quinta-feira, 6 de julho de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Ata do Fed justifica juros mais altos e não pausa

Valor Econômico

A pausa confusa do Fed não elimina o fato de que o ciclo de alta dos juros está perto do fim

A ata da reunião do Federal Reserve americano indicou que os juros continuarão subindo nos Estados Unidos e não esclarece a misteriosa decisão por uma pausa nas altas tomada em junho. A análise das condições econômicas pelo staff do Fed e pelos membros do comitê de mercado aberto, que decide o rumo dos juros, aponta sem deixar muita margem a dúvidas que a inflação continua resistente e bem mais alta que a meta de 2%, que o mercado de trabalho segue vigoroso e que a economia, ainda que em “passo moderado”, mantém um ritmo que não parece compatível com a diminuição do nível de preços.

A comparação fria do comportamento da inflação entre as duas atas mostra que não houve melhoria significativa. A da reunião de maio aponta que o índice de gastos pessoais do consumo (PCE) nos doze meses encerrados em março foi de 4,2% e o findo em abril, de 4,4%. O núcleo desse índice, a medida preferida pelo Fed, evoluiu de 4,6% antes para 4,7% agora. A rigor, esses índices estão na mesma posição que estavam em janeiro, apesar das variações mensais. Da mesma forma, a evolução do pagamento médio por hora trabalhada, um dos indicadores de pressão inflacionária e da situação do mercado de trabalho, subiu de 4,2% para 4,3% entre uma alta e outra. O desemprego aumentou um pouco, de 3,5% para 3,7%, mas praticamente não aliviou a escassez de mão de obra.

Principal fator ressaltado diversas vezes nas entrevistas do presidente do Fed, Jerome Powell, a inflação do núcleo dos serviços não relacionados à habitação, que deveria cair para que a inflação volte à meta, deu poucos sinais de arrefecimento na ata anterior e continua sem caminhar nessa direção.

A ata de abril apontou os riscos de uma crise em um segmento do setor bancário - três bancos regionais faliram - que poderia se alastrar e que tinha potencial para tornar a oferta de crédito muito mais apertada do que a escalada dos juros feita pelo banco central já propicia. O Fed considerou que os efeitos da quebra do Silicon Valley, Signature e First Republic eram difíceis de avaliar, mas poderiam ser graves o suficiente para acelerar uma retração da economia já encaminhada pelo aperto monetário.

A ata da reunião de junho não dá a mesma ênfase a esse risco, embora admita que possa continuar existindo. Mais que isso, vários membros da reunião, não a maioria, atestaram que as condições financeiras que decorrem da desconfiança gerada pela saída de cena de alguns bancos regionais não provocaram piora significativa nas condições financeiras.

As estatísticas que foram divulgadas após a reunião do Fed também não servem de base para qualquer mudança no ritmo da política monetária, muito menos uma pausa. O PIB do primeiro trimestre, que na primeira leitura crescera 1%, foi revisado para 2% na divulgação final. No quarto trimestre do ano passado, avançou 2,6%. O índice de preços de gastos pessoais de consumo subiu 4,1% no primeiro trimestre, após alta de 3,7% no quarto trimestre e seu núcleo foi de 4,9%, ante 4,4% no trimestre anterior.

A atitude da direção do Fed é surpreendente, diante das reiteradas afirmações de posições duras contra a inflação. Apesar de assinalar enfaticamente que o maior risco para a autoridade monetária nessa fase do ciclo de aperto monetário é o de pecar por moderação, sendo preferível pecar por excesso na dose de juros, o Fed interrompeu o ciclo por motivos que, após a leitura da ata, são frágeis ou mesmo inexplicáveis. No documento, fica claro que o mercado já assimilara as indicações do banco de que as taxas de juro subiriam mais do que o esperado.

