Folha de S. Paulo
Chance de juros americanos maiores por mais
tempo afeta economia no Brasil
Infelizmente, estamos passando por um El Niño
financeiro. O aquecimento das taxas de juros nos
EUA provoca tempestades nas condições financeiras do Brasil e do mundo quase
inteiro.
O termômetro mais "pop" dessa
alteração climática é o dólar, que nesta
terça-feira (3) bateu
em R$ 5,15 (em 27 de julho, baixara a R$ 4,72). Se a leitora é
perspicaz e tem a boa sorte de ter algum dinheiro guardado, poderá ver o
problema no valor dos seus títulos do Tesouro Direto ou mesmo em um fundo de
renda fixa ("de banco") que tira o grosso de seus rendimentos de
empréstimos ao governo.
As taxas de juros sobem por aqui desde o início de agosto. Aquelas de prazo superior a dois anos estão em nível maior que o de início de junho (um outro jeito de dizer que o valor dos títulos caiu). A taxa de três anos, por exemplo, está em 11,21%; em 3 de agosto, estava em 10,03%. Dureza.
Trata-se das taxas que definem o custo de
financiamento (empréstimos) do governo deficitário e uma espécie de piso para
as demais taxas da economia. Do seu crédito inclusive.
De passagem: o Banco Central baixou
a meta da Selic em
2 de agosto. Todas as taxas de juros com prazo maior do que um ano estão
maiores do que em 3 de agosto. A direção do PT vai agora escrever tuítes
revoltados contra Wall Street? Com o mercado
de trabalho americano ainda aquecido, o que tem ajudado as chutar para
cima as taxas americanas? Vai processar aquele touro cafona de Nova York?
A taxa de juros dos títulos de 10 anos do
governo americano bateu nesta terça-feira em 4,8% ao ano, a maior desde 2007. O
de dois anos, em 5,15%. A tese de "juros mais altos por mais tempo"
está pegando outra vez, e pesado.
Um título americano ("bill") de 6
meses está pagando em torno de 5,5% ao ano. Dada a incerteza sobre o que será
da economia (recessãozinha?
Nada disso?) e dos juros do BC dos EUA, o Fed, deixar o dinheiro paradinho
em títulos de 6 meses é um bom negócio (em um mundo de juros menos aberrantes
do que os do Brasil). Assim, as Bolsas caem, lá e cá (aqui, para um nível de
fato deprimido).
Quanto menor a diferença de taxas de juros de
Brasil e EUA, menos atrativo fica manter dinheiros em reais, tudo mais
constante. Os juros sobem aqui, no atacadão do mercado de dinheiro. O dólar
também. Para piorar, como de costume, a moeda brasileira é uma das que mais
perdeu valor (ante o dólar) desde julho, entre 36 acompanhadas diariamente pelo
FMI.
Dólar mais caro é pressão na inflação. No
preço de petróleo, de combustível, talvez de alimentos cotados
internacionalmente —o petróleo sobe por causa do conluio de sauditas com
russos, amigos do Brasil no Brics "plus". Até o presidente da
Petrobras passou a dizer que há problema, pois o preço do barril subiu, o dólar
subiu e até o diesel russo vendido na xepa subiu. Quer dizer, pode ter aumento
do diesel, ao menos.
É uma catástrofe? Não, não é, longe disso,
pelo menos até agora. No entanto, é difícil lidar com mais um solavanco, em uma
economia que esfria, de leve. Somos convalescentes de doenças e temos outras
crônicas (dificuldade de conter a dívida pública etc.). A inflação estava alta
até outro dia, as taxas de juros ainda estão horrivelmente altas. Com
expectativa de inflação maior ou estável em nível desconfortável, os juros
ficarão mais altos por mais tempo aqui também.
Esse sururu pode passar em duas semanas (mas
está durando uns dois meses, já). Ou não. No curto prazo, não há nada que
governo ou Banco Central do Brasil possam fazer. Fica apenas o enésimo alerta
de que é bom consertar o telhado e as calhas antes de começar a estação de
chuvas ou o El Niño financeiro.
Um comentário:
Vinicius Torres Freire.
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