Estatais continuam a drenar recursos de áreas essenciais
O Globo
Neste ano, Tesouro deverá cobrir rombo de R$
4,5 bilhões em empresas que deveriam se sustentar
Pela primeira vez em oito anos, o Tesouro
Nacional deverá cobrir um rombo nas estatais federais estimado em R$ 4,5
bilhões no último relatório bimestral de receitas e despesas. Embora tenha
havido melhora na estimativa (a anterior era de R$ 5,6 bilhões), ela continua
pior que a previsão orçamentária — R$ 3 bilhões — e se refere apenas ao
conjunto de 22 empresas consideradas não dependentes do Tesouro no Orçamento.
Em princípio, essas empresas não deveriam demandar dinheiro nenhum do
contribuinte para funcionar.
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva encerra seu primeiro ano com prejuízos na maioria. As perdas serão, prevê o relatório, de R$ 3,7 bilhões na Emgepron (de projetos navais), R$ 1,4 bilhão na Eletronuclear, R$ 274 milhões nos Correios e R$ 2,2 milhões na Ceagesp (as duas últimas saíram dos planos de privatização). Na NAV Brasil, cisão da Infraero para fornecer serviços de tráfego aéreo que a Aeronáutica já provê, somarão R$ 132 milhões. Na Hemobrás, empresa de hemoderivados que estaria melhor em mãos privadas, R$ 23 milhões.
O Ministério do Planejamento registra hoje
124 empresas estatais, 44 de controle direto e 80 subsidiárias. Considera
apenas 17 dependentes do Tesouro. Há entre elas empresas que sem dúvida têm
contribuição notável, como a Embrapa. Mas a maioria é formada por corporações
cronicamente deficitárias, como a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São
Francisco e do Parnaíba (Codevasf). Conhecida como “paraíso do orçamento
secreto”, ela tem R$ 1,3 bilhão de patrimônio líquido negativo, depende do
Tesouro para prover 87% de seus recursos e deu prejuízo de R$ 1,3 bilhão em
2022.
Outra presença inexplicável entre as estatais
dependentes do Tesouro é a Companhia Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada
(Ceitec), criada por Lula em 2008 para produzir semicondutores, mercado em que
não havia e não há espaço para o Brasil. Lula retirou por decreto a Ceitec de
um acertado processo de liquidação e a pendurou de volta nos cofres públicos,
aos quais já custou R$ 800 milhões.
Se já não faz sentido haver tantas estatais
dependentes do Tesouro, o prejuízo previsto para aquelas que não deveriam
depender expõe a dificuldade de justificar a suspensão de privatizações que
estavam em fase avançada.
O Ministério da Gestão atribui a piora na
situação deste ano a uma distorção contábil. “Entre 2018 e 2021 houve um aporte
de cerca de R$ 20 bilhões do governo federal, que entrou no caixa das estatais,
o que explica o resultado superavitário no período anterior”, informou em nota.
E afirmou que o prejuízo maior que será registrado em 2023 se deve à omissão na
previsão orçamentária do conjunto de empresas restantes da privatização da
Eletrobras.
Mas tudo isso apenas reforça o que já se sabe
faz tempo: estatais continuam a ser um sorvedouro de dinheiro público sem que
necessariamente resultem em contribuição para a economia. Mesmo que hoje não
deteriorem mais o endividamento público como faziam no passado, continuam a
drenar atenção, recursos e a desviar o Estado de suas missões prioritárias. O
dinheiro que financiará as estatais deficitárias poderia ajudar a reduzir a
dívida pública, contribuindo para a queda dos juros e estimulando a economia.
Ou então poderia ser investido em áreas críticas a que faltam recursos, como
saúde, educação, habitação ou segurança.