O cenário elaborado pelo staff do Fed para a reunião de junho apontava para uma recessão moderada à frente, com desaceleração no segundo trimestre e declínio no último trimestre do ano e primeiro do próximo, seguido de uma recuperação lenta. A perspectiva se baseava no arrocho adicional do crédito decorrente dos problemas no setor bancário regional. Entretanto, o balanço apresentado aos dirigentes do Fed mostrava que os riscos para inflação eram de alta, devido ao mercado de trabalho aquecido e à persistência do consumo, que levariam a economia não a desaquecer, mas a crescer lentamente, evitando uma recessão. “Cenários com inflação maior parecem mais prováveis do que os com inflação menor”, registra a ata, citando, além disso, que um período longo de inflação elevada poderia desancorar as expectativas - algo que até agora, no entanto, não ocorreu.

Alguns membros do banco defenderam uma elevação de 0,25 ponto percentual. Seu argumento é que nada havia mudado - “o mercado de trabalho continua apertado, a atividade econômica se revelou mais vigorosa do que era esperado e havia poucos sinais claros de que a inflação estava a caminho da meta de 2% ao longo do tempo”.

A pausa confusa do Fed não elimina o fato de que o ciclo de alta dos juros está perto do fim, com mais um ou dois ajustes, ritmo semelhante ao que se espera do Banco Central Europeu, antes de uma pausa mais longa e, talvez, definitiva.

Racha no Mercosul desafia presidência de Lula no bloco

O Globo

Concluir acordo com União Europeia será a melhor forma de apaziguar rebeldia uruguaia

O encontro de cúpula do Mercosul na Argentina, em Puerto Iguazú, resultou em racha. O Uruguai quer fazer um acordo comercial com a China e ameaça partir para uma negociação bilateral — vetada pelas regras da união aduaneira — se o resto do bloco não se mexer. A rebeldia uruguaia será o principal desafio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que assume a presidência do bloco por seis meses. Pela quarta vez, o presidente do Uruguai, Lacalle Pou, se recusou a assinar o comunicado conjunto da reunião.

Não é a primeira vez que o Uruguai cria problemas para o Mercosul. Em 1990, também tentou um acordo isolado com os Estados Unidos, sem êxito. A queixa é que Brasil e Argentina, com economias mais diversificadas, evitam acordos capazes de forçá-los a se abrir à competição externa. Nesse ponto, o Uruguai tem uma boa dose de razão. Até o Acordo com a União Europeia (UE), assinado em 2019 depois de 20 anos de negociação, o Mercosul selara tratados comerciais apenas com pequenos países. Criado para conectar seus integrantes à economia global, ficou fechado em si mesmo.

Agora, a irritação uruguaia cresceu diante das dificuldades para finalizar o acordo com os europeus. Numa manobra de que já devem ter se arrependido, Lula e o presidente argentino, Alberto Fernández, aproveitaram a pressão dos ambientalistas europeus para tentar rever itens do acordo fechado na gestão Jair Bolsonaro. A forma atabalhoada como Lula retomou os contatos com a UE resultou numa carta dos europeus com “instrumentos adicionais” para impedir a importação de produtos de áreas desmatadas depois de 2020.

Nada que a diplomacia não pudesse contornar, já que combater o desmatamento também é interesse do Brasil. Lula, porém, depois de classificar como “ameaças” a intenção da UE, prometeu uma resposta à altura. Deveria, em vez de escalar a disputa em público, ter entregado o caso ao Itamaraty e investido seu tempo, com Argentina, Paraguai e Uruguai, para que o acordo entre em vigor quanto antes. Não se pode mais adiar, depois de passadas mais de duas décadas de negociações.

Não faz sentido reabrir um acordo já assinado para rediscutir a participação de empresas europeias nas compras governamentais do Brasil. O governo pretende manter essa anacrônica reserva de mercado sem aproveitar o tratado com a UE para injetar mais competição no mercado interno e ganhar produtividade.

Outra atitude contraproducente de Lula tem sido a insistência em reintegrar ao Mercosul a Venezuela, afastada por não cumprir a cláusula democrática. Depois de receber o ditador Nicolás Maduro em Brasília com honras de chefe de Estado, Lula não obteve nenhum aceno positivo de Uruguai ou Paraguai em favor da Venezuela chavista. Seu plano soou ainda mais absurdo quando, às vésperas da cúpula de Puerto Iguazú, o regime chavista impugnou a candidatura da principal adversária de Maduro nas eleições.

