Ata do Fed justifica juros mais altos e não pausa
Valor Econômico
A pausa confusa do Fed não elimina o fato
de que o ciclo de alta dos juros está perto do fim
A ata da reunião do Federal Reserve
americano indicou que os juros continuarão subindo nos Estados Unidos e não
esclarece a misteriosa decisão por uma pausa nas altas tomada em junho. A
análise das condições econômicas pelo staff do Fed e pelos membros do comitê de
mercado aberto, que decide o rumo dos juros, aponta sem deixar muita margem a
dúvidas que a inflação continua resistente e bem mais alta que a meta de 2%,
que o mercado de trabalho segue vigoroso e que a economia, ainda que em “passo
moderado”, mantém um ritmo que não parece compatível com a diminuição do nível
de preços.
A comparação fria do comportamento da inflação entre as duas atas mostra que não houve melhoria significativa. A da reunião de maio aponta que o índice de gastos pessoais do consumo (PCE) nos doze meses encerrados em março foi de 4,2% e o findo em abril, de 4,4%. O núcleo desse índice, a medida preferida pelo Fed, evoluiu de 4,6% antes para 4,7% agora. A rigor, esses índices estão na mesma posição que estavam em janeiro, apesar das variações mensais. Da mesma forma, a evolução do pagamento médio por hora trabalhada, um dos indicadores de pressão inflacionária e da situação do mercado de trabalho, subiu de 4,2% para 4,3% entre uma alta e outra. O desemprego aumentou um pouco, de 3,5% para 3,7%, mas praticamente não aliviou a escassez de mão de obra.
Principal fator ressaltado diversas vezes
nas entrevistas do presidente do Fed, Jerome Powell, a inflação do núcleo dos
serviços não relacionados à habitação, que deveria cair para que a inflação
volte à meta, deu poucos sinais de arrefecimento na ata anterior e continua sem
caminhar nessa direção.
A ata de abril apontou os riscos de uma
crise em um segmento do setor bancário - três bancos regionais faliram - que
poderia se alastrar e que tinha potencial para tornar a oferta de crédito muito
mais apertada do que a escalada dos juros feita pelo banco central já propicia.
O Fed considerou que os efeitos da quebra do Silicon Valley, Signature e First
Republic eram difíceis de avaliar, mas poderiam ser graves o suficiente para
acelerar uma retração da economia já encaminhada pelo aperto monetário.
A ata da reunião de junho não dá a mesma
ênfase a esse risco, embora admita que possa continuar existindo. Mais que
isso, vários membros da reunião, não a maioria, atestaram que as condições
financeiras que decorrem da desconfiança gerada pela saída de cena de alguns
bancos regionais não provocaram piora significativa nas condições financeiras.
As estatísticas que foram divulgadas após a
reunião do Fed também não servem de base para qualquer mudança no ritmo da
política monetária, muito menos uma pausa. O PIB do primeiro trimestre, que na
primeira leitura crescera 1%, foi revisado para 2% na divulgação final. No
quarto trimestre do ano passado, avançou 2,6%. O índice de preços de gastos
pessoais de consumo subiu 4,1% no primeiro trimestre, após alta de 3,7% no
quarto trimestre e seu núcleo foi de 4,9%, ante 4,4% no trimestre anterior.
A atitude da direção do Fed é
surpreendente, diante das reiteradas afirmações de posições duras contra a
inflação. Apesar de assinalar enfaticamente que o maior risco para a autoridade
monetária nessa fase do ciclo de aperto monetário é o de pecar por moderação,
sendo preferível pecar por excesso na dose de juros, o Fed interrompeu o ciclo
por motivos que, após a leitura da ata, são frágeis ou mesmo inexplicáveis. No
documento, fica claro que o mercado já assimilara as indicações do banco de que
as taxas de juro subiriam mais do que o esperado.
