O Estado de S. Paulo
Ótimo resultado atribuído ao setor agropecuário foi também sazonal e não deverá se repetir nos trimestres seguintes
Só hoje abordarei a variação do Produto
Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre deste ano, pois escrevo neste espaço
na primeira e na terceira quintas-feiras de cada mês, e essa taxa foi anunciada
pelo IBGE na primeira quinta de junho e meu artigo sobre outro tema foi
entregue ao jornal no dia anterior.
A mais recente taxa trimestral do PIB foi realmente excepcional: 1,9% (!) num único trimestre, relativamente ao anterior. E ela enseja o retorno a comentários de outros analistas, bem como a aportes adicionais. A principal razão do crescimento foi o extraordinário desempenho do setor agropecuário, que avançou 21,6% (!) no período, que coincidiu com o auge de safras agrícolas excepcionais mesmo para os padrões do setor. Na ordenação das taxas setoriais de crescimento do PIB no primeiro trimestre, apresentadas graficamente pelo IBGE, a segunda taxa foi a da indústria extrativa, bem mais baixa, de 2,3%. E a média das 11 taxas setoriais, excluída a agropecuária, foi ainda menor, de apenas 0,4%, o que enfatiza o contraste trazido pelo desempenho deste último setor.
Entre os quatro setores com taxas
negativas, chamou-me a atenção a presença da indústria da construção, com
-0,8%. Ficando no seu lado habitacional, na política econômica do governo
federal, vi que foi retomado o programa Minha Casa, Minha Vida, prometendo 2
milhões de casas até 2026. Mas é um programa assistencial para famílias de
baixa renda. Olhei a medida do déficit habitacional em 2022, que apresenta uma
estimativa de 5,8 milhões de habitações. Ora, o setor habitacional é um grande
gerador de empregos e tem grande importância em países como a China e os
Estados Unidos. O governo Lula, porém, mostrase muito mais voltado para a
indústria de transformação – em particular a automobilística – e recentemente
deu ênfase ao seu minúsculo projeto dos carros “populares” e à tal
reindustrialização.
Portanto, é indispensável que a construção
habitacional receba maior atenção. A propósito, vale lembrar John
Keynes, famoso economista britânico, tido
como o mais influente do século passado, que sobre a habitação afirmou: “Não há
melhor meio pelo qual os Estados Unidos possam gastar para a sua prosperidade
do que a construção de boas casas. A necessidade está aí para ser satisfeita, o
que espalharia o emprego em todas as localidades. Não há maior benefício
econômico e social do que boas casas”. Essa afirmação foi traduzida de um
artigo de Keynes em dezembro de 1934 na revista americana Redbook, que encontrei
numa revistaria também voltada para antiguidades. Ele se estende mais sobre o
assunto e voltarei ao que disse num artigo específico sobre o setor.
Voltando ao tema do título deste artigo, um
aspecto que não vi analisado é que esta alta do primeiro trimestre de 2023,
vinda de um setor muito marcado por sazonalidade, deverá levar a taxas
trimestrais do PIB menores e até negativas até o fim do ano, a se confirmar a
previsão corrente para esse período. Percebi isso ao supor que o PIB alcançado
no seu primeiro trimestre se manteria o mesmo por todo o ano. Comparado com a
média dos PIBs trimestrais de 2022, isso levaria a um crescimento anual do PIB
em 2023 à taxa de 2,4%. Ora, segundo o boletim semanal Focus , do Banco
Central, que recolhe as previsões de analistas do mercado financeiro, divulgado
na segunda-feira passada, estima-se um crescimento menor, de 1,8%, o que
implica que um ou mais valores dos PIB trimestrais ao longo de 2023 deverá
cair. E, se isso se repetir em dois trimestres consecutivos, estaria
caracterizada a tal “recessão técnica” definida por essa repetição.
Assim, o ótimo desempenho do primeiro
trimestre de 2023 não garante bons resultados nos demais trimestres. Ainda com
relação a isso, vale lembrar as taxas trimestrais do PIB de 2022, que foram de
1,3%, 0,9%, 0,3% e -0,2%, do primeiro ao quarto trimestres, respectivamente,
com o PIB do ano fechando em 2,9%, uma taxa influenciada por esses números e
pelo denominador do cálculo, o PIB de 2021.
Os bolsonaristas saudaram esse resultado do
PIB em 2022 e os lulistas não perceberam a referida sequência de taxas
trimestrais que poderia ter sido usada para criticar o mau desempenho nos dois
últimos trimestres, que mostraram como Bolsonaro deixou mal o País. O segundo
trimestre de 2023 ainda não se encerrou, mas os dados divulgados até agora não
entusiasmaram.
O governo Lula não se pode vangloriar do
desempenho do agronegócio no seu primeiro trimestre, pois esse desempenho foi
dado por uma ágil estrutura produtiva já montada, pelo clima favorável e pela
gestão competente de empresários. Governos passados tiveram a sua influência,
com os avanços científicos e tecnológicos trazidos no passado pela Embrapa e
pela política de crédito usualmente favorável ao setor. O governo Lula prefere
ir às turras com ele, como ao chamar seus grandes empresários de “fascistas” e
paparicar o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, como ao levar seu maior
líder para acompanhar Lula quando viajou para a China.
*Economista (Ufmg, Usp e Harvard), é
consultor econômico e de ensino superior
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