Claro que o Uruguai precisará ser criticado se partir para a negociação com os chineses à revelia do Mercosul. Mas motivos não faltam. Nos seis meses de presidência do Mercosul, o melhor que Lula pode fazer é afastar suas inclinações ideológicas e concluir os entendimentos com a UE. Será bom para as economias do bloco e, de quebra, trará o melhor argumento para apaziguar as pretensões rebeldes do Uruguai.

Anistia que beneficia Bolsonaro precisa ser barrada no nascedouro

O Globo

Proposta sem cabimento reúne apoio não apenas de bolsonaristas, mas também dentro da base do governo

Não tem cabimento o movimento que se forma no Congresso para anistiar o ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por abuso político e uso indevido dos meios de comunicação ao convocar uma reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada para atacar o sistema eleitoral e minar a credibilidade do resultado das eleições. Com a punição, Bolsonaro se tornou inelegível por oito anos.

Na mesma sexta-feira em que o TSE condenou Bolsonaro, o deputado Ubiratan Sanderson (PL-RS) protocolou um Projeto de Lei que concede anistia a parlamentares que tenham cometido delitos eleitorais a partir de 2016. Embora a proposta tenha na aparência caráter genérico, na prática o objetivo é livrar Bolsonaro da inelegibilidade. O senador Ciro Nogueira (PP-PI), ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro, também apresentou projeto com o mesmo propósito.

No início da semana a proposta de Sanderson já contava com 65 assinaturas, e elas não se restringem ao PL, partido de Bolsonaro. Pelo menos 12 deputados de legendas da base do governo, como MDB, PSD e União Brasil, apoiam a iniciativa. Nomes ligados a Progressistas, Republicanos, Podemos e Patriota também se juntaram ao coro para livrar o ex-presidente da condenação.

Parlamentares têm obsessão por anistias. Fazem leis e se encarregam de desrespeitá-las. Uma das propostas mais vergonhosas que tramitam no Congresso é a PEC 9/2023, já aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) com apoio de governistas e oposicionistas. Ela anistia as multas aplicadas pela Justiça Eleitoral aos partidos por terem descumprido cotas nas candidaturas e por quaisquer irregularidades nas prestações de contas dos fundos partidário e eleitoral.

Agora a questão é mais grave. Bolsonaro não foi condenado à toa. Atacou o sistema eletrônico de votação sem nenhuma prova com o objetivo de tumultuar a eleição. A ideia de convocar os embaixadores para uma reunião no Alvorada partiu dele próprio, como ficou demonstrado nos autos. O ambiente de instabilidade institucional que fomentou desaguou na violência do 8 de Janeiro.

Um dos méritos da decisão do TSE é seu caráter pedagógico, ao mostrar que quem não jogar dentro das regras da Constituição terá de arcar com as consequências. O presidente do TSE, Alexandre de Moraes, havia dito que ataques ao sistema eleitoral e à democracia não seriam tolerados, poderiam levar à cassação do mandato e à inelegibilidade. Bolsonaro sabia o que fazia.

Querer revogar a condenação por meio de uma anistia sem pé nem cabeça depõe contra o Parlamento e atenta contra a democracia. Significa dizer que o chefe do Executivo pode usar o cargo, as instalações públicas, os meios oficiais de comunicação para disseminar mentiras e favorecer a própria candidatura, pois será perdoado. A proposta de anistia precisa ser barrada no nascedouro.

Bodes fora da sala

Folha de S. Paulo

Piores ideias petistas saem de cena, mas projeções fiscais ainda são ruins

Aprovado pelo Senado para ocupar a diretoria de Política Monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, uma indicação do governo petista, mostrou sensatez ao ser sabatinado pelos parlamentares.

