O impacto da fala desastrada de Lula nos
juros
O Globo
Descompromisso com as metas fiscais revelado
pelo presidente dificulta a missão do Banco Central
A penúltima reunião de 2023 do Comitê de
Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) começa amanhã com o mercado
num clima de dúvida. O encontro acontece quatro dias depois de o presidente
Luiz Inácio Lula da
Silva ter declarado
que a meta fiscal de 2024 dificilmente será zero. Ao ser questionado
hoje sobre o tema, o ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, reiterou seu compromisso com a meta assumida pelo governo:
“Minha meta está estabelecida: vou buscar o equilíbrio fiscal de todas as
formas justas e necessárias para que tenhamos um país melhor”.
A declaração desastrada de Lula vai além de desautorizar publicamente quem ele próprio escolheu para cuidar da economia. Lula volta a agir como se fosse um comentarista econômico, não um ator com poder de influenciar expectativas do mercado. Com isso, só contribui para dificultar o desafio do BC. Haddad tentou aliviar o clima, e a maioria dos analistas acredita que o BC cortará os juros em meio ponto percentual (para 12,25%). Mas cresceu a dúvida sobre quando terminará o ciclo de queda iniciado em agosto.
A projeção para a taxa básica em dezembro de
2024, que já esteve em 9%, começou a subir, como mostrou o relatório Focus
divulgado hoje. As declarações de Lula provavelmente ajudarão a deteriorá-la
ainda mais. Caso a perspectiva se confirme, o BC, cujo mandato é zelar pelo
combate à inflação,
será obrigado a manter o juro mais alto. Por enquanto, o banco tem cumprido sua
missão. A previsão atual é que a inflação feche 2023 e 2024 acima do centro da
meta (3,25% e 3%), mas abaixo do teto (4,75% e 4,50%).
Lula demonstrou desconhecimento sobre a
necessidade de o governo equilibrar suas contas para mudar a trajetória
ascendente da dívida pública, de modo a contribuir para a queda dos juros.
Causa espanto a incompreensão, dada a gravidade do cenário externo. A
expectativa é que a política monetária americana continue restritiva por um bom
tempo devido à resiliência da inflação. Por isso as taxas de longo prazo
nos Estados
Unidos estão em alta. Com juros mais altos, os títulos da
dívida americana atraem mais capital externo, e o dólar se valoriza. Nos países
em que perde força, os importados encarecem e aumentam a inflação. Isso ainda
não aconteceu por aqui, mas essa é uma fonte de preocupação.
Não é a única. Com a guerra na Ucrânia, o
mercado global de energia sofreu um solavanco. Agora o conflito é no Oriente
Médio. Relatório do Banco Mundial divulgado ontem projeta, com base na
desaceleração da economia global, que o barril de petróleo deverá cair de US$
90 para US$ 81 no ano que vem. Mas, caso a guerra entre Israel e Hamas se
alastre e países exportadores cortem a produção, o documento prevê dois
cenários alarmantes. No médio, os estragos seriam semelhantes aos provocados
pela guerra no Iraque em 2003, e o valor do barril chegaria a US$ 121. No pior,
comparável ao embargo de 1973, alcançaria US$ 157.
Na ata da última reunião do Copom, o
presidente e os diretores do BC ressaltaram a necessidade de cooperação do
governo: “Tendo em conta a importância da execução das metas fiscais já
estabelecidas para a ancoragem das expectativas de inflação e, consequentemente,
para a condução da política monetária, o Comitê reforça a importância da firme
persecução dessas metas”. Ao final da reunião desta semana, precisarão ser mais
enfáticos.
Mudar legislação penal não basta para
combater tráfico e milícia
O Globo
Medida é necessária, mas problema na luta
contra organizações criminosas começa antes da cadeia
O governador do Rio de Janeiro, Cláudio
Castro, afirmou em entrevista ao GLOBO que a legislação brasileira é
leniente demais com traficantes e milicianos. Citou o exemplo de líderes
criminosos presos e condenados que, dois ou três anos depois, são soltos em
razão do regime de progressão penal. “Queremos que esse criminoso de tráfico e
de milícia,
que pega em arma, lava dinheiro e usurpa serviços concessionários públicos em
prol da milícia e do tráfico, não tenha a progressão”, afirmou Castro. “E que
ele vá direto para presídio federal.” Da forma como hoje são combatidas as
organizações criminosas, disse ele, “o crime compensa”. Castro sugere que o
Congresso mude a lei, ou até a Constituição se necessário, para equiparar os
crimes de tráfico e milícia ao terrorismo.
