quinta-feira, 6 de julho de 2023

Míriam Leitão - A hora da reforma sempre adiada

O Globo

Relator promete alterações no texto nesta quinta: estão previstos um fundo de bioeconomia para a Zona Franca e uma nova forma de tomada de decisão no Conselho Federativo

Os dias de intensa negociação sobre a reforma tributária criaram um ambiente de cooperação federativa depois de anos de muita polarização e conflito. Além disso, está sendo demonstrado que a reforma considerada impossível nunca esteve tão próxima. O ambiente está “cooperativo” como dizem os que estão à frente da negociação, e os bloqueios estão sendo removidos. O dia ontem passou por um encontro entre o ministro Fernando Haddad e o governador Tarcísio de Freitas. Teve negociação sobre como resolver o problema da Zona Franca de Manaus. E terminou com a leitura do texto no plenário. Hoje promete ser mais um dia de grande negociação.

O governador Renato Casagrande, do Espírito Santo, me disse logo cedo, antes das sete da manhã, que havia “ambiente político para votar a reforma” nesta quinta. O deputado Reginaldo Lopes naquele momento contou que era apenas uma questão de ajustes. O presidente da Câmara, Arthur Lira, se permitiu, ao longo da tarde, uma pequena comemoração prévia. “É uma felicidade estar presidindo a Câmara nesse momento”, disse. Mas ainda é preciso votar. As negociações continuaram pelo dia todo.

Será criado um Fundo de Bioeconomia para a Zona Franca de Manaus e iniciado um período de transição, segundo explicou Reginaldo Lopes, coordenador do Grupo de Trabalho que negociou a reforma.

— Hoje, o Amazonas tem quatro mil produtos na Zona Franca, mas apenas 20 mercadorias são feitas realmente lá e representam 85% dos empregos. A nossa proposta é criar um fundo que vai gerando emprego em outros setores e atividades e substituindo esses que são apenas montados na região. Se nada for feito, a situação atual é que os quatro mil produtos terão benefícios até 2073. Mas o próprio estado sabe que tem muitas vocações econômicas próprias. Vai acabar saindo fortalecido. Essas distorções nunca foram enfrentadas, mas agora com a reforma poderão ser.

Os problemas tributários brasileiros são imensos. Encará-los é realmente um desafio. A babel tributária de 27 legislações diferentes de ICMS tem sido um peso para qualquer projeto de desenvolvimento do país. A simplificação, ainda que imperfeita, incompleta e lenta, será uma grande vantagem.

A dúvida de São Paulo era sobre como organizar a governança do Conselho Federativo. No texto lido no plenário, o relator Aguinaldo Ribeiro deixou a composição e a governança para serem definidas apenas em lei complementar. No entanto, Ribeiro prometeu uma nova versão nesta quinta-feira. Uma das soluções para o conselho será mudar a forma de tomada de decisão. Era maioria simples e passará a ser por maioria absoluta, com a exigência de maioria em cada uma das regiões do país.

— A preocupação é que nenhuma região se sobreponha à outra, por isso terá de haver 50% de votos favoráveis em cada região do país — explicou Casagrande.

Nesse quebra-cabeça da reforma tributária, a cada momento se encaixa uma peça que foi negociada entre o Congresso, os governadores, os setores empresariais, os municípios. Essa é uma reforma diferente das outras. O ex-presidente Fernando Henrique e o presidente Lula apresentaram projetos que não foram adiante. A atual não é uma proposta originária do Executivo. Foi formulada por economistas, entre eles se destaca o atual secretário especial de reforma tributária, Bernard Appy. Foi apresentada pelo deputado Baleia Rossi através da Emenda 45. No governo Bolsonaro, foi tratada com desprezo, que chegou a apresentar um projeto com apenas a unificação de PIS e Cofins.0

Na atual administração, o assunto passou a ser tratado como uma das prioridades dentro da equipe econômica, mas avançou principalmente porque o presidente da Câmara, Arthur Lira, criou um grupo de trabalho e o relator, o deputado Aguinaldo Ribeiro, foi negociar com cada setor, cada partido e cada ente federado. A reforma não entrará em vigor no curto prazo, na verdade, começa a ser implantada no começo do próximo mandato e cumprirá um prazo até 2032. É lenta demais?

— Tem gente que acha que não precisava de todo esse tempo, mas essa reforma só vai dar certo porque alinhamos todo mundo. Alinhamos Câmara e Senado, setores produtivos, um pacto federativo. A proposta não é do governo, não é de esquerda, não é de direita, segue um modelo internacional. Se a gente der conta de aprovar isso é um sucesso — afirmou o deputado Reginaldo Lopes.

Há ainda muitos detalhes sendo discutidos, mas o fato é que a formação de consenso em torno de um sistema mais racional de cobrança de impostos sobre o consumo é um grande avanço.