O Estado de S. Paulo
Em geral, países que poupam mais têm mais recursos para financiar investimentos que levam ao crescimento do PIB
De modo geral, pesquisas indicam que o
brasileiro poupa muito pouco e que a poupança como porcentagem da renda aumenta
com o valor desta e com o nível educacional das pessoas. Resumirei a seguir
resultados de algumas pesquisas e tratarei também da gastança.
Levantamento do Banco Mundial realizado anualmente mostrou que a poupança como porcentagem do PIB em mais de cem países alcançou média de 27% em 2021, e a do Brasil ficou em 18%, caindo para 16% em 2022. Outra pesquisa, do Banco Central, em 2016, analisou não a poupança em si, mas a “capacidade financeira mensal das famílias brasileiras, isto é, se costumam ter sobra de dinheiro depois de pagar as contas e de comprar os itens básicos no mês”. A pesquisa é de 2016, mas trata-se de problema estrutural que não muda rapidamente. Ela concluiu que 45% das famílias não conseguiam gerar excedentes mensais, 37% tinham alguma sobra e apenas 18% costumavam receber mais do que gastavam regularmente, o que também é um mau resultado. E o que faziam com os excedentes, quando existiam? Reservas para imprevistos e emergências foi a razão mais citada, com 60% das respostas, enquanto 28% preferiam usar o excedente com compras supérfluas, o que demonstra a força das tentações do consumo.
O Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID) publicou em 2016 um livro cujo apropriado título traduzi como Poupar para
desenvolver-se: como a América Latina e o Caribe podem poupar mais e melhor.
Logo no seu início, ressalta a importância de uma poupança maior nessa região:
“Por que as pessoas e os países deveriam poupar? (...) o que realmente importa
é poupar para prosperar e chegar aos bons tempos. As pessoas devem poupar para
poder investir em sua própria saúde e educação, assim como na de seus filhos;
para viver vidas produtivas e plenas, e para terminar seus dias desfrutando do
conforto e da tranquilidade. As empresas devem poupar para se converterem em
firmas produtivas que empreguem mais trabalhadores em melhores postos de
trabalho, que sejam capazes de produzir bens de qualidade para os mercados
interno e internacional. Os governos devem poupar para construir pontes,
rodovias e aeroportos que sirvam de apoio a uma economia produtiva, para
proporcionar a seus cidadãos serviços de qualidade em educação, saúde, água e
saneamento e para assegurar às pessoas adultas uma aposentadoria digna e livre
de preocupações. Em poucas palavras, os países devem poupar para os bons
tempos, quando todos possam desfrutar dos benefícios do crescimento, da
prosperidade e do bem-estar”.
No detalhe, o livro mostra que, no período
1980-2014, a taxa média de poupança nacional bruta do Brasil ficou bem próxima
da média dos países da América Latina e do Caribe, de 16% do PIB; bem inferior
àquela dos países da Ásia emergente, entre 30% e 35% do PIB; e também abaixo da
de países avançados, entre 20% e 25% do PIB. Em geral, países que poupam mais
têm mais recursos para financiar investimentos que levam ao crescimento do PIB,
como ocorre no caso da Ásia emergente.
Passando à gastança, a Confederação
Nacional do Comércio analisa mensalmente o endividamento das famílias e os
últimos resultados são de abril deste ano. Mostram que o porcentual de famílias
com dívidas a vencer alcançou 78,3%. Não conheço dados internacionais, mas essa
taxa parece-me alta. Chama também a atenção a preponderância do cartão de
crédito entre os tipos de dívida, com 86,8% das famílias recorrendo a ele, mas
seria importante saber as porcentagens das famílias que pagam o cartão
integralmente no vencimento da fatura mensal e das que recorrem ao financiamento
pelo cartão, que é caríssimo. Em segundo lugar vêm os carnês (17%), que
implicitamente têm juros altos; depois, o crédito pessoal (9%), que não é
barato; e o financiamento de carros (8,2%). Famílias com dívidas em atraso são
29,1% do total, e 11,8% declararam não ter condições de pagá-las.
Dados da Serasa relativos ao mês de maio
passado são mais focados na inadimplência e revelaram 71,9 milhões (!) de
inadimplentes, com um valor médio da dívida por pessoa chegando a R$ 4.808,63,
e o valor médio de cada dívida a R$ 1.307,47, podendo-se presumir, assim, que a
inadimplência predomina entre pessoas de baixa renda.
A fragilidade da poupança, o endividamento e a inadimplência são temas que também deveriam ser objeto de políticas públicas que, sob o aspecto financeiro e por causa do populismo de governantes, são muito focadas em expandir rendimentos como o Bolsa Família, o crédito em geral e a dívida pública. Há poucos anos, a indispensável educação financeira foi incluída no ensino básico, mas ainda não se conhece o resultado. Ademais, pouco se fala em levar essa educação a adultos, que são quem toma decisões nessa área. Governantes devem buscar mais formas de fazer isso, inclusive com vídeos dirigidos à população via televisão e redes sociais, de forma a fortalecer o empenho em poupar.
*ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É
CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR
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