A ideia merece atenção dos parlamentares. É
preciso, porém, entender que uma simples mudança na lei — por mais necessária —
não terá o condão de resolver uma questão tão complexa. A infiltração das
organizações criminosas no Estado acaba por dificultar o cumprimento de
qualquer lei.
Reportagem do GLOBO mostrou como o principal
líder miliciano em atividade hoje no Rio foi preso duas vezes — e duas vezes
solto por decisão judicial. Na primeira, mesmo preso em flagrante com dinheiro,
armas e registros de contabilidade, ele contou com a boa vontade de um juiz. Na
segunda, quando já acumulava 16 anos em condenações, subornou a polícia e saiu
da cadeia sem dificuldade, revelou investigação posterior. Os policiais até
apagaram os registros da prisão do sistema da Polícia Civil. Mais recentemente,
ele foi absolvido num processo em que era acusado de constituir milícia
privada. A Justiça ainda desbloqueou recursos de uma empresa suspeita de
lavagem de dinheiro. Seu irmão também foi absolvido de várias acusações.
Em 2019, ano mais recente para o qual estão
disponíveis dados, apenas 16% das investigações de assassinatos no Rio
resultaram em denúncia no período de um ano, revelou o estudo “Onde mora a
impunidade”, do Instituto Sou da Paz. No caso específico do crime de
constituição de milícia, um levantamento do GLOBO com 82 processos judiciais
mostrou que foram absolvidos 38% dos acusados no Rio entre 2013 e 2022. Apenas
os condenados e presos é que contam com os regimes generosos de progressão
penal, apontados por Castro.
Os problemas no combate às organizações criminosas começam, portanto, bem antes da cadeia. Primeiro, na promiscuidade que mantêm com corporações policiais e outros agentes do Estado, impedindo que as investigações prossigam. Segundo, na ação leniente de juízes, que acaba por transformar mesmo condenações em vitórias dos criminosos. Castro tem razão em apontar a legislação penal permissiva como fator que favorece os bandidos — isso vale para tráfico, milícia e também para todo tipo de crime, de feminicídios a corrupção. Mas de nada adiantará uma lei mais dura se persistir a infiltração do crime na polícia, na Justiça, nas prisões e até na política.
Seca no Norte é fator adicional de
preocupação com a economia
Valor Econômico
Custa a crer a inexistência de planos
alternativos de logística, uma vez que a seca é tradicional nesta época
A seca histórica na região Norte já afeta
negativamente a vida de 15% da população do Amazonas, que está com problemas de
abastecimento de água e locomoção, e com 60 dos seus 62 municípios em estado de
emergência. Agora, entrou no radar a preocupação com o impacto da seca na
atividade econômica no fim de ano. Pelos rios são conduzidos 95% do transporte
dos insumos que abastecem as fábricas da Zona Franca de Manaus e escoados
produtos acabados para o varejo do país. Já se dá como certo que as vendas de eletrônicos
da Black Friday em novembro perderão descontos, e há o receio de que o Natal
seja afetado. Há problemas também no escoamento de produtos agrícolas de
exportação pelos portos do Arco Norte.
As indústrias da Zona Franca de Manaus cobrem
26 setores econômicos e empregam 500 mil pessoas, 12,5% da população do Estado.
O polo é responsável por toda a produção de ar-condicionado, televisores,
máquinas de lavar louça e micro-ondas do país. Boa parte dos equipamentos
eletrônicos, como celulares (30%), fones e relógios inteligentes (40%), são lá
produzidos, assim como 80% das bicicletas e quase 100% das motocicletas.
