terça-feira, 28 de novembro de 2023

Carlos Andreazza - Um Xandão para chamar de seu

O Globo

Flávio Dino no Supremo é Lula agindo por um Alexandre de Moraes para chamar de seu. Sabe que esse gênio não voltará mais à lâmpada e que os ímpetos e inquéritos autoritários — pela democracia — que ora agradam poderão desagradar.

Sabe que a força togada proativa que topou brigar na rua contra o bolsonarismo é tão estável-confiável quanto a crença em que seja possível defender a República num vale-tudo.

Sabe, sobretudo, que o gênio que não voltará mais à lâmpada é o dos precedentes. As liberdades excêntricas autorizadas a Moraes — em nome da virtude — ficarão; para que outros, por virtudes outras, lancem mão. Os nunes-marques-mendonças. Então: Dino. Já não bastará um Lewandowski. Doravante: Lewan na agenda, Xandão na atitude. Dino.

Dino no Supremo é Lula investindo nos vícios do tribunal. Que identifica. Que escolheu alimentar. Talvez o presidente, por meio de uma espécie de líder do governo na Corte constitucional, projete — deseje — a diluição do poder xandônico. Multiplicá-lo-á.

Não serão banais as consequências da opção por um agente político com o perfil — para o confronto, também para o microfone — do ministro da Justiça. Da reunião com os (como definir?) líderes do tribunal na semana passada, algo que se trata por natural, difundiu-se que a confirmação de Dino — apregoado (normal) como o preferido de Moraes e Gilmar Mendes — seria gesto do presidente pela pacificação das relações do Planalto com o Supremo; depois de haver o líder do governo no Senado votado pela emenda à Constituição que veta decisões individuais de ministros em ações para suspender o efeito de leis e atos assinados pelos chefes do Executivo e do Legislativo.

Pacificação? Sim. Para fins brasilienses: sim. Lula preferindo compor pela acomodação com um Poder que se perverteu em interferente. Ao mesmo tempo apontando para aguçar um comportamento expansivo que consiste na negação da natureza — comedida e colegiada, donde impessoal — de uma Corte guardiã da Carta.

Ou é Dino ou é pacificação. Para a saúde dos pesos da República, a coisa pública aqui entendida como o que concerne às gentes que apertam o botão e esperam o elevador: ou é Dino ou é pacificação.

Nem toda a pauta raptada pelo bolsonarismo será bolsonarista; sob o risco, para além de inflar o fenômeno, de lhe dar campo no terreno da razão. Ministros do STF, desde muito antes da existência competitiva de Bolsonaro, excedem-se — e têm se excedido cada vez mais. Há uma febre de arreganhos monocráticos. Interditar esse debate — sob o argumento de que, “se criticar o Supremo, o capeta voltará” — é forma opressora de proteger concentração anômala de poder.

Ministros do Supremo, por meio de atividade monocrática desmedida, minam a fortaleza plenária do tribunal — o que lhe dá a balança — e transtornam os fundamentos da Corte. E os senadores da República, dando vazão a revanchismo ou sob genuína preocupação com os efeitos da sanha expansionista do STF, legislam para aterrar uma ferramenta que pode ser — é — útil.

Tudo errado. A PEC é ruim. O Supremo monocrático é ruim. A discussão é necessária.

O problema estará no instrumento — no recurso à decisão individual — ou na maneira como os dinos de hoje o usam?

Evitar-se-ia um bocado de problemas se algum bom senso houvesse. A própria reação dos ministros — à aprovação da PEC pelo Senado — como expressão do desequilíbrio. Plantando aqui e acolá — escorados na muleta do que produziram contra o 8 de Janeiro — que o voto de Jaques Wagner e a pouca dedicação do Planalto em derrubar o projeto seriam uma “traição rasteira”.

Relação entre Poderes — um dos quais o Judiciário — em que seja possível haver traição será vínculo doente. Só trai e é traído quem tem parceria, quem tem acordo-pacto.

Para repactuar a deturpação, para a retomada do contrato pela democracia segundo convescote de Brasília, vem Dino. Para personificar — aprofundar — a crise de legitimidade do Supremo no mundo real, em detrimento do urgente choque de colegialidade: vem Dino. Pelo bem do povo. Enquanto o povo lhes questiona quantos votos tiveram para suspender individualmente a indicação de um ministro etc. pelo presidente da República.

— Não se sacrificam instituições no altar das conveniências políticas.

Está certo o ministro Barroso, provocando — tão provocador o STF — o cronista a perguntar se ato externo algum sacrificaria mais o tribunal do que Dias Toffoli queimando as provas da Odebrecht, inclusive a porção em que é citado: “o amigo do amigo do meu pai”.

— Esta Casa não é composta por covardes nem por medrosos. Este Supremo Tribunal Federal não admite intimidações.

Está certo o ministro Gilmar Mendes — poderia ser proclame de Arthur Lira, sobre a Câmara. Estranho seria se alguém ali tivesse medo. Medo tem quem anda nas ruas e vende o almoço para poder jantar.

 

Um comentário:

Daniel disse...

Muito bom!