Trama golpista chega mais perto de Bolsonaro
O Globo
Documentos em poder de ex-ajudante de
ordens tinham objetivo de passar verniz jurídico em golpe de Estado
Novas evidências mostram como chegaram
perto do ex-presidente Jair
Bolsonaro as articulações para um golpe de Estado que impedisse
a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As provas
foram extraídas do celular do tenente-coronel Mauro Cid, preso
sob a acusação de envolvimento em esquema para fraudar o certificado de
vacinação de Bolsonaro. A colunista do GLOBO Malu Gaspar revelou que, como
parte da trama golpista, Cid levava em seu telefone a minuta de um Decreto de
Garantia da Lei e da Ordem (GLO), mecanismo usado para acionar militares em
situações críticas de segurança.
A minuta do Decreto de GLO encorpa um conjunto de evidências da conspiração golpista a cada dia mais robusto. Foi encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, também preso, a minuta de outro decreto, para intervenção na Justiça Eleitoral em meio à decretação de Estado de Defesa, invalidando a vitória eleitoral de Lula. Além disso, os celulares de Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e do ex-major do Exército Ailton Barros, também preso sob suspeita de envolvimento na fraude das vacinas, forneceram um conjunto de áudios comprovando, de acordo com relatório da Polícia Federal, articulações para “um golpe de Estado, que culminaria na tomada de poder pelas Forças Armadas brasileiras, lideradas pelo ex-presidente da República Jair Bolsonaro”.
Com a minuta do Decreto de GLO, a PF também
encontrou documentos com análises jurídicas que, de acordo com despacho do
ministro do Supremo Alexandre de Moraes, tinham “o objetivo de obter suporte
jurídico e legal para a execução de um golpe de Estado”. No despacho, Moraes
afirma que o material encontrado trata “da possibilidade de emprego das Forças
Armadas em caráter excepcional destinado a garantir o funcionamento independente
e harmônico dos poderes da União”. A GLO era uma tentativa de passar um verniz
jurídico na trama golpista.
Os documentos estavam em mensagens
comprometedoras trocadas com o sargento Luis Marcos dos Reis, outro preso na
operação que apura fraudes nos cartões de vacinação. Em áudios já revelados,
Cid conversa com Barros e com o ex-secretário executivo do Ministério da Saúde
Elcio Franco sobre a necessidade de convencer oficiais de alta patente do
Exército a aderir à sedição ou a ajudar com a GLO. Felizmente, o Alto-Comando
das Forças Armadas resistiu às iniciativas para envolver-se na trama. A
democracia venceu.
Não há, até o momento, nenhum indício de
que o material golpista tenha sido enviado ou visto por Bolsonaro. Mas tanto
Cid quanto Barros são figuras próximas dele. Barros chamou Bolsonaro de
“segundo irmão” em sua campanha para deputado estadual em 2022 e acompanhou-o
na votação do segundo turno no Rio de Janeiro. Duas capturas de tela em seu
celular mostram uma conversa com um contato identificado como “PR 01”, de
acordo com a PF “possivelmente relacionado ao ex-presidente Jair Bolsonaro”.
Cabe às autoridades estabelecer o vínculo
entre a conspiração e os acampamentos de bolsonaristas radicais de onde
partiram os ataques de 8 de janeiro. Também será necessário esclarecer se
Bolsonaro tinha conhecimento do que tramava seu círculo mais próximo. De todo
modo, parece evidente que a Justiça já dispõe de provas suficientes para punir
com rigor quem conspirou contra a democracia.
Ataque a ‘caveirão’ foi tentativa de
demonstração de força de bandidos
O Globo
Pior reação da polícia será revidar com
ataque bárbaro que nivela suas práticas às dos criminosos
É fato grave o ataque de criminosos a um
blindado da Polícia
Militar na noite de terça-feira na comunidade Bateau Mouche,
Zona Oeste do Rio, uma das tantas dominadas por facções com poder de fogo por
vezes igual ou maior que o do Estado. O veículo,
conhecido como caveirão, foi alvo de bombas quando patrulhava a região e acabou
em chamas (policiais não se feriram). Um posto avançado da
polícia também foi atacado a tiros. Os atos violentos foram, segundo a polícia,
represália à morte de um traficante no domingo.