O cenário elaborado pelo staff do Fed para
a reunião de junho apontava para uma recessão moderada à frente, com
desaceleração no segundo trimestre e declínio no último trimestre do ano e
primeiro do próximo, seguido de uma recuperação lenta. A perspectiva se baseava
no arrocho adicional do crédito decorrente dos problemas no setor bancário
regional. Entretanto, o balanço apresentado aos dirigentes do Fed mostrava que
os riscos para inflação eram de alta, devido ao mercado de trabalho aquecido e
à persistência do consumo, que levariam a economia não a desaquecer, mas a
crescer lentamente, evitando uma recessão. “Cenários com inflação maior parecem
mais prováveis do que os com inflação menor”, registra a ata, citando, além
disso, que um período longo de inflação elevada poderia desancorar as
expectativas - algo que até agora, no entanto, não ocorreu.
Alguns membros do banco defenderam uma
elevação de 0,25 ponto percentual. Seu argumento é que nada havia mudado - “o
mercado de trabalho continua apertado, a atividade econômica se revelou mais
vigorosa do que era esperado e havia poucos sinais claros de que a inflação estava
a caminho da meta de 2% ao longo do tempo”.
A pausa confusa do Fed não elimina o fato de que o ciclo de alta dos juros está perto do fim, com mais um ou dois ajustes, ritmo semelhante ao que se espera do Banco Central Europeu, antes de uma pausa mais longa e, talvez, definitiva.
Racha no Mercosul desafia presidência de
Lula no bloco
O Globo
Concluir acordo com União Europeia será a
melhor forma de apaziguar rebeldia uruguaia
O encontro de cúpula do Mercosul na
Argentina, em Puerto Iguazú, resultou em racha. O Uruguai quer fazer um acordo
comercial com a China e ameaça partir para uma negociação bilateral — vetada
pelas regras da união aduaneira — se o resto do bloco não se mexer. A rebeldia
uruguaia será o principal desafio do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, que assume a presidência do bloco por seis meses. Pela quarta vez, o
presidente do Uruguai, Lacalle Pou, se recusou a assinar o comunicado conjunto
da reunião.
Não é a primeira vez que o Uruguai cria
problemas para o Mercosul. Em 1990, também tentou um acordo isolado com os
Estados Unidos, sem êxito. A queixa é que Brasil e Argentina, com economias
mais diversificadas, evitam acordos capazes de forçá-los a se abrir à
competição externa. Nesse ponto, o Uruguai tem uma boa dose de razão. Até o
Acordo com a União Europeia (UE), assinado em 2019 depois de 20 anos de
negociação, o Mercosul selara tratados comerciais apenas com pequenos países.
Criado para conectar seus integrantes à economia global, ficou fechado em si
mesmo.
Agora, a irritação uruguaia cresceu diante
das dificuldades para finalizar o acordo com os europeus. Numa manobra de que
já devem ter se arrependido, Lula e o presidente argentino, Alberto Fernández,
aproveitaram a pressão dos ambientalistas europeus para tentar rever itens do
acordo fechado na gestão Jair Bolsonaro. A forma atabalhoada como Lula retomou
os contatos com a UE resultou numa carta dos europeus com “instrumentos
adicionais” para impedir a importação de produtos de áreas desmatadas depois de
2020.
Nada que a diplomacia não pudesse
contornar, já que combater o desmatamento também é interesse do Brasil. Lula,
porém, depois de classificar como “ameaças” a intenção da UE, prometeu uma
resposta à altura. Deveria, em vez de escalar a disputa em público, ter
entregado o caso ao Itamaraty e investido seu tempo, com Argentina, Paraguai e
Uruguai, para que o acordo entre em vigor quanto antes. Não se pode mais adiar,
depois de passadas mais de duas décadas de negociações.
Não faz sentido reabrir um acordo já
assinado para rediscutir a participação de empresas europeias nas compras
governamentais do Brasil. O governo pretende manter essa anacrônica reserva de
mercado sem aproveitar o tratado com a UE para injetar mais competição no
mercado interno e ganhar produtividade.
Outra atitude contraproducente de Lula tem
sido a insistência em reintegrar ao Mercosul a Venezuela, afastada por não
cumprir a cláusula democrática. Depois de receber o ditador Nicolás Maduro em
Brasília com honras de chefe de Estado, Lula não obteve nenhum aceno positivo
de Uruguai ou Paraguai em favor da Venezuela chavista. Seu plano soou ainda
mais absurdo quando, às vésperas da cúpula de Puerto Iguazú, o regime chavista
impugnou a candidatura da principal adversária de Maduro nas eleições.
