quinta-feira, 15 de junho de 2023

Bruno Carazza - União Brasil: o monstro de muitas cabeças que chantageia Lula

Valor Econômico

Metade Centrão, parte bolsonarista e com DNA do velho PFL, não dá para esperar fidelidade do União Brasil

Na onda de reposicionamento de marcas que ocorreu na última década entre os partidos brasileiros, saiu a sopa de letrinhas das siglas que não diziam nada para entrar nomes bonitos que, na prática, dizem menos ainda. Avante, Cidadania, Novo, Patriota, Podemos, Progressistas, Rede, Republicanos, Solidariedade, União Brasil: na maioria das vezes, a postura e a conduta do partido contradizem totalmente a sua denominação.

Ocupando os noticiários com as negociações em torno da primeira reforma ministerial de Lula, o União Brasil é símbolo desses contrassensos entre o nome e sua composição.

Fundado no final de 2021 pela fusão do Democratas (antigo PFL) com o PSL, o União Brasil conta atualmente com 59 deputados (só perde para o PL e o PT) e 9 senadores (atrás apenas de PSD, PL e MDB). Trata-se de uma das maiores forças no Congresso; logo, é natural que tenha sido cortejado por Lula para integrar a sua base desde a promulgação do resultado das urnas.

De olho nos votos mais de 10% dos plenários da Câmara e do Senado, Lula cedeu ao União Brasil três ministérios na montagem do primeiro escalão de seu governo. O partido, entretanto, não tem entregue os votos esperados e pressiona o presidente por mais poder.

Acontece, porém, que o perfil do União Brasil é muito heterogêneo. E isso dificulta muito as coisas para o governo.

Para começar, apesar de ser resultante da integração entre DEM e PSL, dos 59 deputados atuais do partido apenas 22 disputaram eleições no ciclo 2018-2020 por esses dois partidos – 16 são provenientes do DEM e 6 vieram do PSL.

A maioria dos integrantes atuais do União Brasil migrou para o partido em 2022 atraídos pelo fundo eleitoral – o maior da disputa passada, turbinado pela expressiva votação de bolsonaristas em 2018, ano em o ex-presidente concorreu pelo PSL.

Entre os 43 deputados recém-chegados ao União Brasil tem ex-integrantes de 12 partidos, do PTB ao PC do B. Logo, não dá para esperar coerência ideológica de um partido tão diverso.

Sob o ponto de vista da senioridade, o partido tem alguns membros com larga experiência política – raposas como Mendonça Filho e José Rocha (do velho PFL), Arthur Maia, Fernando Coelho Filho, Elmar Nascimento e o próprio Luciano Bivar, antigo “dono” do PSL. Nem todos, porém, têm afinidades com Lula e com o PT.

O União Brasil também conta com 12 deputados que nunca exerceram um mandato político antes, sendo que dez deles disputaram em 2022 a sua primeira eleição na vida – como é o caso de Rosângela Moro e de Dayany Bittencourt, esposas, respectivamente, do senador e ex-juiz Sérgio Moro e do Capitão Wagner, candidato derrotado ao governo do Ceará. São deputados sem experiência e traquejo com o jogo político.

A análise do perfil dos integrantes do União Brasil permite enquadrar boa parte de seus membros no Centrão. Assim, pela sua natureza fisiológica, faz sentido a expectativa do governo de obter um grau razoável de adesão nas votações mais importantes, mesmo que ao custo da distribuição de cargos e de verbas públicas.

Essa fidelidade, porém, nunca será total e, a depender da matéria em votação, tende a ser incerta e em muitos casos, mínima.

Em primeiro lugar, o União Brasil nunca oferecerá a Lula 100% de seus votos porque abriga em seus quadros uma quantidade não razoável de bolsonaristas e antipetistas. Computando todos as votações ocorridas entre 2019 e 2022 na Câmara, 18 deputados reeleitos do União Bolsonaro seguiram a orientação do governo Bolsonaro em mais de 90% dos casos. José Rocha, Fábio Schiochet, Felipe Francischini e Delegado Marcelo Freitas são os líderes neste quesito, com índices superiores a 95%. Entre os antipetistas, destacam-se Kim Kataguiri e Mendonça Filho, além das já citadas Rosângela Moro e Dayanny do Capitão.

No âmbito do União Brasil também estão representadas forças conservadoras que dificilmente se alinharão a Lula em votações muito progressistas. A frente religiosa no partido conta com David e Marcos Soares, filhos do pastor RR Soares, além dos deputados Pastor Diniz e Juninho do Pneu.

Já a bancada da segurança pública é ainda mais numerosa no União Brasil, destacando-se os coronéis PM Assis e Ulysses, o promotor Alfredo Gaspar, três policiais civis (Delegado Matheus Loiola, Dr. Fernando Máximo e Felipe Becari) e do já citado Nicoletti, policial rodoviário federal.

Como se pode perceber pela composição dos quadros do União Brasil, nem que Lula ceda ao partido o controle de toda a Esplanada dos Ministérios é de se esperar fidelidade de seus integrantes à agenda do governo.