Não é a primeira vez que o aparato de
segurança do Rio fica exposto diante do poder de fogo da bandidagem. Um dos
episódios mais graves aconteceu durante uma operação no Morro dos Macacos, na
Zona Norte do Rio, em 2009, quando um helicóptero da polícia foi atingido por
tiros, pegou fogo e caiu. Cinco anos antes, um policial havia sido baleado num
ataque a um helicóptero em ação no Morro de São Carlos, no Estácio. As polícias
Civil e Militar preveem gastar neste ano R$ 24 milhões apenas com seguros de
sete aeronaves blindadas.
Evidentemente, a polícia precisa impor sua
autoridade. Não apenas pelo risco que esses atos trazem à vida dos policiais e
pelos prejuízos que causam à sociedade — obrigada a financiar gastos cada vez
maiores com segurança pública —, mas principalmente para recuperar o território
sequestrado pelas facções criminosas. Atacar helicópteros, alvejar postos de
policiamento e incendiar blindados da polícia são atos simbólicos para a
bandidagem tentar demonstrar poder.
A questão é como reagir a esse ataque
ignóbil. A História mostra que revanches da polícia contra ações violentas das
quadrilhas podem desaguar em episódios tão ou mais nocivos. A chacina de
Vigário Geral, deflagrada depois da morte de quatro PMs numa praça em 1993,
deixou 21 moradores mortos e envergonhou o Brasil perante o mundo. Qualquer
reação precisa acontecer dentro dos limites da lei ou se tornará tão nefasta
quanto a afronta dos criminosos.
Não existem fórmulas mágicas no combate à criminalidade que há décadas desafia as autoridades do Rio. Mesmo projetos bem-intencionados, como as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), fracassaram por descontinuidade, uso político ou inépcia. Enfrentar as quadrilhas de traficantes e milicianos que se entrincheiraram nas comunidades com um arsenal poderoso exige investimentos em pessoal, equipamentos, tecnologia e inteligência, além de cooperação com as outras forças de segurança. O ataque ao caveirão da PM mostra, mais uma vez, quanto essa missão é desafiadora. A melhor resposta que a polícia pode dar ao episódio é combater sistematicamente as organizações criminosas para retirar delas esse poder de fogo que fustiga não só a polícia, mas a própria população.
A reforma possível
Folha de S. Paulo
Na correta proposta de novo sistema
tributário, o desafio é evitar concessões
Somente agora, perto do fim do primeiro
semestre do ano, o grupo de deputados encarregado de formular uma nova proposta
de reforma tributária concluiu seu trabalho. Ainda assim, ficaram por ser
definidos detalhes potencialmente decisivos para o futuro do projeto.
A demora dá ideia das dificuldades
envolvidas na empreitada. Os objetivos centrais da reforma são basicamente os
mesmos há três décadas, mas os consensos em torno deles costumam se dissolver
quando os debates avançam rumo a providências mais concretas.
Não pode restar dúvida, de fato, quanto
à necessidade
de impor alguma racionalidade à tributação da produção e do consumo,
que responde pela maior anomalia do sistema brasileiro.
Há nada menos que cinco grandes tributos
incidentes sobre a venda de bens e serviços —três federais (PIS, Cofins e IPI),
um estadual (ICMS) e um municipal (ISS). O resultado, além de uma carga
escorchante, é uma miríade disfuncional de alíquotas, que variam conforme o
local e o produto, de exceções e de regras especiais.
Empresas menores têm um desincentivo à
expansão. As maiores precisam lidar com enormes burocracia e insegurança
jurídica, já que as normas são a todo momento objeto de deliberação nos tribunais.