O primeiro sinal de alerta veio das
montadoras de motocicletas, que, já no início de outubro, reclamaram das
dificuldades para a chegada de insumos e escoamento da produção, e do
consequente aumento dos fretes. Depois de três anos consecutivos de produção
afetada pela pandemia, as empresas esperavam um período mais tranquilo. Tudo
parecia correr bem até setembro, quando a produção acumulada em 1,19 milhão de
unidades mostrava o melhor resultado em nove meses desde 2013. Mas a seca
histórica pode frustrar a expectativa de que o ano mantenha a recuperação. No
fim de outubro, quatro empresas que juntas representam 19,6% do mercado -
Yamaha, Kawasaki, JTZ e Triumph - anunciaram férias coletivas.
As empresas do polo geralmente programam
férias coletivas entre o Natal e os primeiros dias de janeiro, período de menor
demanda. Mas este ano será diferente. Cerca de 30 empresas informaram o
Sindicato dos Metalúrgicos no Amazonas (SindMetal- AM) que estão antecipando as
férias por conta da falta de insumos causada pela seca. Entre elas está a
Samsung, que produz em Manaus de tablets e smartphones a televisores e
aparelhos de ar-condicionado. A Philco não descarta a providência. Algumas
empresas afirmam que se preveniram, antecipando a compra de componentes em
julho. Uma delas é a Mondial. Mas restou a dificuldade de despachar a
mercadoria para os centros consumidores.
O porto de Manaus, situado onde o Rio Negro
encontra o Rio Amazonas, registrou o nível mais baixo desde que os registros
começaram a ser feitos em 1902, superando 2010, que tinha sido o menor nível
até agora. Problema maior está nas hidrovias do Rio Madeira e do Solimões, que
conectam as principais cidades da região amazônica. O Rio Amazonas abriga a
navegação de cabotagem e também foi afetado pela baixa das águas. Uma
alternativa tem sido o uso de balsas, que, no entanto, são mais lentas e
transportam 5% a 10% do volume dos navios.
Há reflexos também na produção de energia. A
redução da vazão dos rios da região Norte obrigou o desligamento de uma das
maiores hidrelétricas do país, a usina de Santo Antonio, situada no rio
Madeira, em Rondônia. Outra grande hidrelétrica no mesmo rio, Jirau, seguiu
operando para fornecer energia para o sistema Acre-Rondônia. Com isso, foi
desligado o linhão de transmissão do rio Madeira, o maior do país, com 2,4 mil
quilômetros, que conecta a produção para o Sistema Interligado Nacional (SIN),
usado para transferir energia de uma região para outra do país em caso de
necessidade. Felizmente os reservatórios do Sudeste e Centro-Oeste estão bem
abastecidos, com mais de 60% da capacidade.
O governo federal prometeu contribuir com R$
100 milhões para a dragagem do rio Amazonas, na expectativa de aumentar a
profundidade para comportar o calado dos navios que chegam ao porto com insumos
ou transportam grãos, soja e milho. O sucesso da empreitada, porém, depende
principalmente do fluxo de água. No caso dos grãos, a alternativa dos
produtores do Centro-Oeste seria voltar ao passado e retomar a antiga - e cara
- rota de escoar a safra pelos portos de Santos ou Paranaguá, que era utilizada
antes do desenvolvimento dos portos do Arco Norte.
Custa a crer a inexistência de planos alternativos de logística, uma vez que a seca é tradicional nesta época. A redução da vazão dos rios está sendo intensificada neste ano pelo El Niño e pelo aumento da temperatura do Atlântico Norte, fenômenos naturais, exacerbados pelo aquecimento do planeta, o que reforça a importância das iniciativas em favor do ambiente. O Amazonas foi um dos Estados que mais desmataram e queimaram a floresta nos últimos tempos, a ponto de a cidade de Manaus ter enfrentado dias de céu escurecido pela fumaça.
Janela que se fecha
Folha de S. Paulo
Censo revela envelhecimento do país, que
começará a perder bônus demográfico
"Noventa milhões em ação, pra frente
Brasil, no meu coração" animava o país, em 1970, a famosa canção ufanista
de Miguel Gustavo Martins, quando a seleção se consagraria campeã mundial de
futebol, pela terceira vez, no México.
Naquele ano, em meio ao chamado "milagre
econômico", o PIB cresceria 10,4%, sustentado pelo grande endividamento
externo na ditadura militar (1964-1985) e a migração acelerada do campo para as
cidades. O país era também consideravelmente mais jovem.
