domingo, 20 de agosto de 2023

Jorge Caldeira* - Putin e ambientalismo, oportunidade ao Brasil?

O Estado de S. Paulo

Agora, que o fluxo de investimentos no Fundo Amazônia está voltando, o Brasil vai lidar com o dinheiro AAA (não só o norueguês) como um parceiro sério?

Um ano e meio atrás, Vladimir Putin iniciou uma guerra. Queria um futuro grandioso para a Rússia. Fazia parte dos cálculos de ganhos com a invasão da Ucrânia uma valorização do petróleo e do gás, as principais fontes de riqueza de seu país.

Um ano e meio depois, alguns números, medindo os resultados desses cálculos de grandeza, emergem como realidade. Já se sabe que o PIB russo caiu – a medida de quanto é para lá de controversa. Um indicador mais claro pode ser o das receitas governamentais com o setor de energia: desabaram 36% entre junho de 2022 e de 2023. A projeção atual é de uma queda anualizada de US$ 70 bilhões – 4,6% do PIB nacional.

Existe também quem ganhou muito dinheiro com a guerra. Entre o início de 2022 e o final do 1.º semestre de 2023, segundo estimativas prévias do Ministério das Finanças da Noruega, o país obteve receitas extras de US$ 170 bilhões, graças aos aumentos de preço do petróleo provocados pelo conflito.

O contraste entre planos para ganhar dinheiro com petróleo e dinheiro efetivamente ganho trouxe também uma mudança radical de finalidades no uso dos recursos. Ela se deve inteiramente às leis e instituições norueguesas. A chuva de dinheiro novo nem mesmo respinga na economia interna do país.

Desde a década de 1990, as receitas de petróleo são mandadas para o Fundo Soberano Noruega. O dinheiro é aplicado com a finalidade específica de prover um futuro melhor para as futuras gerações de noruegueses. Graças à simpática ajuda de Putin, os ativos totais atingiram U$S 1,5 trilhão – três vezes o valor do PIB nacional, ou algo próximo ao PIB brasileiro. Com a graninha extra, cada bebê norueguês vem ao mundo com uma poupança de US$ 275 mil. E que poupança!

A gestão é superlativa. O Fundo tem rating AAA, superior inclusive ao dos títulos do Tesouro dos EUA. Os recursos estão espalhados por 9 mil das mais sólidas empresas do planeta (daí porque a entrada de dinheiro afete pouco a economia interna). A rentabilidade é superior à média da economia mundial.

Essa potência vem muito do forte viés ESG das aplicações, no geral mais duro que no restante do planeta. O fundo faz constante escrutínio, não apenas sobre o perfil ambiental das empresas nas quais se investe, como também da avaliação pessoal dos dirigentes dessas empresas no que se refere ao comprometimento com o meio ambiente. Já cortou investimento em algumas empresas brasileiras nas quais aplicava, por deslizes ambientais delas.

Com tal rigor, o generoso presente de Putin está se tornando investimento ambiental. No mar de recursos, o curto prazo não é exatamente uma preocupação. A pergunta essencial é sempre repetida: “Aplicamos o dinheiro de modo a dar um futuro melhor a nossos filhos?”.

Com dinheiro novo em caixa, alguns noruegueses consideraram que, apesar dos cuidados, falta ambição nas aplicações, para chegar às metas necessárias para controlar o aquecimento global. E analisam propostas para aplicar dinheiro, eventualmente com rentabilidade negativa, em financiamento de uma transição mais acelerada, em países pobres.

Aí entraria o Brasil – não exatamente pela miséria. O Brasil tem reservas de petróleo maiores que a Noruega. Também ganhou seu presentinho de Putin. No ano passado, os lucros da Petrobras foram de R$ 188 bilhões; o aumento de R$ 82 bilhões em relação a 2021 foi explicado pela empresa como derivado essencialmente da alta de preços – tal aumento é de US$ 15,5 bilhões, pelo dólar médio de 2022. O País tem também instituições sólidas e sofisticadas. A isso se soma o que realmente interessa em termos globais: uma natureza categoria AAA, única no planeta.

A junção entre capital investido com viés ambiental e esta totalidade relevante aconteceu quando noruegueses, alemães – e a própria Petrobras – se juntaram, em 2008, para colocar dinheiro no Fundo Amazônia, administrado pelo BNDES.

Natureza AAA, financiada por capitais AAA: algo que raramente ocorre no mundo. Mas, como ocorreu no Brasil, o conjunto sofreu um teste de estresse, com cálculos econômicos derivados de Trump: uma gestão insistindo no ato de chutar capital ambiental como se fosse política soberana de desenvolvimento. O chute foi certeiro. O resultado, digno de Putin: retirada dos capitais, sem desenvolvimento.

Enquanto isso, a Noruega continuou enriquecendo e sendo responsável ambientalmente. O país produz petróleo, mas vende gasolina no mercado interno a US$ 2,25 o litro – e seus habitantes são, de muito longe, os maiores usuários proporcionais de carros elétricos do planeta. Para contrastar: a Venezuela, com reservas de petróleo 40 vezes maiores, cobra US$ 0,004 por litro (562 vezes menos). Pensar nos filhos ou esbanjar e emitir carbono hoje dão resultados muito diferentes no longo prazo.

Agora, que o fluxo de investimentos no Fundo Amazônia está voltando, vale a pergunta: o Brasil vai lidar com o dinheiro AAA (não só o norueguês) como um parceiro sério, em ações sóbrias com vistas ao futuro, ou vamos pedir palpites, a Putin, Trump ou Maduro, em planos para tentar descolar uma graninha – e, ao mesmo tempo, chutar ricos metidos a ambientalistas? A guerra na Ucrânia, que começou com um cálculo sobre ganhos com petróleo e caminha com lucros para ambientalistas, pode servir nas avaliações.

*ESCRITOR, É MEMBRO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (ABL)

 

2 comentários:

Daniel disse...

Muito interessante!
Lembro bem o comprometimento de Paulo Guedes com o meio ambiente! Mas lembro especialmente o comprometimento de Jair Bolsonaro e de Ricardo Salles com o meio ambiente, com os indígenas, com a Amazônia. Os 3 COMPROMETERAM totalmente a política federal nestes assuntos!

EdsonLuiz disse...

●Bolsonaro, Lula s quase todos no Brasil agridem o meio ambiente e os indígenas.

■O Meio Ambiente e os Indígenas são violentados neste país por quase todos e por todos os lados::
▪Jair Bolsonaro estimulava garimpo e queimadas na amazônia ;
▪Lula/Dilma afogaram milhares de indígenas de diversas tribos, suas memórias, histórias e formas de vidas para a construção de hidrelétricas cujos estudos executivos já indicavam, antes de suas licitações, de que eram inviáveis pela localização e porque iriam exigir reservatórios de água gigantescos.

Estão lá, as usinas hidrelétricas de Santo Antônio, Giral e Belo Monte, como monumentos erigidos à insanidade e à barbárie.