Não esboçou nenhum sinal de confronto com o atual comando do BC nem de inclinação a experimentalismos heterodoxos. Ex-número dois de Fernando Haddad na Fazenda, preferiu expor os progressos que considera terem sido obtidos pela atual gestão.

Em sua lista, incluiu a valorização da moeda nacional ante o dólar, a queda das previsões para o déficit orçamentário, a iminente aprovação de uma nova regra fiscal, a alta dos prognósticos para a expansão do PIB e os recuos da inflação e da taxa de juros esperada.

É tudo verdade, mas cumpre observar que boa parte da melhora se deu sobre expectativas que haviam se deteriorado após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seus ataques ao controle da despesa pública e à autonomia do BC.

Os humores mudaram com o cenário internacional mais favorável, a safra agrícola recorde e a constatação de que, a despeito do falatório do presidente da República, as piores ideias econômicas petistas não têm prosperado —é o proverbial bode retirado da sala.

O Congresso logo fez saber que não avançariam eventuais tentativas de mudar a governança da política monetária e reverter reformas dos últimos anos. Do mesmo modo, barrou-se a investida estatista do Palácio do Planalto contra o marco legal do saneamento.

Especulações sobre aumento das metas de inflação, insufladas por Lula, foram deixadas de lado. O recurso ao Judiciário para enfraquecer a privatização da Eletrobras, até aqui, deu em nada. O programa anacrônico de apoio à indústria automobilística teve suas dimensões limitadas.

As teses gastadoras e inflacionistas parecem circunscritas ao BNDES. Em vez disso, Haddad e sua equipe se dedicaram à prioridade correta de fazer avançar a nova regra de contenção de gastos.

É nesse ponto, entretanto, que a listagem otimista de Galípolo merece a principal ressalva. Apesar de alguma queda recente, as expectativas mais consensuais ainda são de déficits orçamentários elevados neste ano e no próximo, além de alta contínua da dívida pública, hoje já equivalente a excessivos 73,6% do Produto Interno Bruto.

O governo Lula, portanto, ainda tem muito a fazer para desarmar o principal obstáculo à queda célere dos juros e ao crescimento da economia brasileira. Se sua regra fiscal não conquistar credibilidade maior, será mais difícil —e suscetível às intempéries do cenário internacional— tornar duradoura a atual melhora de humores.

Dilemas de Macron

Folha de S. Paulo

Onda de protestos cria riscos para centro na França, onde radicais se fortalecem

Emmanuel Macron nunca foi unanimidade entre os franceses. Ainda assim, foi eleito presidente duas vezes. O segredo de seu sucesso está no adversário: em ambos os pleitos, disputou o segundo turno com a ultradireitista Marine Le Pen. Na França, há o relativo consenso de que a extrema direita não deve assumir a Presidência.

O problema é que esse entendimento é declinante. Em 2017, Macron venceu o segundo turno com 65,8% dos votos; em 2022, foram 58,6%. É nesse contexto que se deve analisar a onda de protestos violentos que vem varrendo o país.

As manifestações tiveram início depois que um policial matou um adolescente de ascendência magrebina. Não são, portanto, reação a uma política do governo, como foram os atos contra a reforma da Previdência em março.

Segundo o sociólogo francês Sebastian Roché, em entrevista à Folha, Macron pretende enfrentar a situação com mão pesada para não dar à extrema direita o discurso de que o governo é fraco, incapaz de controlar distúrbios violentos.

O presidente cogita tomar medidas controversas, como responsabilizar os pais por ações dos filhos, já que são majoritariamente jovens que participam dos protestos.

Ao pautar-se pela direita, Macron afasta-se mais um pouco da centro-esquerda, importante para suas vitórias, e tende a normalizar o discurso de Le Pen, o que contribui para torná-la menos "inaceitável".

A situação do centrismo na França é difícil não só por armadilhas como essa, mas também pela repetição de crises que vêm erodindo a popularidade do governo.

