Por Vera Rosa / O Estado de S. Paulo
Ex-chanceler afirma que é preciso banir bolsonarismo do partido, critica Eduardo Leite e vê ‘grave erro político’ de Lula ao se referir à situação da Venezuela
BRASÍLIA – Primeiro tucano a defender o apoio
a Luiz Inácio Lula da Silva na
eleição, o ex-chanceler Aloysio Nunes Ferreira diz
ver com tristeza a “agonia” do PSDB, que governou o
País duas vezes, com Fernando Henrique Cardoso,
e completou 35 anos no mês passado. “O PSDB, hoje, não é confiável nem para
oposição. Não é nada”, afirma o ex-ministro das Relações Exteriores.
Na avaliação de Aloysio, a cúpula do PSDB faz a
“leitura errada” do quadro político e não consegue nem mesmo discutir assuntos
de interesse do País. “Para meu espanto, li a notícia de que o PSDB contratou
uma influencer para definir o programa do partido. É um absurdo”, criticou ele.
Apesar de ter apoiado Lula, o ex-chanceler acha que
o presidente cometeu “grave erro político” ao afagar o venezuelano Nicolás Maduro. “Na Venezuela, a imprensa não
é livre, as eleições não são livres, a oposição é reprimida, o Judiciário é
controlado. Se isso não é ditadura, o que é?”, questionou.
O PSDB acabou de completar 35 anos, mas agora em
sua maior crise. Perdeu o governo de São Paulo, tem sua menor representação no
Congresso e enfrenta debandada de prefeitos. Por que o PSDB faliu?
Essa crise não aconteceu de repente: foi preparada
por quatro anos de ausência absoluta de oposição que um partido social
democrata teria o dever de fazer a um governo que foi autoritário, reacionário
e regressivo do ponto de vista social e ambiental. O PSDB não só não fez
oposição como em muitos momentos apoiou algumas das medidas mais nefastas do
governo Bolsonaro.
Como o sr. define o PSDB hoje: é um partido de
centro ou de direita?
É um partido de direita. Está na mesma confusão entre vazio político, clientelismo e distanciamento da base social, assim como outros partidos que povoam esse campo da direita. Com um agravante: o que os líderes do PSDB falam não é ouvido. Se é que alguém fala alguma coisa.
Na eleição do ano que vem, o partido terá condições
de lançar candidato próprio à Prefeitura de São Paulo?
Não tem. Nenhuma. E, sobretudo, não tem candidato. Eu acho que o prefeito Ricardo Nunes (MDB) tem muita chance de ser reeleito.
É possível recuperar o protagonismo em 2026 com o
governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, na disputa pela Presidência?
Ele poderá vir a ser candidato, mas, em primeiro lugar,
precisa cuidar melhor do partido do qual é presidente.
Como assim?
Para meu espanto, alguns meses atrás li a notícia de que o PSDB contratou uma influencer, uma facilitadora para ouvir algumas pessoas e, a partir daí, definir o programa do partido. Ora, o PSDB é um dos poucos partidos que tem uma estrutura orgânica, eleita democraticamente. Eduardo Leite desconhece essa riqueza que o partido tem e vai atrás de alguém que pode ser muito competente como animadora de debates, mas não tem nada a ver com a nossa história. É um absurdo. Outro dia, perguntado sobre a posição do PSDB, limitou-se a dizer que era um partido de centro, uma indicação meramente topográfica. O que ele deveria fazer era começar a falar sobre questões que interessam aos brasileiros.
A quais questões o sr. se refere?