Descaso de governos torna frustrante avanço
do ensino técnico no Brasil
O Globo
País alcançou apenas 43% das metas traçadas
pelo governo para a década entre 2014 e 2024
A desatenção de sucessivos governos com o
ensino técnico tem deixado o Brasil longe das metas traçadas pelo Plano
Nacional de Educação (PNE)
para o período 2014-2024. Em 2022, faltando dois anos para o fim do ciclo, o
país não alcançara nem metade do objetivo, revelou levantamento do Itaú
Educação e Trabalho (IET). O plano era chegar a 2024 com 4,8 milhões de
matrículas, 2,5 milhões delas em escolas públicas. Pelos últimos dados, no ano
passado o país somava apenas 2 milhões (1,2 milhão em escolas municipais,
estaduais e federais) — ou 43% da meta.
É verdade que o percentual ainda pode
crescer, mas, a julgar pelos últimos oito anos, é improvável que o Brasil se
aproxime dos objetivos almejados. A comparação com outros países é
constrangedora. Enquanto aqui 10% dos estudantes de ensino médio frequentam
cursos profissionalizantes, entre os integrantes da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a parcela é de 37%.
Pontualmente, houve avanços, mas eles foram
insuficientes. Apenas realçaram as disparidades entre os estados e a falta de
coordenação do MEC. Entre exemplos positivos, Piauí e Maranhão atingiram em
2022, respectivamente, 83% e 80% da meta de matrículas para o ensino técnico.
Mas nove unidades da Federação reduziram a quantidade de vagas no ensino
profissionalizante. Alegar baixa procura pelos cursos é uma falácia, pois é
tarefa das secretarias de Educação estimulá-los.
Entre as iniciativas em curso para
aperfeiçoar o setor está o Marco Legal da Educação Técnica, sancionado em
agosto pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele prevê, entre outros
pontos, sistema de avaliação de cursos, possibilidade de estudantes usarem
créditos na formação técnica para dispensar disciplinas na universidade e a
determinação para que o MEC elabore um Plano Nacional de Ensino Técnico em até
dois anos. São decisões positivas, mas é preciso colocá-las em prática para que
não fiquem apenas no campo das boas intenções.
Um dos objetivos da reforma do ensino médio
de 2017 é valorizar o ensino técnico, tornando-o mais atraente para os jovens.
Boas ideias foram retardadas para suprir outras deficiências do projeto. Apesar
de muitos terem feito pressão para deixar tudo como está, o MEC enviou nova
proposta de mudança ao Congresso, onde ela aguarda aprovação. Enquanto isso,
patina-se nos números sofríveis.
Os três níveis de governo precisam dar ao
ensino técnico a importância que ele merece. Trata-se de um caminho já testado
e aprovado para pavimentar o acesso à universidade, propiciar aumento de renda
aos jovens, suprir demandas de mão de obra qualificada ao mercado de trabalho,
reduzir desigualdades e incentivar o desenvolvimento do país. O PIB brasileiro
poderia aumentar até 2,32% caso o país triplicasse o número de jovens
matriculados no ensino técnico, segundo estudo do Insper. Estamos desperdiçando
oportunidades.
Para governar, Milei começa a se render ao
pragmatismo
Valor Econômico
Senso de realidade passa a ocupar o lugar dos
delírios de campanha
O presidente eleito da Argentina, Javier
Milei, definiu o principal ministro de seu futuro governo, o da Economia, Luis
Caputo, que ocupou o Ministério das Finanças no governo liberal de Mauricio
Macri. A opção por representantes, em sua equipe, da “casta política” que
prometeu varrer do poder indica que o senso de realidade começa a ocupar o
lugar dos delírios de campanha. Milei parece ter se dado conta de que as únicas
forças importantes nas quais poderá se apoiar para enfrentar uma crise
monstruosa são o PRO, de Macri, e seus aliados. Se Milei ganha mais condições
de governar com isso, também adia ou enterra a possibilidade de dolarizar a
economia argentina no curto prazo - uma alternativa cheia de riscos, cujo
fracasso levaria o país diretamente à hiperinflação.