Antes da atual onda, houve protestos contra a Previdência e, ainda antes, os dos coletes amarelos. Mesmo considerando que manifestações fazem parte da cultura francesa, tais eventos potencializam o desgaste natural do exercício do poder ao longo de dois mandatos.

Macron não poderá disputar um terceiro pleito em 2027. Assim, seu grupo político, ou outra força mais ao centro, ainda terá de fabricar um candidato competitivo.

Já nos extremos, a situação é diferente. Le Pen e seu partido vêm crescendo a cada eleição, chegando a 23% dos votos no primeiro turno de 2022. Algo parecido vale para a esquerda mais radical, liderada por Jean-Luc Mélenchon —em terceiro lugar no ano passado, com 22%.

Importa saber se a França continuará a ser uma nação que consegue driblar a radicalização política ou se também sucumbirá a ela.

Constrói-se um consenso sobre a reforma

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro prega boicote à reforma tributária, mas manifesto de economistas e empresários de diversas posições políticas mostra ser possível buscar união em torno de um texto factível

O ex-presidente Jair Bolsonaro convocou a bancada de 99 deputados do PL a votar contra a reforma tributária. Intitulada Reforma Tributária: um verdadeiro soco no estômago dos mais pobres, a nota oficial assinada por Bolsonaro não pede ajustes ou faz sugestões para a melhoria do texto final que será submetido a votação na Câmara. Ao contrário: ele simplesmente prega a rejeição total da “reforma do PT”.

No sentido oposto, um grupo de mais de 60 economistas e empresários de diversas posições políticas e ideológicas divulgou um comunicado em defesa da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC). “Reconhecemos que não existe reforma ideal. No entanto, temos confiança de que a reforma tributária, se aprovada, terá um efeito muito positivo sobre a produtividade e o crescimento do País, além de reduzir nossas desigualdades sociais e regionais”, diz o manifesto.

O tom da nota de Bolsonaro condiz com sua trajetória política. Desde os tempos em que era um deputado inexpressivo até chegar à Presidência da República,

Bolsonaro tumultua o debate de temas relevantíssimos sem agregar nada de útil às discussões. Derrotado na eleição e agora inelegível, ele tenta se firmar como líder da oposição ao governo Lula. Felizmente, parte da bancada do PL, inclusive o presidente da sigla, Valdemar Costa Neto, prefere liberar os parlamentares para votarem como preferirem em vez de assumir uma atitude deletéria que em nada contribui para o País.

O posicionamento dos economistas e empresários, por outro lado, mostra uma compreensão do momento político que o País vive. Entre os que assinaram o manifesto estão Armínio Fraga, Maílson da Nóbrega, Henrique Meirelles, Guido Mantega, Samuel Pessoa, Affonso Celso Pastore, Edmar Bacha e Jorge Gerdau, entre outros – pessoas que nada têm em comum, a não ser a consciência de que a reforma é urgente e necessária para modernizar a economia brasileira.

É mais do que sabido que o sistema tributário atual está por trás de muitas das distorções da nossa economia. Por outro lado, é muito raro haver uma convergência entre o Legislativo e o Executivo, algo que há hoje em torno da proposta. Ao longo dos anos, foram criadas tantas situações e regimes especiais que as exceções à norma geral se tornaram a regra. É consenso que esse modelo se esgotou.

O claudicante desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) nos últimos 30 anos é o resultado de um sistema tributário confuso, injusto e regressivo, que reforça subsídios e privilégios para segmentos específicos em detrimento da produtividade, da competitividade, da inovação e do crescimento da economia como um todo. É mais do que hora de revê-lo.

O modelo do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), base da reforma tributária que tramita na Câmara, é adotado por 174 países em todo o mundo. Ao unificar tributos federais, estaduais e municipais em um IVA dual, a reforma vai não apenas simplificar o sistema e impedir a cumulatividade e a cobrança de imposto sobre imposto, mas garantir que a sociedade saiba efetivamente o quanto paga em tributos.