Qual é a posição do PSDB a respeito do arcabouço fiscal, por exemplo? E em relação à crise dos yanomami? O que diz o PSDB sobre o acordo Mercosul-União Europeia, sobre a guerra da Ucrânia? Você não ouve uma palavra, nada. Nós temos dois líderes formais. O do Senado (Izalci Lucas) não será mais líder porque perdemos a condição de ter líder no Senado, uma vez que só temos dois senadores hoje. É uma boa pessoa, mas foi vice-líder do governo Bolsonaro. E na Câmara nós temos o Adolfo Viana, um líder que é bom deputado, mas não tem a menor repercussão nacional. Enquanto isso, o Aécio Neves, que é o mais talentoso dos deputados do PSDB, está ali escondido nos bastidores, quando deveria ocupar o centro do palco.
Mas ele se recolheu porque foi atingido por
denúncias de corrupção e lavagem de dinheiro na Lava Jato...
Fez mal em se recolher porque está pagando tributo
ao lavajatismo, quando as denúncias todas se revelaram improcedentes. Isso quer
dizer que a síndrome do pavor do lavajatismo continua presente na bancada. O
fundo do poço está muito fundo para o PSDB.
Em 2014, o sr. era vice na chapa de Aécio, que
disputou a Presidência. O PSDB perdeu aquela eleição para Dilma Rousseff e
depois apoiou o impeachment dela. Foi um erro?
À época eu cheguei a dizer: “É melhor deixar
sangrar e ganhar a eleição”. Fui mal interpretado. Teria sido melhor, sem
dúvida nenhuma. Durante o processo do impeachment, andamos na má companhia da
extrema-direita, as águas se misturaram. Quando as águas refluíram, nas
eleições de 2018, a direita moderada, que é parte do nosso eleitorado, foi-se
embora atrás do Bolsonaro. E nós
ficamos na praia, com 4% dos votos que escolheram Alckmin (Geraldo Alckmin, hoje vice de
Lula). Se o impeachment era inevitável, em razão do colapso da
governabilidade da presidente Dilma, para o PSDB foi o início da agonia, que se
prolonga até hoje.
Qual é o impacto da inelegibilidade do
ex-presidente Jair Bolsonaro sobre o cenário político?
Bolsonaro vai continuar sendo um abcesso de fixação
do que há de mais reacionário na política brasileira. Agora, o seu afastamento do processo eleitoral poderá
dar margem ao surgimento de uma direita republicana, um partido que possa
representar o pensamento conservador, mas respeitoso da Constituição. Na
esquerda, já temos o PT, o PDT, o PSB... Temos até o que na França se chama “La
Gauche Mignone”, a esquerda bonitinha, que é o PSOL. Quem sabe reapareça no
horizonte o PFL. Era um partido conservador, mas que tinha uma formulação
programática e líderes respeitados.
Virou hoje o União Brasil, que é a fusão do DEM,
antigo PFL, com o PSD.
Dá um banho de loja no União Brasil que pode
ser (risos). Infelizmente, o PFL se fragmentou e também foi tragado
pela extrema-direita.
A fusão do PSDB com o MDB seria uma saída para
conter a crise e até ressuscitar a terceira via nas próximas eleições?
Eu acho que seria positivo. No momento em que se
promover essa junção com base programática, quem samba fica, quem não samba vai
embora. É um processo natural. Mas vamos esquecer essa denominação ‘terceira
via’ porque dá azar. Veja o que aconteceu com o nosso candidato ao governo de
São Paulo, Rodrigo Garcia. Ele se
apresentou como terceira via e depois se atirou aos pés do Bolsonaro e do
Tarcísio (governador Tarcísio de Freitas), mesmo após ter sido
rejeitado publicamente por eles.
O sr. foi o primeiro tucano a defender o apoio a
Lula e sofreu críticas por isso. Não seria natural que o PSDB participasse do
governo e não ficasse na oposição?