Milei nomeou Caputo ontem, logo após um
périplo pelos Estados Unidos, em encontros com o Fundo Monetário Internacional,
o Tesouro e o Departamento de Estado americanos. Ainda sem detalhar seu plano
econômico, o presidente eleito pousou em Buenos Aires anunciando que a
Argentina viverá um período de “estagflação” - no caso, recessão com inflação
alta. Prometeu “usar todos os meios para deter a emissão de moeda” e tornar a
inflação civilizada em 18 a 24 meses. Haverá um choque econômico, de contornos
ainda não definidos, em que a sequência de medidas será vital.
O câmbio não será uniformizado e liberado sem
que haja um plano de estabilização consistente, defendia Caputo em análises de
sua consultoria Anker (Clarín, ontem). O problema que a equipe de Milei
considera o principal é o que fazer com as Leliqs, letras de curto prazo do
Banco Central, que superam em muito a base monetária e pagam juros ao redor de
300% ao ano - semelhante ao overnight brasileiro na época da hiperinflação. É
por esse canal, um deles, que os governos anteriores sustentaram déficits públicos
crescentes, financiando gastos e criando mais inflação, que chegou a 143,7% em
outubro.
Caputo teria mencionado na visita a
Washington um ajuste fiscal de 5 pontos percentuais do PIB no déficit primário,
algo muito mais radical do que qualquer coisa que o FMI exigiu nos acordos
feitos com a Argentina - o mais recente assinado e negociado pelo próprio
Caputo. Isso significa zerar o déficit e transformá-lo em superávit, o que só é
possível com um ajuste drástico de tarifas públicas e cortes radicais nos
gastos da máquina.
Há certo sentido na inclinação de aliados de
Macri em utilizar o radicalismo de Milei para impulsionar medidas muito duras
no início de mandato. Entre os fatores que derrotaram o governo liberal de
Macri, um dos principais foi seu gradualismo na retirada dos subsídios - e, no
meio do caminho de seu programa de estabilização, houve o afrouxamento das
metas de inflação quando o índice de preços sequer tinha baixado a dois
dígitos. Macri não tinha maioria então no Congresso, assim como Milei não tem
agora, embora possa chegar lá com apoio do PRO.
A escassez de dólares é um grande obstáculo a
qualquer plano, porém Milei acredita que não haverá piora aguda no curto prazo.
O cronograma de desembolsos com o Fundo poderá ser refeito, assim como a
instituição já havia empurrado para 2024 o calendário de pagamentos do governo
de Alberto Fernández, que criticava duramente o FMI por ter concedido
empréstimos a Macri.
Ontem, Milei disse a respeito do programa com
o FMI que “em princípio, se nos dão a rolagem dos débitos e os termos do acordo
são mantidos, será um bom pontapé inicial”. O FMI tolerou todos os
descumprimentos do acordo pelo governo peronista, e seguirá tolerando porque a
ortodoxia de Milei provavelmente tem poucos reparos a fazer nos termos do
entendimento em vigor e seu principal eixo - o controle das contas públicas e o
fim da emissão monetária inflacionária.
Ainda ontem, Milei foi duro com governadores
que se queixam de não ter dinheiro para pagar o funcionalismo. “Cortem outros
gastos e paguem salários. Não há mais dinheiro”, afirmou. “Acabou a história do
déficit fiscal”. O ajuste das tarifas, inevitável para melhorar as contas do
Estado, dará um impulso à inflação, ao mesmo tempo que o freio nas emissões
monetárias elevará as taxas de juros (hoje de 133%, negativas) e reduzirá as
atividades econômicas. O PIB será negativo em cerca de 2% este ano e talvez mais
negativo em 2024, ano para o qual Milei prevê “estagflação”.
Se Milei parece ter desistido da dolarização
a curto prazo, algum tipo de âncora cambial, com câmbio fixo ou quase, pode
estar a caminho para derrubar a inércia inflacionária. O fim de uma das piores
secas da história argentina elevará muito as receitas de exportação, que
poderão ser ajudadas com o fim da balbúrdia cambial vigente. Ao se entregar a
acordos com Macri, Milei parece disposto a falar sério. Deixou de lado a
bobagem de brigar com China (um dos únicos fornecedores de recursos) e Brasil,
e aproximou-se de Brasília. Convidou Lula para sua posse e indicou que pretende
manter no posto Daniel Scioli, atual embaixador, com o qual o governo
brasileiro tem boas relações. Com enormes problemas a defrontar, talvez tenha
resolvido enfrentar primeiro os verdadeiros.