Claro que o Uruguai precisará ser criticado
se partir para a negociação com os chineses à revelia do Mercosul. Mas motivos
não faltam. Nos seis meses de presidência do Mercosul, o melhor que Lula pode
fazer é afastar suas inclinações ideológicas e concluir os entendimentos com a
UE. Será bom para as economias do bloco e, de quebra, trará o melhor argumento
para apaziguar as pretensões rebeldes do Uruguai.
Anistia que beneficia Bolsonaro precisa ser
barrada no nascedouro
O Globo
Proposta sem cabimento reúne apoio não
apenas de bolsonaristas, mas também dentro da base do governo
Não tem cabimento o movimento que se forma
no Congresso para anistiar o ex-presidente Jair
Bolsonaro, condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
por abuso político e uso indevido dos meios de comunicação ao convocar uma
reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada para atacar o sistema eleitoral
e minar a credibilidade do resultado das eleições. Com a punição, Bolsonaro se
tornou inelegível por oito anos.
Na mesma sexta-feira em que o TSE condenou
Bolsonaro, o deputado Ubiratan Sanderson (PL-RS) protocolou um Projeto de Lei
que concede anistia a parlamentares que tenham cometido delitos eleitorais a
partir de 2016. Embora a proposta tenha na aparência caráter genérico, na
prática o objetivo é livrar Bolsonaro da inelegibilidade. O senador Ciro
Nogueira (PP-PI), ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro, também apresentou
projeto com o mesmo propósito.
No início da semana a proposta de Sanderson
já contava com 65 assinaturas, e elas não se restringem ao PL, partido de
Bolsonaro. Pelo menos 12 deputados de legendas da base do governo, como MDB,
PSD e União Brasil, apoiam a iniciativa. Nomes ligados a Progressistas,
Republicanos, Podemos e Patriota também se juntaram ao coro para livrar o
ex-presidente da condenação.
Parlamentares têm obsessão por anistias.
Fazem leis e se encarregam de desrespeitá-las. Uma das propostas mais vergonhosas
que tramitam no Congresso é a PEC 9/2023, já aprovada na Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) com apoio de governistas e oposicionistas. Ela
anistia as multas aplicadas pela Justiça Eleitoral aos partidos por terem
descumprido cotas nas candidaturas e por quaisquer irregularidades nas
prestações de contas dos fundos partidário e eleitoral.
Agora a questão é mais grave. Bolsonaro não
foi condenado à toa. Atacou o sistema eletrônico de votação sem nenhuma prova
com o objetivo de tumultuar a eleição. A ideia de convocar os embaixadores para
uma reunião no Alvorada partiu dele próprio, como ficou demonstrado nos autos.
O ambiente de instabilidade institucional que fomentou desaguou na violência do
8 de Janeiro.
Um dos méritos da decisão do TSE é seu
caráter pedagógico, ao mostrar que quem não jogar dentro das regras da
Constituição terá de arcar com as consequências. O presidente do TSE, Alexandre
de Moraes, havia dito que ataques ao sistema eleitoral e à democracia não
seriam tolerados, poderiam levar à cassação do mandato e à inelegibilidade.
Bolsonaro sabia o que fazia.
Querer revogar a condenação por meio de uma
anistia sem pé nem cabeça depõe contra o Parlamento e atenta contra a
democracia. Significa dizer que o chefe do Executivo pode usar o cargo, as
instalações públicas, os meios oficiais de comunicação para disseminar mentiras
e favorecer a própria candidatura, pois será perdoado. A proposta de anistia
precisa ser barrada no nascedouro.
Bodes fora da sala
Folha de S. Paulo
Piores ideias petistas saem de cena, mas
projeções fiscais ainda são ruins
Aprovado pelo
Senado para ocupar a diretoria de Política Monetária do Banco Central,
Gabriel Galípolo, uma indicação do governo petista, mostrou sensatez ao ser
sabatinado pelos parlamentares.
Não esboçou nenhum sinal de confronto com o
atual comando do BC nem de inclinação a experimentalismos heterodoxos.