Isso não significa que haja apoio cego e integral ao texto da reforma. Democraticamente, muitos setores e governadores têm manifestado divergências a alguns de seus princípios. Mas os debates dos últimos dias têm sido muito profícuos para esclarecer e dirimir receios sobre a reforma. O relator da proposta, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), tem manifestado a disposição de ajustar o parecer que irá a votação, e a oposição ferrenha ao texto manifestada por Bolsonaro tem se mostrado cada vez mais isolada e minoritária.

Ao que tudo indica, as discussões têm avançado rumo ao consenso possível. É muito bom que seja assim. Como já defendemos neste espaço, o País está diante de uma oportunidade ímpar para finalmente aprovar a reforma tributária, talvez a melhor dos últimos 35 anos. A proposta que vier a ser aprovada ainda dependerá de muitos projetos de lei complementar. Ela não resultará em um sistema perfeito, mas sem dúvida alguma será melhor que o manicômio tributário que temos hoje. É chegada a hora de o País dar esse importante passo.

Revisão do Mercosul já passa da hora

O Estado de S. Paulo

Reunião de líderes em Puerto Iguazú reflete um bloco apático diante do necessário enfrentamento de suas mazelas comerciais e perdido em devaneios nacionais

O Mercosul não poderia ter sido mais transparente sobre o quão “atrapado” está em suas próprias mazelas como na sua reunião de cúpula em Puerto Iguazú, na Argentina, encerrada no último dia 4. O documento final do encontro refletiu a dificuldade de o bloco tratar suas pendências históricas como união aduaneira e iniciar a urgente revisão de seus instrumentos para adequar-se às circunstâncias do comércio global. Nas entrelinhas, lê-se a urgente necessidade de sua profunda revisão.

O bloco não se esquivou somente de encarar seu processo de integração. Ao omitir diretivas sobre a conclusão do acordo com a União Europeia, a guinada que o pequeno Uruguai pretende impor aos sócios ao negociar com a China e a condenação ao regime autocrático da Venezuela, o texto final evidenciou o dissenso em temas cruciais. Perdido em solilóquios nacionais, o Mercosul abandona-se à progressiva fragilidade e ao questionamento de sua relevância.

A ausência, pela quarta vez, da assinatura do presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, no documento final foi emblemática. Não refletiu somente sua contrariedade com o veto dos outros três sócios à negociação do livre-comércio entre seu país e a China. Antes, expressou o mal-estar de um parceiro considerado desde sempre como “menor” com a integração comercial há décadas emperrada. O Uruguai, ao contrário de seus parceiros, se indaga sobre o quão válido é o Mercosul para o interesse nacional.

Ao sublinhar em seu discurso o fato de que os setores automotivo e açucareiro continuam excluídos do Mercosul, o presidente Lula da Silva tocou em uma negligência histórica. Não é a única. O comércio dentro do bloco não alcançou até hoje a fluidez imaginada em 1995, quando as regras do livre-comércio e da união aduaneira começaram a ser adotadas. Medidas técnicas escamoteiam o protecionismo entre os sócios.

Mas é na união aduaneira a maior fragilidade do Mercosul. A Tarifa Externa Comum (TEC), aplicada aos bens importados de países fora do bloco, foi relevante para a construção de um mercado cativo, em especial para a indústria brasileira. Mas, se no passado era comparada a uma peneira, tantas as brechas, agora não passa de um mecanismo ficcional. Em 28 anos, nunca houve uma reavaliação profunda para adequá-la aos atuais processos produtivos e comerciais. Exceções e reduções unilaterais das alíquotas levam à conclusão de que há quatro TECs nacionais. O instrumento serve apenas como referência ilusória para as negociações de livre comércio, como o acordo com a União Europeia posto em xeque agora por Lula.

O pacto é alvo de agressivos ataques do presidente Lula da Silva, que se agarrou à “inaceitável” proposta europeia sobre meio ambiente como meio de reverter a liberalização do mercado de compras governamentais. Lula assumiu a presidência do Mercosul neste semestre com a promessa de uma resposta “contundente” a Bruxelas. Não há uma palavra no documento de Puerto Iguazú sobre a gritaria brasileira.