Fogo cerrado
Folha de S. Paulo
Retomada de plano contra devastação do bioma
é positiva, mas ainda há lacunas
Que ninguém se anime com a estabilização do
desmatamento no cerrado. De fato, as derrubadas
cresceram não mais de 3% neste ano; entretanto a devastação no
segundo maior bioma brasileiro avança com o dobro da velocidade verificada na
floresta amazônica.
Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe), entre agosto de 2022 e julho de 2023, foram desmatados 11 mil
km² de cobertura do cerrado, que nesse caso compreende vegetação florestal
(cerradão), savânica e campestre.
Na Amazônia,
os cortes somaram 9 mil km² no mesmo período. Ocorre que este bioma
ao norte do país abrange uma área (49% do território nacional) equivalente a
duas vezes a do cerrado (24%). Pior: a savana brasileira, uma das mais
biodiversas do mundo, já perdeu metade da vegetação original, ante 20% da
floresta amazônica.
Decerto 3% de alta na devastação é melhor que
os 25% de 2022, na gestão de Jair Bolsonaro (PL). Soa positivo, ainda, que o
governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha dado transparência ao número
constrangedor dois dias antes da cúpula do clima, COP28, em Dubai.
O Planalto também anunciou a quarta fase do
PPCerrado, que visa controlar o desmatamento no bioma. O plano havia sido
desativado sob Bolsonaro, e é sensato que seja retomado, mas ainda parece aquém
do necessário para estancar a devastação —que contribui para a crise climática
tanto quanto a registrada na Amazônia.
O PPCerrado está concentrado em ações para
conter o desmatamento ilegal. Como os proprietários nesse bioma estão
autorizados a derrubar até 80% de suas áreas, haveria ainda como desmatar, sob
amparo da lei, 300 mil km² de vegetação nativa —superfície 20% maior que a do
estado de São Paulo.
O programa reconhece a necessidade de medidas
e incentivos para desacelerar também os cortes legalizados e, assim, alcançar a
meta de zerar o desmate até 2030.
Mostra-se, porém, parco em objetivos
definidos e mensuráveis para tanto. Seria desejável, por exemplo, um plano
robusto para a região conhecida como Matopiba (nos estados de MA, TO, PI e BA).
Ela concentra 75% da destruição na região e apresenta grande vulnerabilidade às
mudanças climáticas, como atraso na estação chuvosa e menor pluviosidade.
Há 141 mil km² de áreas degradadas no
cerrado, segundo o MapBiomas. São em geral pastagens improdutivas, que urge
recuperar.
É imperativo concatenar incentivos, outorgas
de irrigação e zoneamento para orientar a expansão agropecuária a elas, assim
como eleger áreas prioritárias para criar unidades de conservação nos 50%
remanescentes de cerrado. Antes que todo ele sucumba ao fogo.
Discussão bizantina
Folha de S. Paulo
Proposta de pasta da Segurança Pública revela
escassez de planos para o setor
A saída de Flávio Dino do Ministério da
Justiça rumo a uma vaga no Supremo Tribunal Federal trouxe de volta a Brasília
uma proposta que vai ficando velha sem amadurecer —a criação, ou
recriação, da pasta da Segurança Pública.
A ideia, que foi adotada por Luiz Inácio Lula
da Silva (PT) na campanha eleitoral e não descartada depois da posse, seria
estruturar o novo órgão a partir de um desmembramento da Justiça, de modo a
conferir maior prioridade ao setor nas ações de governo.
Especulada para o lugar de Dino, a ministra
Simone Tebet, do Planejamento, defende abertamente a medida, que também
constava de sua plataforma de candidata à Presidência como meio de endurecer o
combate ao crime.