Dados do Censo de 2022 divulgados na semana
passada, contudo, revelam, meio século depois, um Brasil que envelhece rápido,
impondo desafios cada vez maiores para o aumento do bem estar em um contexto de
crescimento econômico persistentemente baixo.
Se, entre 1970 e 2022, a população aumentou
pouco mais de 2,2 vezes, de 90 milhões para 203,1 milhões, os
brasileiros com 65 anos ou mais saltaram 7,5 vezes, de 2,95 milhões para 22,2
milhões. Os acima de 80 anos decuplicaram, passando de 451 mil para
4,6 milhões.
Na contramão, o total de crianças e
pré-adolescentes (0 a 14 anos) despencou de 42% para 19,8%. E aqueles no miolo
da estratificação, onde concentram-se os que têm idade para trabalhar (15 a 64
anos), são agora 69,3%, ante 54,7% em 1970 —e 68,5% no Censo de 2010.
Para o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves,
professor por duas décadas na Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE,
os últimos 50 anos têm sido o "período dourado" do bônus demográfico.
Mas 2022 parece marcar o auge das condições favoráveis ao Brasil.
Tudo indica que, a partir de agora, essa
janela de oportunidade comece a se fechar, com o aumento da chamada razão de
dependência.
O termo refere-se à quantidade de menores de
14 anos e maiores de 65 que existem para cada pessoa em idade ativa, entre 15 e
64 anos. A regra serve para analisar a carga para sustentar indivíduos que não
estão trabalhando e que, portanto, dependem dos ativos.
Com a perspectiva de diminuição do total de
trabalhadores como proporção de idosos, o desafio que se coloca é aumentar a
produtividade dos que estão no mercado, para que gerem mais riqueza.
Neste quesito, infelizmente, o Brasil
apresenta resultados decepcionantes, sobretudo pelo fato de quase 40% da força
de trabalho ser informal, setor em que os empregos são bem menos produtivos.
Na raiz do problema está, mais uma vez, a
persistente crise fiscal brasileira e os juros elevados pagos pelo setor
público, que inibem investimentos produtivos e a criação de mais vagas formais. A
janela do bônus demográfico que se fecha é mais um alerta para que o problema
seja resolvido o quanto antes.
Reforma azeitada
Folha de S. Paulo
Congresso precisa ser ágil ao votar
alterações necessárias no ensino médio
Finalmente o
governo federal enviou ao Congresso o projeto de lei que altera a reforma do
ensino médio. O programa foi sancionado em 2017, com um cronograma
que previa conclusão para 2024.
A reforma foi alvo de protestos —muitos de
cunho político e corporativista— que exigiam, de modo insensato, sua revogação.
Afinal, o objetivo da mudança é válido: reduzir a evasão escolar ao aumentar a
autonomia dos alunos na escolha de um currículo mais focado em suas aptidões.
Contudo, de fato, a implementação foi
problemática. Antes de 2017, os três anos do ensino médio tinham 2.400 horas de
disciplinas obrigatórias a todos os alunos. A reforma expandiu a carga para
3.000 horas, sendo 1.800 para as tradicionais, como português e matemática, e
1.200 para os chamados itinerários formativos, com matérias de escolha dos
estudantes.
O problema é que as redes de ensino não
contam com infraestrutura (salas de aula, laboratórios, oficinas, material
didático etc.) e professores suficientes, com formação especializada, para uma
expansão ampla e de qualidade.
Ademais, desconsiderou-se a situação dos
jovens que conciliam estudos e trabalho, para os quais o aumento da carga
horária poderia levar à evasão escolar.
Por isso, o Ministério da Educação agiu com
sensatez ao interromper a implantação da reforma em abril e instituir uma
consulta pública com entidades do setor.
Segundo o projeto enviado ao Congresso, a
carga horária das disciplinas tradicionais passa de 1.800 (60%) para 2.400
(80%).
Os quatro itinerários formativos se mantêm,
mas articulam três áreas do conhecimento —como por exemplo "Linguagens,
Matemática e Ciências da Natureza"—, em vez de focar em apenas uma.
A eles, soma-se a possibilidade de oferta de
ensino técnico profissional, fundamental para inserção de jovens no mercado de
trabalho —neste caso, a carga do currículo comum diminui para 2.100 horas.