Ex-número dois de Fernando Haddad na Fazenda, preferiu expor os progressos que
considera terem sido obtidos pela atual gestão.
Em sua lista, incluiu a valorização da
moeda nacional ante o dólar, a queda das previsões para o déficit orçamentário,
a iminente aprovação de uma nova regra fiscal, a alta dos prognósticos para a
expansão do PIB e os recuos da inflação e da taxa de juros esperada.
É tudo verdade, mas cumpre observar que boa
parte da melhora se deu sobre expectativas que haviam se deteriorado após a
eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seus ataques ao controle da despesa
pública e à autonomia do BC.
Os humores mudaram com o cenário
internacional mais favorável, a safra agrícola recorde e a constatação de que,
a despeito do falatório do presidente da República, as piores ideias econômicas
petistas não têm prosperado —é o proverbial bode retirado da sala.
O Congresso logo fez saber que não
avançariam eventuais tentativas de mudar a governança da política monetária e
reverter reformas dos últimos anos. Do mesmo modo, barrou-se a
investida estatista do Palácio do Planalto contra o marco legal do saneamento.
Especulações sobre aumento das metas de
inflação, insufladas por Lula, foram deixadas de lado. O recurso ao Judiciário
para enfraquecer a privatização da Eletrobras, até aqui, deu em nada. O
programa anacrônico de apoio à indústria automobilística teve suas dimensões
limitadas.
As teses gastadoras e inflacionistas
parecem circunscritas ao BNDES. Em vez disso, Haddad e sua equipe se dedicaram
à prioridade correta de fazer avançar a nova regra de contenção de gastos.
É nesse ponto, entretanto, que a listagem
otimista de Galípolo merece a principal ressalva. Apesar de alguma queda
recente, as expectativas mais consensuais ainda são de déficits orçamentários
elevados neste ano e no próximo, além de alta contínua da dívida pública, hoje
já equivalente a excessivos 73,6% do Produto Interno Bruto.
O governo Lula, portanto, ainda tem muito a
fazer para desarmar o principal obstáculo à queda célere dos juros e ao
crescimento da economia brasileira. Se sua regra fiscal não conquistar
credibilidade maior, será mais difícil —e suscetível às intempéries do cenário
internacional— tornar duradoura a atual melhora de humores.
Dilemas de Macron
Folha de S. Paulo
Onda de protestos cria riscos para centro na
França, onde radicais se fortalecem
Emmanuel Macron nunca foi unanimidade entre
os franceses. Ainda assim, foi eleito presidente duas vezes. O segredo de seu
sucesso está no adversário: em ambos os pleitos, disputou o segundo turno com a
ultradireitista Marine Le Pen. Na França, há o relativo consenso de que a
extrema direita não deve assumir a Presidência.
O problema é que esse entendimento é
declinante. Em 2017, Macron venceu o segundo turno com 65,8% dos votos; em
2022, foram 58,6%. É nesse contexto que se deve analisar a onda de protestos
violentos que vem varrendo o país.
As manifestações tiveram início depois que
um policial matou um adolescente de ascendência magrebina. Não são, portanto,
reação a uma política do governo, como foram os atos contra a reforma da
Previdência em março.
Segundo o
sociólogo francês Sebastian Roché, em entrevista à Folha,
Macron pretende enfrentar a situação com mão pesada para não dar à extrema
direita o discurso de que o governo é fraco, incapaz de controlar distúrbios
violentos.
O presidente cogita tomar
medidas controversas, como responsabilizar os pais por ações dos filhos,
já que são majoritariamente jovens que participam dos protestos.
Ao pautar-se pela direita, Macron afasta-se
mais um pouco da centro-esquerda, importante para suas vitórias, e tende a
normalizar o discurso de Le Pen, o que contribui para torná-la menos
"inaceitável".
A situação do centrismo na França é difícil
não só por armadilhas como essa, mas também pela repetição de crises que vêm
erodindo a popularidade do governo.
Antes da atual onda, houve protestos contra
a Previdência e, ainda antes, os dos coletes amarelos. Mesmo considerando que
manifestações fazem parte da cultura francesa, tais eventos potencializam o desgaste
natural do exercício do poder ao longo de dois mandatos.
