O Globo
Num momento em que a sociedade continua
polarizada de forma destrutiva, a figura de FH é um exemplo a seguir
É tempo que o Brasil reconheça a enorme
contribuição de Fernando
Henrique Cardoso ao país. O Brasil deve celebrar, no
aniversário de seus 92 anos, seu papel de estadista, deixando de lado os
julgamentos impregnados pelos vaivéns dos pequenos interesses políticos.
Seu compromisso com a democracia, que se
expressa nas ideias e na prática de governante, reflete sua forma de ser.
Fernando Henrique pratica o pluralismo, gosta de ouvir opiniões divergentes e
possui enorme curiosidade e disposição a sempre aprender e observar o que a
vida traz de novo. Sua bagagem intelectual e seu apetite voraz pela leitura
nunca foram empecilho para que ele acompanhasse as transformações sociais, sem
se deixar aprisionar por enquadramentos ideológicos ou pelas camisas de força
das teorias.
Ele pratica um cosmopolitismo enraizado: a cabeça nos ares do mundo e os pés fincados na realidade brasileira. Fernando Henrique encontra no jeito pragmático de ser brasileiro uma defesa saudável contra os dogmatismos. Pragmatismo que, sem abandonar os valores fundamentais, supõe uma dose de realismo e de disposição a negociar, pois política não é guerra nem imposição da vontade pessoal.
Por ser uma pessoa aberta às mudanças
sociais e às exigências da realidade, pode parecer por vezes inconsistente.
Certamente ele é. Como disse o filósofo Kolakowski, somente os fanáticos e
dogmáticos são sempre consistentes.
Filho da elite brasileira, dedicou sua vida
como sociólogo a entender os problemas do Brasil e os desafios para construir
uma sociedade mais justa e desenvolvida. Como estadista, promoveu uma agenda
que procurava colocar as instituições e as políticas de Estado a serviço da
sociedade, e não de grupos de interesse. Tarefa que exige um esforço de
gerações e que vai além do que um presidente ou um governo podem fazer, coisa
que ele bem sabe, ciente como é do peso da História.
As grandes figuras nos estimulam a sermos
melhores e a pavimentarmos um caminho que, para ser trilhado, exige tanto a
participação do Estado como da iniciativa privada, dos partidos políticos como
da sociedade civil, num movimento pendular, caraterístico da vida democrática.
Num momento em que a sociedade continua
polarizada de forma destrutiva, a figura de FH é um exemplo a seguir, de defesa
da liberdade e da construção de um Brasil onde os valores de justiça e o
sentimento de compaixão estão associados ao conhecimento e à argumentação
racional.
*Bernardo Sorj é sociólogo
Nenhum comentário:
Postar um comentário