Mas, de forma contraditória, o povo elegeu
simultaneamente um parlamento
majoritariamente de oposição ao governo Lula. Não restam dúvidas que
isso ocorreu por força da avalanche de dinheiro público colocado por Bolsonaro
nas mãos de seus apoiadores, com a finalidade de angariar apoios políticos e
comprar votos para garantir a sua reeleição.
Especialmente na Região Nordeste, sabedores da grande rejeição dos eleitores pelo ex-presidente Bolsonaro, os candidatos dos partidos do Centrão adotaram a estratégia de deixar os eleitores livres para votar, para presidente, no candidato de suas preferências. Raramente algum candidato dos partidos do Centrão fez campanha para Bolsonaro, no primeiro turno das eleições. E os que fizeram acabaram derrotados. Ao contrário, no segundo turno, já eleitos, todos eles mudaram de postura e passaram a se emprenhar pela reeleição de Bolsonaro, mediante um forte assédio eleitoral e de compra de votos. Apesar disso, só poucos eleitores aceitaram mudar o voto para presidente.
Isto explica o fato de a diferença entre
Lula e Bolsonaro ter sido reduzida de 5,23% dos votos, no primeiro turno, para
apenas 1,73%, no segundo. Em termos de quantidade de votos, a diferença entre estes
candidatos diminuiu de 6,2 milhões, no primeiro turno, para 2,1 milhões, no
segundo.
Apesar da pequena diferença de votos, a
eleição do presidente Lula pode ser considerada um verdadeiro milagre diante de
todos os recursos públicos que foram indevidamente empenhados na reeleição do
ex-presidente Bolsonaro, de todos os “pacotes de bondade” por ele criados na
reta final das eleições e do uso indiscriminado e irregular da máquina do
Estado, colocada para trabalhar pela sua reeleição. Acrescente-se, ainda, o
apoio de grande parte do empresariado, especialmente do agronegócio, para quem
o ex-presidente Bolsonaro de fato governou.
Por isso, não tem fundamento o uso dessa
pequena diferença de votos pró Lula como argumento para que se tente manter o
retrocesso que foi o desgoverno Bolsonaro e dificultar as reformas renovadoras
propostas pelo atual governo. Sem a possibilidade do uso indevido de todos
esses recursos públicos, estima-se que os que o continuam apoiando não passam
dos vinte por cento.
No final da presidência de Bolsonaro, a
dívida pública do Brasil alcançou o valor mais alto da história do País: R$
5,870 trilhões. Mas esta não foi a pior herança deixada por Bolsonaro. Sem
dúvida a pior delas foi este Congresso Nacional desqualificado e composto
majoritariamente por verdadeiros crápulas, sugadores contumazes dos recursos
públicos que, como previsível, estão criando e irão criar muito mais problemas
para que o presidente Lula realize o seu programa de governo.
E o Centrão, comandado pelo presidente da
Câmara dos Deputados, Arthur Lira, é insaciável. Os seus integrantes só
entendem a linguagem do toma-lá-dá-cá. Não se satisfizeram com o enorme valor a
eles destinado por meio das emendas individuais e de bancadas, de execução
obrigatória. As individuais alcançaram, no exercício de 2023, o valor
astronômico de R$ 32 milhões para cada deputado e de R$ 59 milhões para cada
senador. No exercício anterior de 2022, essas emendas individuais foram de R$
17,6 milhões para cada parlamentar, que já era um valor elevado, Este enorme
aumento das emendas individuais ocorreu por força de decisão do Supremo
Tribunal Federal que declarou a inconstitucionalidade das emendas de
Relator-Geral RP9, denominadas acertadamente de “orçamento secreto”. Como havia
sido alocado no orçamento de 2023 o valor de R$ 19,4 bilhões por essas emendas,
o Centrão, para não perder o controle sobre esses recursos, de imediato
resolveu transferir a metade deles para as emendas individuais. A outra metade
foi alocada nos orçamentos de Órgãos do Poder Executivo, cuja aplicação será
controlada pelo Centrão. Ou seja, mudou-se tudo, para que tudo continuasse como
antes. Uma vergonha!
E na ponta, nos municípios, os escândalos
de corrupção e malversação dos recursos públicos vão continuar vindos a
público. Basta que os órgãos de fiscalização, agora exercendo a sua missão com
maior liberdade, atuem. O exemplo mais recente é o escândalo da corrupção das
compras fraudadas dos kits robótica, envolvendo recursos das emendas do presidente
da Câmara, Arthur Lira, atual comandante da tropa do Centrão. E o escândalo dos
kits robótica parece ser só a ponta de um iceberg que está vindo à tona. E não
é de gelo, mas sim de muita lama. Esperamos que Lira tenha, no mais curto prazo
possível, para o bem do País, o mesmo destino do grande líder anterior Eduardo
Cunha: a cadeia.
Arthur Lira e outros líderes do Centrão
ainda têm o cinismo de vir a público afirmar que falta ao Governo Lula articulação
política, quando todos sabem que “articulação política” para eles significa
mais liberação de emendas e de nomeações de apadrinhados para exercerem o
comando de órgãos e entidades do Poder Executivo, notadamente daqueles com
grandes orçamentos.
A verdade é que a maioria dos atuais
parlamentares só se empenha pelo controle de fatias cada vez maiores do
orçamento público, desvirtuando o papel do Parlamento de legislador e
fiscalizador das ações do Governo.
Desconhecem as principais atribuições do Poder
Legislativo – legislar, controlar e fiscalizar as ações do Poder Executivo - e
se fixam naquela que seria secundária - a alocação de recursos públicos para a
realização das políticas públicas, programas e projetos, de acordo com o Plano
de Governo do presidente eleito. Para essa missão tão relevante – fiscalização
e controle das ações governamentais -, a Constituição Federal concedeu até
mesmo um órgão auxiliar do Parlamento - o Tribunal de Contas da União.
Mas o Centrão quer muito mais: almeja participar
da execução dos orçamentos, por meio de apadrinhados colocados em postos chaves
da Administração Pública, papel atribuído pela Constituição Federal ao Poder Executivo.
Arthur Lira assume, cada vez mais, ares de
primeiro ministro. Mas se esquece que o sistema ainda é presidencialista e que
ele não foi eleito para presidente, mas para compor o parlamento. Nas recentes
votações, no comando do Centrão, em desrespeito à vontade da maioria do povo
brasileiro que optou pelo programa proposto pelo presidente Lula, Lira e sua
tropa vem impondo a este sérios retrocessos. Querem que o presidente Lula seja impedido
de governar de acordo com o plano de governo sufragado pelo povo e continue com
aquele do ex-presidente derrotado.
*Geólogo, advogado e escritor
Nenhum comentário:
Postar um comentário