Subsídios estaduais distorcem decisões de investimento.
De mais importante, a reforma a ser votada
pela Câmara prevê substituir
gradualmente os cinco tributos por apenas um, o IBS (Imposto sobre Bens e
Serviços), que terá parte da cobrança a cargo da União e parte sob a
competência de estados e municípios.
Em conformidade com as melhores práticas
internacionais, o IBS será cobrado no destino das mercadorias e incidirá sobre
o valor adicionado, ou seja, descontando os custos com insumos empregados ao
longo do processo produtivo.
O que pode parecer uma mudança singela,
porém, afeta interesses múltiplos e contraditórios. Estados e municípios temem
perder autonomia decisória e arrecadação; serviços
e agropecuária, hoje menos tributados que a indústria, rechaçam a alta da carga;
atividades que desfrutam de subsídios desejam mantê-los.
Será ilusório imaginar que a proposta possa
avançar sem concessões —e as primeiras, como a permissão para alíquotas
diferentes em certos setores, já foram feitas. Uma discussão perigosa se dará
em torno de um fundo com dinheiro federal para compensar alegadas perdas de
governos regionais.
Como em tentativas anteriores de reforma, o
risco é que as negociações políticas acabem gerando um texto tão complexo
quanto o sistema atual. O que não parece claro é se a nova correlação de forças
entre governo e Congresso eleva ou reduz esse risco.
A ponta do iceberg
Folha de S. Paulo
Espera para cirurgias expõe gargalos no
SUS, que exigem ação em várias frentes
Já se contam
mais de um milhão de cirurgias eletivas na fila do SUS. O número
impressiona, mas deve ser visto com um grão de sal, dado que um dos problemas
crônicos do sistema é a interação precária entre bancos de dados.
Com isso, a cifra talvez inclua casos de
dupla contagem —por exemplo, de paciente inscrito na fila do município e do
estado.
Observam-se problemas também nos registros
de óbito e mudança de domicílio. Ademais, os números foram apurados no âmbito
de um programa federal de distribuição de verbas. Assim, redes que aparecerem
com grandes filas têm maior chance de receber mais somas, o que reduz
incentivos à precisão.
Se cabe ceticismo em relação à acurácia da
dimensão, não há dúvida em relação ao movimento. A demanda por operações
programadas de fato costuma superar a oferta, tendência que se agravou com a
pandemia de Covid-19. Por um longo período, as redes só realizaram cirurgias de
urgência, o que aumentou as filas das eletivas.
É bem-vindo, portanto, o programa federal
para reduzir esperas. O governo pretende diminuir as filas em 45% com repasse
de R$ 600 milhões às redes estaduais. Aqui, novamente, reaparecem outros
problemas crônicos do SUS.
Esforços concentrados, como mutirões, têm
papel importante, mas as redes precisam funcionar sempre. Não é sensato
permitir o acumulo de casos e concentrar o atendimento em programas
emergenciais.
Longas esperas são torturantes para os
pacientes e muitas vezes pioram prognósticos.
Além disso, várias cirurgias só podem ser
feitas por profissionais especializados. As operações de catarata, por exemplo,
que ocupam a
primeira posição com 167,5 mil solicitações em espera, exigem um
cirurgião oftalmologista —e, no Brasil, existem menos de 18 mil médicos com
essa formação.
Apenas uma fração dos profissionais atua no
SUS e, obviamente, é preciso dar conta não apenas das cataratas, mas de todas
as patologias que afetam a visão.
Embora o número de médicos formados tenha
crescido 84% entre 2012 e 2022, a pós-graduação não acompanhou essa tendência.
Isso é até certo ponto esperado, já que a especialização exige tempo. Mas, se não forem criados incentivos para que o país forme especialistas, poderemos experimentar apagões médicos em várias áreas.