A discussão em torno do tema, porém,
permanece bizantina. Em primeiro lugar, porque a pasta aventada já existe há
tempos —e se chama Ministério da Justiça e Segurança Pública, como consta dos
documentos oficiais.
Mais do que isso, ela abriga a Polícia
Federal, a Polícia Rodoviária Federal, o Fundo Nacional de Segurança Pública, o
Fundo Penitenciário Nacional e o Fundo Nacional Antidrogas, que juntos
respondem por 91% de seu orçamento, ou R$ 18,7 bilhões de R$ 20,6 bilhões
autorizados neste ano.
O que se debate, pois, é uma mera mudança de
nome, que nem mudaria tanto assim. Foi o que aconteceu, aliás, na efêmera
existência do Ministério Extraordinário da Segurança Pública em 2018, sob
Michel Temer (MDB), depois reincorporado à Justiça sem que nenhuma diferença
fosse notada.
Está fora de questão algum aumento
substancial de recursos financeiros ou humanos, dado o déficit galopante do
Tesouro. Mesmo que isso fosse cogitado, a organização administrativa atual não
precisaria ser alterada.
Ao fim e ao cabo, trata-se tão somente de uma
resposta política capenga à preocupação crescente e justificada do eleitorado
brasileiro com a criminalidade, captada em pesquisas de opinião.
Beneficiárias diretas de tais anseios, forças
à direita pouco apresentaram além de receitas fracassadas como aumento de penas
e maior repressão às drogas, para nem mencionar a brutalidade policial.
Já esquerda e governo não parecem reunir coragem para avançar em novas abordagens nem diretrizes claras para coordenar as ações estaduais. Com plano ou sem, o nome do ministério é irrelevante.
Negócios desfeitos, reputação em risco
O Estado de S. Paulo
Quebra de contratos e outros artifícios com
base na política estatizante do PT mancham a imagem e a governança da
Petrobras.
O anúncio recente da Petrobras sobre o
cancelamento da venda da Lubnor, uma refinaria no Ceará que produz basicamente
asfalto, pegou o mercado de surpresa. Até mesmo a Grepar, empresa criada
especificamente para disputar a refinaria, que teve contrato de venda assinado
em maio do ano passado, manifestou perplexidade com a rescisão, baseada no não
cumprimento de “condições precedentes”, como informou a petroleira em
comunicado.
Levando em conta que os tais precedentes eram
problemas relativos ao terreno ocupado pela Lubnor que a própria Petrobras
estava incumbida de solucionar, as evidências apontam para uma desculpa
esfarrapada à quebra do contrato. Outro anúncio feito por Jean Paul Prates,
presidente da petroleira, de que está negociando com o fundo árabe Mubadala a
recompra da refinaria de Mataripe, na Bahia, torna ainda mais patente que a
retomada de ativos não está sendo baseada em questões técnicas, mas na política
estatizante do PT.
Um péssimo sinal que a Petrobras e o governo
brasileiro emitem ao mercado.
Quebra de contrato é sintoma típico de
gestões autoritárias, com prejuízo imediato para a reputação de empresas e
governos. É difícil recuperar a confiança de investidores depois que se decide
enveredar por esses caminhos tortuosos. A Petrobras “simplesmente desistiu de
fazer negócio, de um contrato no qual não pode ter desistência”, resumiu o
empresário Clovis Fernando Greca, controlador da empresa compradora da Lubnor,
em entrevista ao Estadão.
E a forma encontrada para driblar a proibição
foi enrolar, postergar, fingir que estava fazendo, até o prazo fixado se
esgotar. Como disse o empresário, os técnicos da companhia se empenhavam, “mas
a direção já havia decidido que iria finalizar o negócio”. Frustrado, diz que
não quer mais investir no Brasil. A tendência é que puxe uma fila.