Macron não poderá disputar um terceiro
pleito em 2027. Assim, seu grupo político, ou outra força mais ao centro, ainda
terá de fabricar um candidato competitivo.
Já nos extremos, a situação é diferente. Le
Pen e seu partido vêm crescendo a cada eleição, chegando a 23% dos votos no
primeiro turno de 2022. Algo parecido vale para a esquerda mais radical,
liderada por Jean-Luc Mélenchon —em terceiro lugar no ano passado, com 22%.
Importa saber se a França continuará a ser uma nação que consegue driblar a radicalização política ou se também sucumbirá a ela.
Constrói-se um consenso sobre a reforma
O Estado de S. Paulo
Bolsonaro prega boicote à reforma
tributária, mas manifesto de economistas e empresários de diversas posições
políticas mostra ser possível buscar união em torno de um texto factível
O ex-presidente Jair Bolsonaro convocou a
bancada de 99 deputados do PL a votar contra a reforma tributária. Intitulada
Reforma Tributária: um verdadeiro soco no estômago dos mais pobres, a nota
oficial assinada por Bolsonaro não pede ajustes ou faz sugestões para a
melhoria do texto final que será submetido a votação na Câmara. Ao contrário:
ele simplesmente prega a rejeição total da “reforma do PT”.
No sentido oposto, um grupo de mais de 60
economistas e empresários de diversas posições políticas e ideológicas divulgou
um comunicado em defesa da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição
(PEC). “Reconhecemos que não existe reforma ideal. No entanto, temos confiança
de que a reforma tributária, se aprovada, terá um efeito muito positivo sobre a
produtividade e o crescimento do País, além de reduzir nossas desigualdades
sociais e regionais”, diz o manifesto.
O tom da nota de Bolsonaro condiz com sua
trajetória política. Desde os tempos em que era um deputado inexpressivo até
chegar à Presidência da República,
Bolsonaro tumultua o debate de temas
relevantíssimos sem agregar nada de útil às discussões. Derrotado na eleição e
agora inelegível, ele tenta se firmar como líder da oposição ao governo Lula.
Felizmente, parte da bancada do PL, inclusive o presidente da sigla, Valdemar
Costa Neto, prefere liberar os parlamentares para votarem como preferirem em
vez de assumir uma atitude deletéria que em nada contribui para o País.
O posicionamento dos economistas e
empresários, por outro lado, mostra uma compreensão do momento político que o
País vive. Entre os que assinaram o manifesto estão Armínio Fraga, Maílson da
Nóbrega, Henrique Meirelles, Guido Mantega, Samuel Pessoa, Affonso Celso
Pastore, Edmar Bacha e Jorge Gerdau, entre outros – pessoas que nada têm em
comum, a não ser a consciência de que a reforma é urgente e necessária para
modernizar a economia brasileira.
É mais do que sabido que o sistema
tributário atual está por trás de muitas das distorções da nossa economia. Por
outro lado, é muito raro haver uma convergência entre o Legislativo e o
Executivo, algo que há hoje em torno da proposta. Ao longo dos anos, foram
criadas tantas situações e regimes especiais que as exceções à norma geral se
tornaram a regra. É consenso que esse modelo se esgotou.
O claudicante desempenho do Produto Interno
Bruto (PIB) nos últimos 30 anos é o resultado de um sistema tributário confuso,
injusto e regressivo, que reforça subsídios e privilégios para segmentos
específicos em detrimento da produtividade, da competitividade, da inovação e
do crescimento da economia como um todo. É mais do que hora de revê-lo.
O modelo do Imposto sobre Valor Agregado
(IVA), base da reforma tributária que tramita na Câmara, é adotado por 174
países em todo o mundo. Ao unificar tributos federais, estaduais e municipais
em um IVA dual, a reforma vai não apenas simplificar o sistema e impedir a
cumulatividade e a cobrança de imposto sobre imposto, mas garantir que a sociedade
saiba efetivamente o quanto paga em tributos.