O bom começo da reforma tributária
O Estado de S. Paulo
Busca do consenso no Legislativo pode não
resultar na reforma ideal, mas esta parece ser a melhor chance de o País dar
fim ao manicômio tributário que atravanca seu crescimento
O grupo de trabalho responsável por
elaborar a reforma tributária aprovou, de forma simbólica, o relatório com as
diretrizes da proposta que será submetida à Câmara em julho. Embora ainda
faltem muitos detalhes sobre o texto final, o cumprimento da etapa inicial de tramitação
do tema na Casa demonstra haver uma compreensão sobre a necessidade premente de
um novo sistema tributário.
No governo anterior, a reforma tributária
fatiada proposta pelo então ministro da Economia, Paulo Guedes, fracassou
fragorosamente, graças, sobretudo, a uma relação conflituosa, arrogante e
confusa com o Congresso e com governadores e prefeitos. O governo de Lula da
Silva, por outro lado, foi pragmático ao reconhecer o protagonismo do
Legislativo na condução desses debates.
O texto que deu origem à proposta atual é o
mesmo que havia sido discutido em 2021 – a Proposta de Emenda à Constituição
(PEC) 45/2019. Os personagens também são os mesmos: o relator é Aguinaldo
Ribeiro (PP-PB) e o presidente da Câmara é Arthur Lira (PP-AL), mas o clima é
muito diferente. Desta vez, a leitura do relatório na Câmara teve a presença do
secretário extraordinário da reforma tributária do Ministério da Fazenda,
Bernard Appy.
A reforma proposta pelo grupo de trabalho
reunirá tributos federais, estaduais e municipais – PIS, Cofins, IPI, ICMS e
ISS – em um Imposto de Valor Agregado (IVA). Ele será chamado de Imposto sobre
Bens e Serviços (IBS) e será dual, com uma parte da alíquota administrada pela
União e outra por Estados e municípios. A cobrança do IBS não mais incidirá na
origem, mas no destino. As alíquotas ainda não foram definidas, mas já se sabe
que haverá tratamento especial para alguns setores, como saúde, educação e
transporte coletivo.
Como já havia sido acordado, regimes
especiais como o Simples Nacional e a Zona Franca de Manaus serão mantidos. Um
dos pontos mais sensíveis da proposta são os benefícios fiscais concedidos por
Estados e municípios para atrair empresas no passado. Para vencer esse
obstáculo, que barrou muitas das propostas anteriores, esses benefícios serão
mantidos até 2032, período em que haverá uma migração gradual para o novo
sistema, possivelmente até 2034. O objetivo é minimizar e diluir os R$ 150
bilhões anuais com os quais o Tesouro teria de arcar para cobrir os custos da
guerra fiscal de uma só vez, sem a transição.
Os deputados querem também garantir a
criação de um Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR), para benefícios no
futuro. Ele seria bancado pela
União e ficaria fora do limite do arcabouço
fiscal – uma fatura bastante elevada, de até R$ 60 bilhões, mas menor que a
sangria provocada pela profusão atual de incentivos tributários.
O desafio do governo será frear o ímpeto do
Congresso para aumentar a lista de setores beneficiados com alíquotas reduzidas
– leia-se serviços – e a mais do que esperada grita dos maiores municípios do
País, que não querem abrir mão de sua arrecadação. Também terá de vencer
resistências para tributar os itens da cesta básica, embora não haja dúvidas de
que a devolução de impostos para famílias de baixa renda vá ao encontro de um
sistema mais justo, menos desigual e focado no atendimento dos mais
necessitados.
Muitos dos detalhes do texto ficarão para o
substitutivo que irá a plenário; outros serão definidos em projetos de lei
posteriores, que requerem um quórum menor que o de uma PEC. Mas, se a busca do
consenso para a aprovação do texto pode não resultar na reforma ideal, esta
parece ser a melhor chance em décadas de o País começar a dar fim ao manicômio
tributário que atravanca a produtividade, a eficiência, a competitividade e o
crescimento econômico.