Ainda é preciso enfrentar a questão dos
jovens que trabalham. Em setembro, Camilo Santana, ministro da Educação, indicou que
criaria programa de bolsa e poupança para alunos do ensino médio,
mas ainda não foram definidos critérios, orçamento e implementação.
Agora, espera-se que o Congresso aja com celeridade na votação do projeto. Os quase 8 milhões de jovens que cursam essa etapa do ensino não podem mais esperar.
A tribulação de Haddad
O Estado de S. Paulo
O que todos queriam saber é se o ministro
ainda contava com respaldo de Lula para buscar o déficit zero em 2024. Sua
irritação ante as perguntas dos jornalistas demonstrou que não
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tinha
uma tarefa difícil de ser cumprida nesta segunda-feira: convencer o País de que
o governo ainda tem como meta zerar o déficit fiscal em 2024. Bem que ele
tentou, mas o presidente Lula da Silva tornou seu trabalho impossível.
Como reafirmar um compromisso sobre o qual já
havia muito ceticismo sem desautorizar o chefe? Havia pouquíssimas formas de
fazê-lo de maneira convincente, mas a convocação de uma entrevista, logo após
uma reunião entre Haddad e o presidente, alimentou expectativas.
Esperava-se de Haddad que dissesse que Lula
não escolheu bem as palavras ou foi mal interpretado. Não seria o primeiro nem
o único ministro da área econômica a fazê-lo. O que se viu, porém, foi bastante
constrangedor. Depois de um fim de semana de silêncio, Haddad ainda achava que
poderia tergiversar.
Primeiro, chegou ao Ministério acompanhado
dos economistas Paulo Picchetti e Rodrigo Alves Teixeira, nomes indicados para
a diretoria do Banco Central (BC). Numa segunda-feira normal, este seria um
tema de muito interesse da imprensa. Não era o caso.
Depois de apresentá-los, o ministro passou a
meia hora seguinte a repetir a importância de medidas para recuperar a
arrecadação e a lamentar decisões do Congresso, do Judiciário e de governos
anteriores que contribuíram para erodir a base fiscal. Sem corrigi-las, não
seria possível elevar as receitas – e este, segundo Haddad, teria sido o
contexto no qual Lula se baseou para reduzir a importância do déficit zero.
Claro que não colou. Incisivamente
questionado pelos jornalistas sobre a meta fiscal do ano que vem, o ministro
passou a responder às perguntas com ironia e irritação. Por fim, referiu-se à
meta de déficit zero como “minha meta” e encerrou a entrevista no momento em
que foi instado a explicar claramente o que queria dizer com isso. Não
respondida, a dúvida era pertinente: afinal, a meta fiscal de Haddad é a meta
fiscal de Lula?
O ministro pode ter a meta que quiser, desde
que esteja combinado com seu chefe. Do contrário, não será uma meta crível.
Desde sempre, todos sabiam, inclusive dentro do governo, que a meta de déficit
zero era utópica, e nunca ficou claro como Haddad pretendia reverter o rombo
das contas públicas em tão pouco tempo sem anunciar medidas estruturais para
aumentar impostos ou reduzir os gastos públicos.
Que a base fiscal do governo tem sido
corroída nos últimos anos não é segredo para ninguém. A maior evidência disso é
que as receitas não têm acompanhado o crescimento do Produto Interno Bruto
(PIB). O superávit pontual atingido em 2022 não teria sido alcançado se não
fosse a disparada das cotações do petróleo.
As despesas, por outro lado, têm subido de
forma constante nos últimos anos e tiveram um impulso extra, muito além do
necessário para recompor o Orçamento destroçado pelo então presidente Jair
Bolsonaro, na emenda constitucional da transição – e isso no primeiro ano de
mandato de Lula, período preferencial para os governantes adotarem medidas mais
austeras.
Atingir o déficit zero era impossível. O que
todos queriam saber é se Haddad ainda contava com o respaldo político do
presidente para perseguir ativamente a meta e defendê-la. Sua irritação
demonstrou que não.
O incômodo do ministro é compreensível, mas
ele terá de começar a se acostumar. As enfáticas perguntas dos repórteres, que
Haddad não gostou, voltarão a ser feitas pelo setor produtivo, pelos
investidores e pelos parlamentares.