Lubnor e Mataripe (antiga Rlam) integram o
grupo de quatro refinarias vendidas pela Petrobras, de uma lista de oito. Em
março, na tentativa de acalmar os ânimos diante da profusão de rumores que
circulavam no mercado, Prates divulgou comunicado informando que a revisão em
curso no programa de desinvestimentos da Petrobras não incluiria negócios já
concluídos ou em fase de assinatura de contrato. Não é o que se vê.
A Petrobras encaminhou ao Conselho
Administrativo de Defesa Econômica a revisão de todo o acordo de venda de
ativos, uma determinação do presidente Lula. A venda do controle da
transportadora do gasoduto Brasil-Bolívia (TBG) foi suspensa, como não deixou
dúvidas a frase de efeito de Prates, postada em uma rede social: “A TBG fica!”.
Também já demonstrou interesse em retomar a marca BR, arrendada durante a
privatização da distribuidora do grupo, e disse que a Petrobras pretende voltar
ao mercado de distribuição de combustíveis.
Negócios à parte, o que está em jogo no
momento é a credibilidade da companhia e do próprio País. Nas últimas décadas,
ao contrário de outros países da América Latina, o Brasil caminhou para a
criação e o fortalecimento de marcos regulatórios e atração de investimentos
privados para a atividade de prospecção, produção e refino de petróleo. Agora,
parece se aproximar da visão estatal e nacionalista de Venezuela, Bolívia,
Equador e Argentina que, ao que se sabe, não trouxe qualquer benefício. Ao
contrário.
Praticamente na marra, usando estratagemas,
alguns mais e outros menos explícitos, o governo e a direção da Petrobras têm
conseguido burlar uma infinidade de regras de governança que pretendiam
imunizar a empresa contra velhas trapaças, depois do desgaste sem precedentes
do petrolão, o maior esquema de corrupção da história brasileira. Normas que
têm sido desobedecidas uma a uma, desde a proibição de políticos em cargos de
comando sem a devida quarentena até a participação direta de membros do governo
na instância decisória do Conselho de Administração.
É preocupante assistir à guinada em curso na
Petrobras. Ainda mais considerando que as vendas de ativos foram uma
alternativa à redução de um endividamento monstruoso. A reversão dos negócios
deve custar muito caro à empresa e ao País.
Uma COP quente
O Estado de S. Paulo
No ano mais quente da história, a realidade
se impõe. Mas é incerto se os Emirados Árabes articularão as políticas no
centro dos debates e se essas políticas são realmente centrais
A temperatura na 28.ª edição da Conferência
sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP-28) estará alta. Primeiro, literalmente.
O ano de 2023 deve ser o mais quente da história. Além da tendência de longo
prazo impulsionada pela queima de combustíveis fósseis, o recorde deve ser
quebrado pelas ondas de calor precipitadas pelo El Niño, um fenômeno natural do
Pacífico. Segundo o Programa Ambiental da ONU, com o nível atual de reduções
das emissões de gás carbônico, até 2100 a temperatura global deverá subir de 2,5°C
a 2,9°C acima dos níveis pré-industriais. Se isso não bastasse para elevar a
temperatura política, a sede da COP-28 nos Emirados Árabes, o sétimo maior
produtor de petróleo do mundo, a aumentou ainda mais.
Analistas apontam três pautas que dominarão a
cúpula: a redução de gás metano, as finanças climáticas e o uso de combustíveis
fósseis.
A primeira é mais promissora. O metano, o
principal componente do gás natural, responde por um quarto do aquecimento
global. Desde 2017, a Iniciativa Climática de Petróleo e Gás, um consórcio de
mais de 10 petrolíferas líderes no setor, conseguiu reduzir suas emissões pela
metade. Um acordo com outras empresas poderia ser, segundo Fred Krupp, diretor
do grupo ambiental EDF, “a oportunidade concreta mais rápida disponível para
reduzir a taxa do aquecimento global”.
Outra disputa será pelo fundo de US$ 100
bilhões anuais prometidos pelos países ricos para as políticas climáticas dos
países pobres. O compromisso foi firmado na COP-15, em 2009, e deveria ter
vigorado em 2020. Nas últimas duas COPs houve progresso no estabelecimento do
fundo. Mas o valor ficou aquém (US$ 80 bilhões) e ainda não começou a ser
entregue.