“Essa não é uma reforma de governo. Não é
uma reforma ideológica. Não é uma reforma de direita. Não é uma reforma de
esquerda. É uma reforma estrutural do Estado brasileiro”, disse Aguinaldo
Ribeiro, durante a leitura de seu relatório. Sua frase serve não só para a
discussão da reforma tributária, mas para todos os temas de relevância
nacional. Que o País saiba aproveitar essa oportunidade.
O julgamento de Bolsonaro
O Estado de S. Paulo
O TSE não é corte política. Seu papel é
aplicar o direito, de forma fundamentada. Todos são iguais perante a lei, que
prevê, em defesa da democracia, as hipóteses de inelegibilidade
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE), ministro Alexandre de Moraes, marcou para o dia 22 de junho o início do
julgamento de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) ajuizada pelo PDT
contra Jair Bolsonaro e Braga Netto. A ação, que pode tornar os dois
inelegíveis, avalia a prática de abuso de poder político e o uso indevido dos
meios de comunicação, tendo como fato principal a reunião com embaixadores
estrangeiros no dia 18 de julho de 2022.
Na reunião, Jair Bolsonaro, então candidato
à reeleição, questionou, usando argumentos falsos, distorcidos e anteriormente
refutados pelo TSE, a lisura do processo eleitoral. O presidente do TSE à
época, ministro Edson Fachin, qualificou como “muito grave” a acusação de
fraude contra a Justiça Eleitoral “mais uma vez, sem apresentar prova alguma”.
Na ocasião, este jornal lembrou que o ataque de Bolsonaro contra a democracia e
as instituições brasileiras perante os embaixadores era mais um crime de
responsabilidade contra o exercício dos direitos políticos que o então
presidente da República praticava impunemente (ver o editorial Bolsonaro
desonra o Brasil, do dia 20/7/22).
Na ação que será julgada pelo plenário do
TSE, discute-se se os ataques de Bolsonaro contra o sistema eleitoral
brasileiro, enquanto difusão de desinformação sobre as eleições, configuram
condutas vedadas pela legislação eleitoral e que ensejam a inelegibilidade. Na
petição inicial, o PDT lembra uma decisão da Corte eleitoral de outubro de
2021, na qual o deputado estadual eleito pelo Paraná Fernando Destito
Francischini foi cassado por divulgar notícias falsas contra o sistema
eletrônico de votação. Segundo o TSE, a conduta de Francischini configurou
abuso de poder político e de autoridade, bem como o uso indevido dos meios de
comunicação – práticas vedadas pelo art. 22 da Lei Complementar (LC) 64/1990.
Após a instrução probatória, a
Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) apresentou parecer opinando pela procedência
parcial da ação proposta pelo PDT. Defende que seja declarada a inelegibilidade
de Jair Bolsonaro, por considerar que suas ações configuraram abuso de poder
político e uso indevido dos meios de comunicação. Em relação a Braga Netto, a
PGE pede a absolvição, por entender que não restou provada a participação do
então candidato a vicepresidente no caso.
Espera-se que, avaliando os fatos trazidos
aos autos, o TSE aplique a legislação eleitoral, em consonância com sua
jurisprudência. Não é questão de ser mais ou menos rigoroso, tampouco de
inventar novas interpretações jurídicas. É preciso apenas fazer cumprir a lei,
sem criar algum tipo de tratamento especial em razão das pessoas envolvidas no
caso. O princípio da igualdade de todos perante a lei é um dos fundamentos do
Estado Democrático de Direito.
As inelegibilidades previstas na LC 64/1990
concretizam as disposições constitucionais sobre os direitos políticos. A
Constituição diz que a legislação estabelecerá casos de inelegibilidade “a fim
de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato
considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das
eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de
função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta” (art. 14, § 9.º).
