Correio Braziliense
É preciso uma agenda nova, voltada para a
integração às novas cadeias de valor da economia globalizada, que está se
reestruturando a partir da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China
Numa conversa recente, o ex-deputado José
Anibal (PSDB), que é economista formado na Sorbonne durante o seu exílio, me
chamou a atenção para uma passagem muito interessante de Celso Furtado na sua
obra clássica Formação Econômica do Brasil, na qual compara os Estados Unidos e
o Brasil. O economista liberal Samuel Pessôa classifica Furtado como o mais
influente pensador econômico de nossa história, embora questione um aspecto
crucial da sua teoria: subestimar o papel da microeconomia no nosso
desenvolvimento.
A propósito, as grandes companhias norte-americanas realizam muitos treinamentos de equipe, inspirados na teoria dos jogos, nos quais a cooperação e a competição são exercitadas de forma prática. Um deles, muito usado aqui no Brasil, é a formação de grupos representando duplas de países com as mesmas características, mas que se distinguem das demais em razão de caraterísticas socio-econômicas, como população, recursos financeiros, reservas de matérias-primas, produção de alimentos e capacidade bélica.
A regra do jogo é utilizar esses recursos
para acumular riquezas, por meio de trocas e/ou pela força. Isso resulta em
alianças estratégicas e acaba numa guerra generalizada, até que alguém proponha
um acordo de paz. Quando isso ocorre, os participantes dos grupos ficam sabendo
que havia um outro país com as mesmas condições e resultados completamente
diferentes, em razão da estratégia adotada e da capacidade de escolher
prioridades de cada equipe.
É sobre isso que José Aníbal falava ao
citar Celso Furtado, quando sua obra compara o Brasil e os Estados Unidos. À
época de sua independência, a população norte-americana era mais ou menos da
magnitude da do Brasil. As diferenças sociais, entretanto, eram profundas, pois
enquanto no Brasil a classe dominante era o grupo dos grandes agricultores
escravistas, nos EUA uma classe de pequenos agricultores e um grupo de grandes
comerciantes urbanos dominava o país.
“Nada é mais ilustrativo dessa diferença do
que a disparidade que existe entre os dois principais intérpretes dos ideais
das classes dominantes nos dois países: Alexander Hamilton e o visconde de
Cairu. Ambos são discípulos de Adam Smith, cujas ideias absorveram diretamente
e na mesma época na Inglaterra. Sem embargo, enquanto Hamilton se transforma em
paladino da industrialização, mal compreendida pela classe de pequenos
agricultores norte-americanos, advoga e promove uma decidida ação estatal de
caráter positivo—estímulos diretos às indústrias, e não apenas medidas passivas
de caráter protecionista —, Cairu crê supersticiosamente na mão invisível e
repete: ‘Deixai fazer, deixai passar, deixai vender'”, compara Furtado.
Dualidades
Hamilton foi uma figura extraordinária na
formação da democracia norte-americana, era um dos Federalistas e braço direito
de George Washington, seu primeiro presidente. Como primeiro-secretário do
Tesouro, Hamilton foi criador de dois bancos centrais e impostos que deram
robustez à economia americana. Pregava o livre-comércio e a industrialização.
Morreu num duelo com o vice-presidente Aaron Burr, seu adversário político, aos
49 anos.
Cairu era baiano. Formou-se em direito
canônico e filosofia pela Universidade de Coimbra, onde ingressou em 1774. De
volta à Bahia, lecionou por 20 anos, foi deputado e acumulou cargos públicos,
principalmente após a chegada da D. João VI, de quem foi um dos mentores
econômicos. Era um dos maiores propagadores do liberalismo econômico no Brasil,
tendo publicado Princípios de economia política (1804), livro no qual defendeu
o livre comércio e criticou os monopólios, porém difundiu as ideias de Adam
Smith de forma muito ortodoxa.
Na sua releitura de Furtado, José Anibal
chama a atenção para que não deixemos escapar a oportunidade que se abre para o
Brasil a partir de sua posição estratégica de grande produtor de alimentos e
minérios, que é a nossa vocação natural na economia global, mas não suficiente
para a superação do nosso atraso e das nossas desigualdades. “Nossa janela de
oportunidade é uma estratégia integrada para a agroindústria, a energia verde e
a sustentabilidade dos nossos quatro biomas, principalmente a Amazônia, não é a
retomada da velha indústria do carbono”.
O governo Lula vive muitas dualidades, uma
delas é a ancoragem nos primeiros mandatos, que já está devidamente contemplado
com os programas como o Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida e o novo PAC. O
governo cuida do presente e aponta para o futuro, é verdade, com o novo
arcabouço fiscal e a reforma tributária propostas pelo ministro da Fazenda,
Fernando Haddad. Entretanto, isso não basta. É preciso uma agenda nova, voltada
para a integração às novas cadeias de valor da economia globalizada, que está
se reestruturando a partir da guerra comercial entre os Estados Unidos e a
China.
Não devemos entrar na lógica de uma nova “guerra fria” nem ceder ao
antiamericanismo.
Nesse aspecto, é pertinente a crítica de Samuel Pessoal à obra de Celso Furtado, que tinha uma visão de que nosso desenvolvimento era essencialmente acumulação de capital e a transição do setor tradicional para o moderno da economia, com a urbanização e a industrialização. Segundo Pessoal, faltou, eficiência. Furtado não deu a devida importância à microeconomia. “O desenvolvimento não é uma questão quantitativa, mas qualitativa, associada à governança, à qualidade das instituições do país, e que a escolarização da população é o item mais importantes de todos. Falamos de capital e o capital mais importante e mais escasso no Brasil é o capital humano”, argumenta.
2 comentários:
Falar em "capital humano" não seria uma excrescência marxista?
Lendo e aprendendo.
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