Durante a entrevista, o dólar voltou a se
valorizar ante o real, a despeito da onda de enfraquecimento da moeda
norteamericana no exterior; o Ibovespa caiu, descolado da alta registrada nos
mercados internacionais; e os juros futuros continuaram a subir, embora seja
esperado que o Banco Central anuncie uma nova redução dos juros amanhã. Não foi
um movimento meramente especulativo, mas demérito do desacreditado Haddad.
Não é improvável que deputados e senadores,
ao discutirem a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, se sintam à
vontade para propor a alteração da meta à revelia do ministro. Mas, se hoje
Haddad sangra em praça pública, a culpa não é das perguntas incisivas da
imprensa. É da sinceridade irresponsável do presidente da República.
Paridade de gênero é questão republicana
O Estado de S. Paulo
Tão mais justo será o País quanto menor for o
abismo entre a demografia, onde as mulheres são a maioria da população, e a
política, em que se perpetua a sub-representação feminina
Novos dados do Censo 2022, divulgados pelo
IBGE no dia 27 passado, revelam que o Brasil é um país cada vez mais feminino.
No ano passado, 51,5% da população era de mulheres, ante 48,5% de homens. São
números que, como há muito se sabe, não apontam para uma nova realidade, mas
que confirmam uma tendência demográfica que só tem se consolidado no tempo.
Também não é novidade, eis o ponto a
lamentar, que, malgrado avanços sociais conquistados nos últimos anos no que
concerne à paridade de gênero, a representação feminina na política brasileira
ainda é muito desigual. O Congresso, para citar apenas o exemplo mais eloquente
desse descompasso, ainda é dominado por homens e, talvez por isso, ainda se
move orientado por visões de mundo e percepções da vida em sociedade
marcadamente masculinas.
Essa separação entre duas realidades muito
nítidas, a política e a demográfica, não dá conta de encaminhar a miríade de
interesses em jogo em uma sociedade diversa e complexa como a brasileira. Tão
mais justo será o País quanto menor for o abismo entre a demografia, onde as
mulheres são a maioria da população, e a política, em que se perpetua a
sub-representação feminina. É nessa direção que a sociedade deve caminhar caso
almeje a construção de um Brasil mais inclusivo no futuro.
A pavimentação desse caminho auspicioso não
será feita apenas pela força da lei, como a das cotas eleitorais, que obriga
cada partido ou coligação a preencher o mínimo de 30% e o máximo de 70% para
candidaturas de cada sexo nas eleições para Câmara dos Deputados, Assembleias
Legislativas e Câmaras Municipais. As cotas agem como uma espécie de motor de
partida para transformações que, ao fim e ao cabo, hão de vir da própria
sociedade.
Alinhadas à formação de novas lideranças, uma
das principais missões dos partidos, as cotas para candidaturas de gênero,
desde que preenchidas com espírito público e respeito à lei, tendem a aumentar
a presença feminina no Congresso e, desse modo, fortalecer a agenda de
interesses das mulheres no Poder Legislativo – o que acaba estimulando um
círculo virtuoso em toda a sociedade. Hoje, lamentavelmente, vê-se o contrário:
com menos mulheres do que homens no Congresso, há menos espaço para a discussão
e promoção de seus direitos.
A sociedade civil está repleta de exemplos de
boas ações de promoção da paridade de gênero em múltiplas frentes da vida
cotidiana. É dever dos partidos, como representantes que são dos diferentes
interesses, valores e ideologias dos cidadãos, participar desse esforço
coletivo e estimular essas lideranças femininas a ingressar na vida
político-partidária, começando por suas próprias estruturas administrativas.
Há alguns dias, o presidente Lula, a
propósito da substituição de Rita Serrano na presidência da Caixa por um homem,
queixou-se de que “os partidos não têm mulheres para indicar” ao governo. Ora,
é claro que têm. A questão de fundo é que essas mulheres não são estimuladas a
participar mais ativamente da vida partidária, quando não são impedidas de
alçar voos mais arrojados, até chegarem às esferas decisórias. Dos 23 partidos
representados no Congresso, contam-se em poucos dedos os que são liderados por mulheres.