A disputa mais amarga será sobre os
combustíveis fósseis. Devem ser reduzidos ou eliminados? Se sim, em quais
prazos? Ou o seu uso deve se manter irrestrito, enquanto o mundo busca por
tecnologias de captura de carbono que neutralizem as emissões?
Esse panorama levanta duas questões.
Primeiro, se os Emirados Árabes serão articuladores confiáveis para essas
políticas. Os ambientalistas estão céticos. O presidente da cúpula, Sultan
Ahmed al Jaber, dirige a Adnoc, a estatal de petróleo do país. A preocupação
com conflito de interesses é legítima, e uma “sabotagem”, plausível. Nem por
isso é certa.
Os Emirados Árabes também sofrem com o calor,
e suas fontes de água e comida são escassas. Al Jaber alega que justamente a
sua posição na indústria petrolífera lhe dá condições únicas de pressioná-la a
apoiar políticas climáticas. De fato, a Adnoc está entre as empresas que
cortaram emissões de metano e já comprometeu US$ 15 bilhões em investimentos em
“soluções de baixo carbono”. Al Jaber declarou que está a ponto de pactuar com
20 petrolíferas os cortes de metano e que “uma redução nos combustíveis fósseis
é inevitável e essencial”. Há rumores de que o país lançará um fundo climático
de US$ 25 bilhões. A COP-28 dirá até que ponto essas promessas se
materializarão em ações.
Outra questão é se essas políticas são
suficientes. Os combustíveis fósseis respondem por 80% da energia global, e a
dura verdade é que as fontes renováveis só podem substituir uma pequena fração
disso, e a custos elevados. Uma redução severa das fontes fósseis seria eficaz,
mas ao custo da pauperização massiva da humanidade e consequentes colapsos
sociais e convulsões políticas. Por outro lado, se se inventasse um combustível
tão barato e confiável quanto os fósseis, eles seriam dispensados do dia para a
noite.
O problema é que, na proporção do PIB dos
países ricos, a parcela de investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento de novas
energias caiu desde os anos 80. Muitos políticos, a fim de mostrar
proatividade, preferem investir em turbinas eólicas ou painéis solares caros e
ineficazes. Dos cerca de US$ 600 bilhões gastos anualmente em estratégias
climáticas, apenas US$ 20 bilhões vão para Pesquisa e Desenvolvimento. Ampliar
essa fração deveria ser prioridade. Mas não tem sido, e tudo indica que não
será nesta COP.
A pressa do Mercosul e da UE
O Estado de S. Paulo
Líderes dos blocos empenham-se na conclusão
do acordo antes da posse de Javier Milei
Negociadores e líderes do Mercosul e da União
Europeia (UE) esforçam-se neste momento para selar o acordo de livre comércio
entre Mercosul e União Europeia em 7 de dezembro, durante a reunião de cúpula
do bloco sul-americano, no Rio. Trata-se de um objetivo desafiador, dadas as
dúvidas anteriores sobre a conclusão do texto nos últimos dias deste ano. A
pressa responde ao possível veto do futuro presidente da Argentina, Javier
Milei, um confesso opositor à permanência de seu país no Mercosul e à aliança com
os europeus. “Tourear” o anarcocapitalista tornou-se a saída emergencial dos
blocos para salvar o acordo. Arriscar a perda dessa oportunidade de integração
birregional, mesmo distante de um equilíbrio perfeito, seria mais do que
lamentável.
O empenho birregional demonstra vontade
política de evitar os prejuízos para esta e as gerações seguintes da morte do
acordo Mercosul-UE, na mesma trilha da Área de Livre Comércio das Américas
(Alca), em 2005. Na nova ordem econômica mundial, marcada pelos avanços
tecnológicos e por um comércio fragmentado e cada vez mais suscetível ao
protecionismo embutido em regras ambientais, a conclusão do acordo dará aos
dois blocos vantagens competitivas e grau sem precedente de cooperação para
enfrentar, no futuro, desafios hoje desconhecidos. Nos dois lados do Atlântico,
há consciência dos benefícios desta comunhão.