As hipóteses de inelegibilidade são
instrumentos importantes de defesa da democracia. Elas contribuem para
assegurar, entre outros bens, as condições de igualdade entre os diversos
candidatos. Como diz o caput do art. 14 da Constituição, “a soberania popular
será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor
igual para todos”, de acordo com os “termos da lei”. O regime democrático não é
uma ideia vaga. Ele se realiza pelo cumprimento da legislação eleitoral.
Diante das muitas e variadas expectativas,
lembra-se que o TSE não é uma corte política. Ele aplica o Direito, o que
demanda fundamentação técnica e rigorosa. Cumprir bem esse requisito é a melhor
forma de proteger a democracia.
Respeito ambiental como parâmetro
O Estado de S. Paulo
Norma da Febraban para crédito a
frigoríficos mostra que sustentabilidade se tornou obrigatória
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban)
aprovou norma estabelecendo, para a concessão de crédito bancário a
frigoríficos e matadouros, a exigência de sistemas de monitoramento comprovando
que o gado utilizado não provém de áreas de desmatamento na Amazônia Legal e no
Maranhão. A medida, antecipada pelo Estadão, deverá estar totalmente
implementada em 2026.
Ainda que siga uma nova ordem internacional
– o Parlamento Europeu aprovou há um mês legislação semelhante, que vai
impactar a entrada de mercadorias na comunidade europeia e exigirá rápida e
sólida adequação dos exportadores brasileiros –, a iniciativa da Febraban é um
sopro de evolução num momento em que a pauta parlamentar impõe sucessivos
reveses à agenda ambiental.
Acabou vindo do setor privado o passo
adiante no combate ao desmatamento. E a adesão imediata dos 21 maiores bancos,
apesar do caráter voluntário da autorregulamentação, é a prova de que o
segmento entende que a premissa do meio ambiente deixou de ser um diferencial
para se firmar como mandatória nos negócios.
O cerco ao desmatamento, em prol da
sustentabilidade ambiental, estreita a janela do comércio exterior, e os países
que não estiverem preparados para atravessá-la vão perder mercado. É na punição
financeira que as novas diretrizes vêm se impondo. Por exemplo, com instrumentos
que atrelam o barateamento do custo de crédito a critérios socioambientais.
Agora, com mais ênfase, com os que impedem o acesso a mercados consumidores de
fornecedores que descumprem essas exigências.
O desmatamento na Amazônia figura entre as
prioridades ambientais no mundo todo e não há como escamotear uma realidade
monitorada permanentemente via satélite. A recém-aprovada legislação europeia
proíbe a entrada em seus 27 países não apenas de carne vinda de rebanho de área
de desmatamento, mas também soja, cacau, café, borracha, madeira e diversos
outros itens ou mesmo produtos que os usam como matéria-prima.
Desde 2009 o BNDES passou a adotar
critérios socioambientais para o atendimento à cadeia produtiva da pecuária
bovina, inclusive com exigência do sistema de rastreabilidade do gado no
acompanhamento dos fornecedores – uma regra que andou sob risco de mudança na
gestão bolsonarista, sob o argumento de que havia causado vertiginosa queda nas
operações do setor entre 2010 e 2021.
O banco tem sido bombardeado por organismos
ambientais, acusado de não acompanhar com o rigor necessário as diretrizes que
criou há 14 anos. Relatório recente da ONG americana Mighty Earth sustenta que
o BNDES, maior acionista individual da JBS, ignorou denúncias de que o frigorífico
tenha utilizado, entre 2019 e 2022, gado de áreas desmatadas. O relatório
utiliza dados de alertas rápidos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe).
A Associação Brasileira das Indústrias
Exportadoras de Carne (Abiec) cobrou da Febraban o mesmo tratamento dos bancos
em relação a todos os correntistas, “inclusive produtores rurais”. Parece
revanchismo. Mas, de fato, já passou da hora de a preocupação ambiental virar
um compromisso comum.
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