A sub-representação feminina em cargos
políticos é um problema que vai além da desigualdade de gênero. Estáse tratando
de severas consequências para a formulação de políticas públicas e para uma
representatividade política mais equânime da população. Quando as mulheres não
estão adequadamente representadas, consequentemente, suas preocupações e
necessidades tendem a ser negligenciadas. E isso não raro resulta em políticas
públicas que não abordam questões cruciais, como igualdade salarial, violência
de gênero e acesso à saúde reprodutiva, entre outras.
Por fim, mas não menos importante, o caminho
para a superação de uma mazela tão secular quanto vexatória passa ainda pela
promoção, desde as escolas, da educação sobre igualdade de gênero e a
conscientização sobre a importância da representação das mulheres em múltiplas
esferas da vida nacional.
Israel e seus dilemas
O Estado de S. Paulo
Incursão gradual em Gaza mostra que Israel escolheu a cautela, mas falta estratégia política
A incursão israelense em Gaza inaugurou a
“segunda fase” da guerra. O fato de que ela não só foi retardada, mas não foi
“total”, traz alguma clareza sobre a escolha estratégica de Israel, mais
cautelosa e gradual. Ainda assim, essa estratégia enfrentará sérios dilemas e
desafios.
Publicamente, o objetivo permanece: obliterar
a capacidade de agressão do Hamas, eliminar seus líderes e defenestrá-lo do
governo de Gaza.
O primeiro desafio é tático. A guerra urbana
é um pesadelo. Em Gaza será o pior deles. Os escombros favorecem o Hamas, que
construiu uma vasta rede de túneis. A estratégia parece ser um cerco sufocante
para expelir deles as milícias do Hamas.
Tudo se complica pelo fato de que o Hamas não
é um inimigo convencional, mas um regime totalitário e terrorista fechado a
negociações, que quer a dizimação do Estado judeu e utiliza hospitais como
bases militares e o sacrifício de palestinos como tática. Para piorar, o Hamas
mantém mais de 200 reféns.
Minimizar a morte de palestinos é uma
necessidade humanitária e estratégica. As imagens de destruição em Gaza estão
erodindo a legitimidade das operações de Israel e provocando ultraje entre as
populações árabes. Mas Israel precisa manter abertas as portas para a
normalização com regimes sunitas.
E há o risco de uma conflagração regional. As
trocas de fogo entre milícias “por procuração” do Irã, especialmente o
Hezbollah no Líbano, com Israel e com bases militares americanas na Síria e
Iraque, têm sido contínuas, mas contidas. Um ataque aberto do Hezbollah poderia
obrigar Israel a invadir o Líbano, eventualmente tragando para o conflito
tropas americanas. Se o Irã retaliar, por exemplo, fechando o Estreito de
Ormuz, por onde passam cerca de 30% do petróleo e do gás globais, o impacto
sobre a economia mundial seria devastador. Os EUA e países do golfo árabe se
veriam obrigados a uma operação de desbloqueio, mas o Irã poderia reagir
insuflando milícias por todo o Oriente Médio. Todos perderiam e não é racional
para o Irã conduzir a essa escalada. Mas o país segue alertando contra “linhas
vermelhas” e, se o conflito em Gaza se tornar ainda mais sangrento, a
racionalidade pode ir pelos ares.
As incursões graduais de Israel sinalizam que
ele tenta manejar esses riscos, substituindo a aniquilação imediata do Hamas
por uma estratégia híbrida: ferir o Hamas de morte, mas deixar que sangre até a
impotência.
Um desafio final, porém, resta obscuro: o que
fazer depois? Uma opção viável seria concertar, com a alavancagem dos EUA, uma
coalizão de países árabes para restabelecer um governo civil em Gaza. Mas eles
estão hesitantes e a operação passaria necessariamente pela participação da
Autoridade Palestina, a adversária do Hamas que governa a Cisjordânia.
O problema é que a Autoridade Palestina é corrupta, esclerosada e desacreditada e não há sinal de que o governo de Benjamin Netanyahu esteja revendo suas políticas de ocupação e atrito na Cisjordânia, que contribuíram largamente para essa corrupção, esclerose e descrédito.