Isso não significa que haja apoio cego e
integral ao texto da reforma. Democraticamente, muitos setores e governadores
têm manifestado divergências a alguns de seus princípios. Mas os debates dos
últimos dias têm sido muito profícuos para esclarecer e dirimir receios sobre a
reforma. O relator da proposta, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), tem manifestado a
disposição de ajustar o parecer que irá a votação, e a oposição ferrenha ao
texto manifestada por Bolsonaro tem se mostrado cada vez mais isolada e
minoritária.
Ao que tudo indica, as discussões têm
avançado rumo ao consenso possível. É muito bom que seja assim. Como já
defendemos neste espaço, o País está diante de uma oportunidade ímpar para
finalmente aprovar a reforma tributária, talvez a melhor dos últimos 35 anos. A
proposta que vier a ser aprovada ainda dependerá de muitos projetos de lei
complementar. Ela não resultará em um sistema perfeito, mas sem dúvida alguma
será melhor que o manicômio tributário que temos hoje. É chegada a hora de o País
dar esse importante passo.
Revisão do Mercosul já passa da hora
O Estado de S. Paulo
Reunião de líderes em Puerto Iguazú reflete
um bloco apático diante do necessário enfrentamento de suas mazelas comerciais
e perdido em devaneios nacionais
O Mercosul não poderia ter sido mais
transparente sobre o quão “atrapado” está em suas próprias mazelas como na sua
reunião de cúpula em Puerto Iguazú, na Argentina, encerrada no último dia 4. O
documento final do encontro refletiu a dificuldade de o bloco tratar suas
pendências históricas como união aduaneira e iniciar a urgente revisão de seus
instrumentos para adequar-se às circunstâncias do comércio global. Nas
entrelinhas, lê-se a urgente necessidade de sua profunda revisão.
O bloco não se esquivou somente de encarar
seu processo de integração. Ao omitir diretivas sobre a conclusão do acordo com
a União Europeia, a guinada que o pequeno Uruguai pretende impor aos sócios ao
negociar com a China e a condenação ao regime autocrático da Venezuela, o texto
final evidenciou o dissenso em temas cruciais. Perdido em solilóquios
nacionais, o Mercosul abandona-se à progressiva fragilidade e ao questionamento
de sua relevância.
A ausência, pela quarta vez, da assinatura
do presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, no documento final foi emblemática.
Não refletiu somente sua contrariedade com o veto dos outros três sócios à
negociação do livre-comércio entre seu país e a China. Antes, expressou o
mal-estar de um parceiro considerado desde sempre como “menor” com a integração
comercial há décadas emperrada. O Uruguai, ao contrário de seus parceiros, se
indaga sobre o quão válido é o Mercosul para o interesse nacional.
Ao sublinhar em seu discurso o fato de que
os setores automotivo e açucareiro continuam excluídos do Mercosul, o
presidente Lula da Silva tocou em uma negligência histórica. Não é a única. O
comércio dentro do bloco não alcançou até hoje a fluidez imaginada em 1995,
quando as regras do livre-comércio e da união aduaneira começaram a ser
adotadas. Medidas técnicas escamoteiam o protecionismo entre os sócios.
Mas é na união aduaneira a maior
fragilidade do Mercosul. A Tarifa Externa Comum (TEC), aplicada aos bens
importados de países fora do bloco, foi relevante para a construção de um
mercado cativo, em especial para a indústria brasileira. Mas, se no passado era
comparada a uma peneira, tantas as brechas, agora não passa de um mecanismo
ficcional. Em 28 anos, nunca houve uma reavaliação profunda para adequá-la aos
atuais processos produtivos e comerciais. Exceções e reduções unilaterais das
alíquotas levam à conclusão de que há quatro TECs nacionais. O instrumento
serve apenas como referência ilusória para as negociações de livre comércio,
como o acordo com a União Europeia posto em xeque agora por Lula.
O pacto é alvo de agressivos ataques do
presidente Lula da Silva, que se agarrou à “inaceitável” proposta europeia
sobre meio ambiente como meio de reverter a liberalização do mercado de compras
governamentais. Lula assumiu a presidência do Mercosul neste semestre com a
promessa de uma resposta “contundente” a Bruxelas. Não há uma palavra no
documento de Puerto Iguazú sobre a gritaria brasileira.