Seria natural se o PSDB não fizesse a leitura
errada que faz do quadro político, colocando o PT como um partido extremista,
quando não é, e não fosse o peso de lideranças lavajatistas e bolsonaristas no
nosso partido. Mas, como o PSDB agora resolveu cultuar a unidade a qualquer
preço, não toma nenhuma posição, nem para cá e nem para lá. O PSDB, hoje, não é
confiável nem para oposição. Ou seja: não é nada. Eu declarei apoio a Lula
antes mesmo de o PSDB apoiar Simone Tebet à Presidência porque tinha a clara
noção do que estava em jogo nessa eleição, que era a democracia.
Mas o sr. recebeu convite para assumir o escritório
da Apex em Bruxelas e não foi. O que houve?
A Apex, agora, está promovendo
uma redefinição do seu programa de trabalho. Quando concluir, eu voltarei a
conversar com o Jorge Viana, presidente da Apex, que foi quem me convidou.
Quero fazer coisas boas, positivas para o Brasil. Se for algo que eu julgue que
esteja apto a desempenhar, eu aceito.
Qual é a sua avaliação sobre os primeiros seis
meses do governo Lula?
Começou um pouco confuso, enfrentou uma tentativa
de golpe em 8 de janeiro, mas agora encontrou o seu caminho. Retomou programas
sociais importantes, como o Minha Casa, Minha Vida, e também a política
externa, sobretudo em matérias nas quais somos reconhecidamente valorizados,
como meio ambiente e direitos humanos. Além disso, está reconstruindo o
Ministério da Saúde, que havia sido destruído, e a área da cultura.
Mas o governo é refém do Centrão, que quer
controlar o Ministério da Saúde. Como sair dessa armadilha de distribuição de
emendas e cargos em troca de apoio?
A saída é o convencimento político: recorrer à opinião pública, propor com clareza os passos a seguir. Eu fui um dos poucos parlamentares a votar contra a obrigatoriedade de execução das emendas individuais. (A proposta) foi aprovada porque, à época, o governo Dilma era fraco. Depois, num governo mais fraco ainda, o do Bolsonaro, o Congresso prosseguiu tomando o freio entre os dentes. Agora, houve um início de reequilíbrio, com a atenuação do orçamento secreto.
O problema é que essas emendas foram desvirtuadas.
Há envio de dinheiro para parentes, sócios, laranjas, obras superfaturadas...
Sim. Virou, muitas vezes, um mensalão disfarçado,
instituído pelo próprio Congresso. Mas a maioria dos deputados não está atrás
de mensalão. Deputado quer é ser reeleito, ter uma boa imagem e, para isso, o
atendimento de suas bases é fundamental. Pode chamar isso de paroquialismo, mas
é a realidade política não só do Brasil, mas do mundo.
Quando era chanceler, o sr. definiu a Venezuela
como uma ditadura. Como vê agora os afagos do presidente Lula a Nicolás Maduro?
Eu lamento. É um grave erro político porque afasta
muita gente que tem sincero apreço à democracia e pode ficar desconfiada de que
esse apreço não seja compartilhado pelo Lula. Contraria, inclusive, os
compromissos afirmados e reafirmados por ele, na prática, nos seus governos. A
cassação da candidatura de María Corina Machado, à frente nas pesquisas
eleitorais, por um Judiciário submisso a Maduro é a prova incontestável de que
não há democracia na Venezuela.
O presidente Lula disse que o conceito de
democracia é relativo.
Não há democracia relativa. Democracia tem de ser um valor absoluto. Na Venezuela, a imprensa não é livre, as eleições não são livres, a oposição é reprimida, o Judiciário é controlado. Se isso não é ditadura, o que é? A situação se degradou depois de Hugo Chávez, inclusive. Chávez falava frequentemente com o presidente Fernando Henrique ao telefone. Chegou até a recomendar a ele o livro A Democracia na América, de Tocqueville. Lula faz bem em ter relações diplomáticas com a Venezuela. Agora, dar a Maduro um destaque especial, quando havia outros dez chefes de Estado sul-americanos aqui, foi um erro político. E foi um erro de avaliação classificar as críticas à situação política da Venezuela como “narrativa”.
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