Capítulo à parte, o tratamento do Mercosul ao regime venezuelano manteve-se incólume no documento final – apesar do empenho de Lula em trazer Caracas de volta à mesa dos sócios plenos. O país continua suspenso por suprimir a democracia e o Estado de Direito. Certo é que Lula foi mais comedido ao tratar da Venezuela e não se arriscou a repetir o que entende por democracia “relativa”. A moderação não o eximiu de contestações pelos demais líderes por sua defesa ao regime de Maduro.

Em Puerto Iguazú, celebraram-se os 25 anos da Cláusula Democrática do Mercosul – evocada para a suspensão da Venezuela. Tratou-se de um avanço simbólico do bloco em sua agenda além do comércio, que inclui o reconhecimento de diplomas e da contribuição previdenciária e uma infinidade de temas de cooperação. Não há dúvidas de que esse acervo de compromissos do mercado comum deve ser mantido e ampliado. Mas cabe aos quatro sócios atacar de uma vez por todas, e o quanto antes, as mazelas da integração comercial. Do contrário, o risco é de se perder tudo.

A USP no caminho certo

O Estado de S. Paulo

Pela primeira vez, a universidade está entre as 100 melhores do mundo. É possível ir mais longe

A Universidade de São Paulo (USP) realizou um feito e tanto: tornou-se a melhor universidade da América Latina e uma das 100 melhores do mundo, de acordo com a recém-publicada edição do respeitado ranking QS World, elaborado pela editora britânica Quacquarelli Symonds. É a primeira vez que a USP ingressa nesse grupo de excelência acadêmica, obtendo 62,8 de 100 pontos possíveis. Só tem 100 pontos o Massachusetts Institute of Technology (MIT), considerada a melhor universidade do mundo, pela mesma editora, há 12 anos consecutivos.

A melhora do posicionamento da USP foi expressiva. Na 85.ª posição do ranking QS World em 2024 (ano de referência da pesquisa) entre as 1.499 universidades avaliadas mundo afora, a universidade paulista subiu 30 posições em relação ao levantamento anterior, que avalia critérios como volume de publicações em revistas de prestígio internacional, impacto social das pesquisas realizadas pelas instituições de ensino superior e empregabilidade dos alunos, entre outros.

Embora no resultado geral a USP figure entre as 100 melhores universidades, a Quacquarelli Symonds avaliou que 11 cursos oferecidos pela universidade paulista estão entre os 50 melhores do mundo. São eles: Odontologia, Engenharia de Minérios e Minas, Engenharia de Petróleo, Geografia, Línguas Modernas, Ciência Veterinária, Antropologia, Arquitetura, Agricultura e Silvicultura, Ciências do Esporte e Sociologia.

Esse reconhecimento internacional coroa a trajetória bem-sucedida da USP, que há anos tem investido em pesquisa e ampliado sua presença internacional, seja atraindo alunos e professores estrangeiros para seus campi em São Paulo, seja enviando pesquisadores brasileiros para intercâmbio fora do País. Dessa política resultou um aumento significativo das publicações em inglês pelos pesquisadores da USP, dando mais visibilidade não só para as pesquisas, como para a própria instituição.

Mas rankings, por si sós, não têm qualquer valor. Em outras palavras: nenhuma universidade séria tem como objetivo primário figurar entre as melhores do mundo. Isso é corolário de um longo e rigoroso trabalho de construção de reputação acadêmica, algo que depende fundamentalmente da qualidade e do impacto transformador de suas pesquisas. Evidentemente, o ranking estimula um círculo virtuoso para as universidades que se destacam. Quanto mais pesquisas de qualidade realizam, mais são reconhecidas. E prestígio e visibilidade costumam ser poderosos atrativos para investimentos.

Por essa razão, não só a USP deve seguir o bom caminho e melhorar ainda mais sua reputação em âmbito internacional, passando a figurar em posições mais próximas das de universidades do mundo anglo-saxão, como outras universidades do País também precisam buscar um nível de visibilidade e atração similar ao da instituição paulista.

