O Globo
Lula decretou a inviabilidade da meta fiscal.
Decretada também a inviabilidade do arcabouço fiscal. Sem surpresas.
O presidente foi até comedido ao decretar a
inviabilidade da meta fiscal:
— O que eu quero dizer é que nós dificilmente
chegaremos à meta zero.
Dificilmente não será robusto o rombo.
Decretada também a inviabilidade do arcabouço fiscal. Nenhuma novidade.
Formulação para voo curto; como próprio a uma conta que não fecha. Nunca
fecharia, se impossível a materialização da sanha arrecadatória. Incompreensível
a surpresa. Boa parte da perplexidade com a franqueza de Lula derivada de
desinformação sobre o projeto político eleito em 2022.
A democracia venceu e não é barata, conforme explicita o ritmo do Lirão-Express no Parlamento. Pagou, levou. Entregou, votou. Base em construção permanente. Base que, por movediça, estabilidade não oferece. Base que base não é. Que ganhou a Caixa e seu alcance. Em troca de votar medidas arrecadatórias. E que quer o banco — o Planalto prometeu — com porteira fechada; com a vice-presidência que cuida do Minha Casa, Minha Vida. Minha Caixa, Minha Lira, segundo o urbanista Washington Fajardo.
O Congresso a aprovar projetos
multiplicadores de receitas, em troca de os oportunistas — quem dera houvesse
um Centrão — ampliarem a superfície do Estado em que operam. A conta não tem
como fechar. Lula desentendido sobre quem sejam os gananciosos. E logo será a
Funasa; não sem que novas chantagens paralisem um pouco mais o país. E sem que
se tenha aprendido com o passado; ou não terá sido numa vice-presidência da
Caixa que Geddel Vieira Lima, sob Dilma Rousseff, alcançou seu brilho
derradeiro? Apenas um exemplo. Agora é Lira. No Incra. Na Codevasf. Na CBTU. No
Dnocs. E em expansão. O governo entrega. O imperador da Câmara distribui. Haja
arrecadação.
Agora é Lula. De novo. Nada novo. O governo
precisa arrecadar e precisa, desesperadamente, do Congresso, com cujos donos —
os que aprovaram o arcabouço fiscal — compartilha progressivamente as rédeas
dos gastos. A conta não fecha.
“Ah! Mas o arcabouço fiscal traz sinalização
importante.” Trazia. Trouxe. Acabou. Sinalização — para controlar ansiedades —
aterrada pela sinalização urgente de Lula: haverá eleições municipais em 2024,
a nova jornada de Aceleração do Crescimento foi anunciada, e ele não vai
“começar o ano fazendo corte de bilhões nas obras que são prioritárias neste
país”.
A palavra do presidente resulta. Ele falou —
o momento importa — e fez se impor o mundo real; o Congresso ainda a negociar,
chama-se Lei de Diretrizes Orçamentárias, quão frouxas serão as cordas para o
bloco do Orçamento se exceder na avenida. Tchau, arcabouço fiscal.
Tratamos, mais uma vez, de expectativas. De
expectativas equivocadas. Frustradas, pois. Lula ganhou a eleição sem falar em
rigor fiscal. Nem sequer em equilíbrio fiscal falava. Sua campanha,
transparentemente, foi tocada sob o estandarte da vigorosa retomada de
investimentos. Um programa desenvolvimentista, posto na rua com a largura da
PEC da Transição.
(E então já se escuta o “Faz o L,
Andreazza!”. Jair Bolsonaro e o bolsonarismo não têm autoridade moral para
carteirada de austeridade fiscal. Praticaram estelionato eleitoral, sobre a
conversinha liberal erguendo a tunga oportunista que, pela reeleição,
produziria as PECs dos Precatórios e Kamikaze. Foi Bolsonaro quem arrombou a
porteira, pelado de todo o teto de gastos.)
Não gosto de armar oposições simplistas —
ademais, no caso, farsante — como a que se estimula entre Rui Costa (o gestor
do PAC) e Fernando Haddad (zelador da, perdão pelo oximoro, austeridade fiscal
petista). A fulanização, porém, serve a um esclarecimento: fossem mesmo essas
as partes e esses os papéis, entre os ministros da Casa Civil e da Fazenda,
seria o primeiro aquele a encarnar o discurso vitorioso nas urnas. Farsante a
oposição porque imprecisa para com Costa — cavalo do homem, a somente encarnar
a palavra de Lula. Haddad sendo o que destoa e talvez sobre. Em público.
Impossível uma oposição entre presidente e ministro. Quem fica: aceita a regra
e joga o jogo. Desnecessário lembrar que meta fiscal de ministro — “minha meta
está estabelecida” — é tão relevante quanto meta fiscal de cronista.
Lula decretou a inviabilidade da meta fiscal.
Não mentiu ao dizer que não mediria esforços para cumpri-la.
— Tudo o que a gente puder fazer para cumprir
a meta fiscal a gente vai cumprir.
Sob a lógica operacional de arcabouço fiscal
que voa como galinha, o governo faz mesmo tudo quanto possível para cumprir a
meta. O instrumento é arrecadar muito mais. Como não corta gastos, crescentes,
sempre, as despesas, o Planalto se orienta para aumentar as receitas. É o que
pode — sabe — fazer. Justiça seja feita, não há no Parlamento outro projeto
governista que não conjunto decidido em busca de levantar os dinheiros.
Se não for suficiente, paciência.
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