Capítulo à parte, o tratamento do Mercosul
ao regime venezuelano manteve-se incólume no documento final – apesar do
empenho de Lula em trazer Caracas de volta à mesa dos sócios plenos. O país
continua suspenso por suprimir a democracia e o Estado de Direito. Certo é que
Lula foi mais comedido ao tratar da Venezuela e não se arriscou a repetir o que
entende por democracia “relativa”. A moderação não o eximiu de contestações
pelos demais líderes por sua defesa ao regime de Maduro.
Em Puerto Iguazú, celebraram-se os 25 anos
da Cláusula Democrática do Mercosul – evocada para a suspensão da Venezuela.
Tratou-se de um avanço simbólico do bloco em sua agenda além do comércio, que
inclui o reconhecimento de diplomas e da contribuição previdenciária e uma
infinidade de temas de cooperação. Não há dúvidas de que esse acervo de
compromissos do mercado comum deve ser mantido e ampliado. Mas cabe aos quatro
sócios atacar de uma vez por todas, e o quanto antes, as mazelas da integração
comercial. Do contrário, o risco é de se perder tudo.
A USP no caminho certo
O Estado de S. Paulo
Pela primeira vez, a universidade está entre as 100 melhores do mundo. É possível ir mais longe
A Universidade de São Paulo (USP) realizou
um feito e tanto: tornou-se a melhor universidade da América Latina e uma das
100 melhores do mundo, de acordo com a recém-publicada edição do respeitado
ranking QS World, elaborado pela editora britânica Quacquarelli Symonds. É a
primeira vez que a USP ingressa nesse grupo de excelência acadêmica, obtendo
62,8 de 100 pontos possíveis. Só tem 100 pontos o Massachusetts Institute of
Technology (MIT), considerada a melhor universidade do mundo, pela mesma
editora, há 12 anos consecutivos.
A melhora do posicionamento da USP foi
expressiva. Na 85.ª posição do ranking QS World em 2024 (ano de referência da
pesquisa) entre as 1.499 universidades avaliadas mundo afora, a universidade
paulista subiu 30 posições em relação ao levantamento anterior, que avalia
critérios como volume de publicações em revistas de prestígio internacional,
impacto social das pesquisas realizadas pelas instituições de ensino superior e
empregabilidade dos alunos, entre outros.
Embora no resultado geral a USP figure
entre as 100 melhores universidades, a Quacquarelli Symonds avaliou que 11
cursos oferecidos pela universidade paulista estão entre os 50 melhores do
mundo. São eles: Odontologia, Engenharia de Minérios e Minas, Engenharia de
Petróleo, Geografia, Línguas Modernas, Ciência Veterinária, Antropologia,
Arquitetura, Agricultura e Silvicultura, Ciências do Esporte e Sociologia.
Esse reconhecimento internacional coroa a
trajetória bem-sucedida da USP, que há anos tem investido em pesquisa e
ampliado sua presença internacional, seja atraindo alunos e professores
estrangeiros para seus campi em São Paulo, seja enviando pesquisadores
brasileiros para intercâmbio fora do País. Dessa política resultou um aumento
significativo das publicações em inglês pelos pesquisadores da USP, dando mais
visibilidade não só para as pesquisas, como para a própria instituição.
Mas rankings, por si sós, não têm qualquer
valor. Em outras palavras: nenhuma universidade séria tem como objetivo
primário figurar entre as melhores do mundo. Isso é corolário de um longo e
rigoroso trabalho de construção de reputação acadêmica, algo que depende
fundamentalmente da qualidade e do impacto transformador de suas pesquisas.
Evidentemente, o ranking estimula um círculo virtuoso para as universidades que
se destacam. Quanto mais pesquisas de qualidade realizam, mais são
reconhecidas. E prestígio e visibilidade costumam ser poderosos atrativos para
investimentos.
Por essa razão, não só a USP deve seguir o
bom caminho e melhorar ainda mais sua reputação em âmbito internacional,
passando a figurar em posições mais próximas das de universidades do mundo
anglo-saxão, como outras universidades do País também precisam buscar um nível
de visibilidade e atração similar ao da instituição paulista.