Um país com a potência do Brasil não pode se contentar em ter apenas uma de suas universidades entre as 100 melhores do mundo, por mais gratificante que seja essa conquista.

Menos armas, menos violência

Correio Braziliense

No primeiro semestre deste ano, ocorreram 10,2 mil assassinatos no país — uma redução de 0,7% na comparação com igual período de 2022

A revogação dos decretos que liberavam a comercialização de armas de fogo e munição — um dos primeiros atos do governo petista — começa a apresentar resultados. No primeiro semestre deste ano, ocorreram 10,2 mil assassinatos no país — uma redução de 0,7% na comparação com igual período de 2022. Ao longo de 2022, foram 40,81 mil mortes por armas de fogo, o que representou uma diminuição de 1% em relação ao ano anterior (41,1 mil) e uma sinalização de declínio. Este foi o menor resultado desde a série histórica, iniciada em 2007, segundo os dados do Núcleo de Estudoda Violência da Universidade de São Paulo (USP).

O recadastramento exigido pelo Ministério da Justiça atualizou os dados de 939.154 armas (99% do esperado). O número ficou abaixo das estimativas dos especialistas. Para eles, quase 3 milhões de artefatos entraram em circulação no país nos últimos anos.

Parcela da sociedade e parlamentares discordaram da decisão do governo de revogar todos os decretos que liberavam a compra de armas e munição. Mas a maioria da sociedade brasileira, como revelaram várias pesquisas de opinião pública, é contrária à venda de artefatos bélicos livremente. Desde o início da edição de decretos, as autoridades da segurança pública também se manifestaram contra o livre comércio. Advertiam que a liberalidade abria enormes brechas para as organizações criminosas alimentarem seus arsenais.

Por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) acolheu as ações apresentadas pelo PSB e PT, que questionavam os decretos do então presidente Jair Bolsonaro, flexibilizando a aquisição, o cadastro, o registro, a posse, o porte e a comercialização de armas de fogo e munições. A Alta Corte considerou diversos dispositivos inconstitucionais, entre eles a presumida necessidade de compra de armas que pode ser feita por caçadores, atiradores desportivos e colecionadores (CACs), antes do uso exclusivo das Forças Armadas e dos órgãos de segurança pública, como o fuzil. Na opinião da presidente do STF, ministra Rosa Weber, as normas do ex-governo "introduzem uma política armamentista incompatível com o Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003)".

Foi considerado ilegal ainda o prazo de 10 anos para renovação do registro. Está proibida a importação de armas estrangeiras por comerciantes e pessoas físicas. Caiu também a possibilidade de aumento da quantidade máxima de artefatos que poderia ser comprada por qualquer pessoa, militares, agentes de segurança pública, membros da magistratura e do Ministério Público. De acordo com o STF, a compra de armas de uso restrito só pode ser autorizada no interesse da segurança pública ou da defesa nacional, e nunca por interesse pessoal.

As restrições ao comércio de armas são mais do que necessárias. Na cabe às pessoas físicas agirem como agente de segurança pública. Esta é atribuição do poder público, por meio das polícias Militar e Civil, como estabelece a legislação. O cidadão comum não tem habilidade nem agilidade suficiente para conter um ataque de malfeitores. Não raro, ele perde a arma para o bandido e também a vida. Os assassinatos registrados no ano passado, não fazem só uma vítima. Ao redor dela, estão família, os filhos, os pais e tantas outras pessoas que se tornam órfãs dos que morreram, sejam homens, sejam mulheres. Quantas mulheres não foram vítimas de feminicídio por um revólver. Os jovens também estão na mira da violência, que interrompe a sua trajetória de vida. Os policiais nem sempre escapam com vida em um embate com bandidos — com muita frequência, a execução de um deles ou de vários é noticiada. Em uma sociedade civilizada, os artefatos bélicos são exclusivos dos militares e das forças de segurança, e não dos indivíduos.

 

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