedade em poucos anos.
Os programas de prevenção e proteção das
mulheres, sob responsabilidade do governo federal, foram desidratados
financeiramente. Nos últimos anos, o governo passado impôs cortes no orçamento
que chegaram a 90%, o que comprometeu o funcionamento das casas da Mulher
Brasileira e de outras instituições criadas para essa finalidade. Além disso,
grande parte das delegacias de polícia não contempla um atendimento
diferenciado às mulheres agredidas. Muitas delas são submetidas à
revitimização, quando buscam amparo policial, devido à perseguição do seu
algoz. Faltam-lhes acolhimento adequado e proteção necessária, diante da
gravidade da ameaça de morte.
Apesar da existência de pessoas que se
regozijam com a brutalidade masculina, há sinais no horizonte de que há chances
de avanço nas ações do Estado e do Judiciário para reverter o cruel quadro e
desmistificar os conceitos patriarcalistas, que subestimam a capacidade da
mulher e as tratam como objeto de propriedade do homem. Em artigo, publicado
pelo Correio, a juíza Rejane Jungbluth Suxberger, do Tribunal de Justiça do
Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), máster em gênero e igualdade pela
Universidade Pablo de Olavide, de Sevilla, na Espanha, afirma que "no
enfrentamento da violência doméstica, são imprescindíveis ações conjugadas que
possam modificar os discursos e as práticas revitimizadores das mulheres no
sistema de justiça".
A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, especialista em gênero e enfrentamento à violência contra a mulher, ativou o serviço Disque 180, voltado a casos de vítimas de violência doméstica, em que funcionários treinados orientam as vítimas. O serviço está disponível, em todo o país, inclusive pelo WhatsApp — (61) 9610-0180. Além dessas providências, mostrando o engajamento do Judiciário e do governo, para conter a violência contra as mulheres, faz-se necessário uma grande campanha de educação, a começar na infância, para erradicar o machismo e a falsa ideia de que os homens são seres superiores às mulheres.
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