Um país com a potência do Brasil não pode
se contentar em ter apenas uma de suas universidades entre as 100 melhores do
mundo, por mais gratificante que seja essa conquista.
Menos armas, menos violência
Correio Braziliense
No primeiro semestre deste ano, ocorreram
10,2 mil assassinatos no país — uma redução de 0,7% na comparação com igual
período de 2022
A revogação dos decretos que liberavam a
comercialização de armas de fogo e munição — um dos primeiros atos do governo
petista — começa a apresentar resultados. No primeiro semestre deste ano,
ocorreram 10,2 mil assassinatos no país — uma redução de 0,7% na comparação com
igual período de 2022. Ao longo de 2022, foram 40,81 mil mortes por armas de
fogo, o que representou uma diminuição de 1% em relação ao ano anterior (41,1
mil) e uma sinalização de declínio. Este foi o menor resultado desde a série
histórica, iniciada em 2007, segundo os dados do Núcleo de Estudoda Violência
da Universidade de São Paulo (USP).
O recadastramento exigido pelo Ministério
da Justiça atualizou os dados de 939.154 armas (99% do esperado). O número
ficou abaixo das estimativas dos especialistas. Para eles, quase 3 milhões de
artefatos entraram em circulação no país nos últimos anos.
Parcela da sociedade e parlamentares
discordaram da decisão do governo de revogar todos os decretos que liberavam a
compra de armas e munição. Mas a maioria da sociedade brasileira, como
revelaram várias pesquisas de opinião pública, é contrária à venda de artefatos
bélicos livremente. Desde o início da edição de decretos, as autoridades da
segurança pública também se manifestaram contra o livre comércio. Advertiam que
a liberalidade abria enormes brechas para as organizações criminosas
alimentarem seus arsenais.
Por unanimidade, o Plenário do Supremo
Tribunal Federal (STF) acolheu as ações apresentadas pelo PSB e PT, que
questionavam os decretos do então presidente Jair Bolsonaro, flexibilizando a
aquisição, o cadastro, o registro, a posse, o porte e a comercialização de
armas de fogo e munições. A Alta Corte considerou diversos dispositivos
inconstitucionais, entre eles a presumida necessidade de compra de armas que
pode ser feita por caçadores, atiradores desportivos e colecionadores (CACs),
antes do uso exclusivo das Forças Armadas e dos órgãos de segurança pública,
como o fuzil. Na opinião da presidente do STF, ministra Rosa Weber, as normas
do ex-governo "introduzem uma política armamentista incompatível com o
Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003)".
Foi considerado ilegal ainda o prazo de 10
anos para renovação do registro. Está proibida a importação de armas
estrangeiras por comerciantes e pessoas físicas. Caiu também a possibilidade de
aumento da quantidade máxima de artefatos que poderia ser comprada por qualquer
pessoa, militares, agentes de segurança pública, membros da magistratura e do
Ministério Público. De acordo com o STF, a compra de armas de uso restrito só
pode ser autorizada no interesse da segurança pública ou da defesa nacional, e
nunca por interesse pessoal.
As restrições ao comércio de armas são mais do que necessárias. Na cabe às pessoas físicas agirem como agente de segurança pública. Esta é atribuição do poder público, por meio das polícias Militar e Civil, como estabelece a legislação. O cidadão comum não tem habilidade nem agilidade suficiente para conter um ataque de malfeitores. Não raro, ele perde a arma para o bandido e também a vida. Os assassinatos registrados no ano passado, não fazem só uma vítima. Ao redor dela, estão família, os filhos, os pais e tantas outras pessoas que se tornam órfãs dos que morreram, sejam homens, sejam mulheres. Quantas mulheres não foram vítimas de feminicídio por um revólver. Os jovens também estão na mira da violência, que interrompe a sua trajetória de vida. Os policiais nem sempre escapam com vida em um embate com bandidos — com muita frequência, a execução de um deles ou de vários é noticiada. Em uma sociedade civilizada, os artefatos bélicos são exclusivos dos militares e das forças de segurança, e não dos indivíduos.
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