Mais rigor contra o feminicídio
Correio Braziliense
Na capital federal, ocorreu aumento de 70,6%
(29 casos) em 10 meses, na comparação com todo o ano passado (17 mortes). Em
Minas Gerais, foram 20 crimes até agora, contra 19 em 2022 (alta de 5,3%)
No primeiro semestre deste ano, ocorreram
1.153 feminicídios no Brasil, 72% a mais do que em igual período do ano passado
(669). Na capital federal, ocorreu aumento de 70,6% (29 casos) em 10 meses, na
comparação com todo o ano passado (17 mortes). Em Minas Gerais, foram 20 crimes
até agora, contra 19 em 2022 (alta de 5,3%). O clima de insegurança que afeta a
sociedade brasileira torna-se mais denso em torno das mulheres, em boa parte,
depreciadas, coisificadas ou ignoradas. As políticas públicas, de um modo
geral, e, em especial, as de segurança pública não têm conseguido domar a fúria
masculina contra a companheira ou ex-parceira.
A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006)
estabeleceu as punições para a violência doméstica. Em seguida, foi
complementada pela Lei do Feminicídio (13.104/2015), que tornou esse crime
homicídio qualificado e o inseriu na lista de crimes hediondos, com penas mais
altas, de 12 a 30 anos de privação de liberdade. Neste ano, o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 14.550/2023, que modificou a Lei Maria
da Penha, acrescentando a determinação de que às medidas protetivas de urgência
sejam concedidas de maneira sumária, ou seja, no momento em que a vítima fizer
denúncia perante a autoridade policial.
Não faltam leis nem decisões judiciais. Ainda
assim, as mulheres são vítimas da violência incontida dos homens. Para a
primeira brasiliense a assumir uma cadeira de ministra do Superior Tribunal de
Justiça, Daniela Teixeira, os níveis de feminicídios envergonham o Brasil. “É
algo que precisa de uma solução de todos: Executivo, Legislativo, Judiciário,
escola, imprensa”, afirmou a ministra em entrevista ao Correio Braziliense.
Quando a mulher chega ao ponto de recorrer à
Justiça em busca de medida protetiva, ela revela não suportar mais a carga das
crescentes etapas da violência doméstica. O conflito começou com discussões e,
a partir daí, descambou para as agressões psicológica, moral, patrimonial e
física (tapas, pontapés, estupro). Na realidade, a vítima antevê que a próxima
briga não ficará restrita a xingamentos e surra, mas, provavelmente, poderá ser
a última, com a sua morte, por arma branca, de fogo ou estrangulamento.
Esse desfecho comum não pode ser aceito nem
banalizado. Pelo contrário, o final infeliz pode e deve ser evitado, como
afirmou a ministra, desde que a polícia aja com seriedade e o juiz aplique com
rigor a lei. À mulher, deve ser dado um “botão do pânico”, para que tenha meios
de alertar a polícia quando o agressor desrespeitar a medida protetiva.
Nas delegacias, devem existir painéis que
permitam fiscalizar os homens a distância, assim como há para o controle remoto
do trânsito de veículos. Qualquer passo rumo à residência ou ao trabalho da
mulher, deverá ser motivo suficiente para contê-lo, evitando mais uma morte por
gênero, dando cumprimento à medida protetiva. Condenar o agressor à pena
máxima, após o assassinato da companheira ou da ex-parceira, é medida de pouco
efeito, pois mais uma vida foi perdida, crianças e adolescentes ficaram órfãos
de mãe e marcados pela vergonha e pelos traumas provocados por um pai
prisioneiro.
Aumentar o rigor das leis e das punições é
decisão insuficiente. O machismo, força propulsora do comportamento inadequado
dos homens, exige uma reeducação deles para a vida em família e em sociedade.
Hoje, tanto no Distrito Federal quanto em vários estados, há projetos exitosos
nesse sentido. Os agressores de mulheres são obrigados a passar por esse
processo, a fim de compreender que a superioridade masculina é uma farsa,
criada a fim de subjugar, depreciar a mulher e torná-la submissa aos interesses
do sexo oposto. É preciso romper essa falsa compreensão, que sustenta um ciclo
nefasto e custa muitas vidas.
Impõe-se imprescindível educar dentro da cultura de equidade de gênero. Exemplos devem partir do Estado, garantindo à mulher espaço nas instâncias de poder, para que a paridade de gênero deixe de ser um anseio e se torne uma realidade no Estado Democrático de Direito.
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