Há igualmente pressa. Se há poucas semanas
ainda se esperava a conclusão do acordo até os últimos dias de dezembro, como
meio de contornar as incertezas sobre as eleições para o Parlamento Europeu em
2024, a eleição de Milei impôs a necessidade de antecipar o calendário. A
assinatura do acordo em 7 de dezembro, quando o peronista Alberto Fernández
ainda estará no comando da Argentina, dificulta um eventual veto do
imprevisível Milei, cuja posse como presidente se dará três dias depois.
Em paralelo a essa estratégia, há evidente
empenho das lideranças em preencher as lacunas do acordo o mais cedo possível.
Como presidente temporário do Mercosul, Lula da Silva deve reunir-se em Dubai
com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, para tomar as
decisões mais sensíveis. Não deixa de causar surpresa o empenho de Lula, depois
de ter feito de um documento europeu sobre regras ambientais seu aríete para
extrair concessões sobre compras governamentais. O atrito de última hora certamente
postergou o arremate do acordo em meses – tempo valioso que, agora, nenhum dos
lados dispõe.
É certo que a novela da integração MercosulUnião Europeia ainda prosseguirá por longo tempo e que seu final, como em toda obra aberta, não é conhecido de antemão. Se tudo sair como previsto e o acordo for assinado em 7 de dezembro, a fase mais tempestuosa virá em seguida, durante a apreciação do texto pelos Parlamentos dos 31 países envolvidos e dos dois blocos. A agonia de agora é fechar o acordo.
Poupança contra a evasão escolar
Correio Braziliense
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no universo de 52 milhões de pessoas na faixa de 14 a 29 anos, cerca de 9,5 milhões (18%) não concluíram o ensino médio
Na terça-feira última, o governo federal
enviou ao Congresso Nacional medida provisória que cria o programa de poupança
para estudantes do ensino médio. O fundo será de R$ 20 bilhões. Ontem,
representantes do Executivo negociavam com integrantes do Congresso para
limitar a R$ 6 bilhões o valor a ser repassado, ainda neste ano, ao fundo
privado criado para o estímulo financeiro aos alunos do ensino médio.
O objetivo é evitar que os jovens não
concluam essa fase do ciclo escolar. Segundo o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), no universo de 52 milhões de pessoas na faixa
de 14 a 29 anos, cerca de 9,5 milhões (18%) não concluíram o ensino médio.
Entre as causas da evasão, destaca-se a necessidade de ingresso precoce no
mercado de trabalho (27,1%). Além disso, o problema ocorre pelas dificuldades
de acesso à escola (10,9%), pelo desinteresse (40,3%) e por motivos diversos
(21,7%) — necessidades especiais, gravidez e violência.
O ministro da Educação, Camilo Santana, quer
interromper esse círculo nada virtuoso na vida dos jovens. A expectativa dele é
de que os estudantes comecem a receber a bolsa-auxílio no próximo ano. "A
ideia é que, a partir do primeiro ano, ele receba mensalmente, outra parte ele
recebe apenas na conclusão do curso. Quem entrar ano que vem já vai estar
contemplado pelo programa", disse o ministro em entrevista ao Correio
Braziliense, em setembro deste ano. Ele reconheceu que a proposta foi inspirada
pelo programa de campanha da então senadora e, hoje, ministra do Planejamento,
Simone Tebet.
De acordo com os critérios do programa, os
beneficiados serão jovens de baixa renda, matriculados em escolas da rede
pública e integrantes de famílias inscritas no Cadastro Único (Cadúnico), tendo
prioridade aquelas com renda per capita mensal igual ou inferior a R$ 218. A
Caixa Econômica será a administradora do fundo, que contará com verbas públicas
e privadas. Entre as fontes de recursos, estão as do pré-sal, destinados à
educação pública e à redução das desigualdades, como estabelece a legislação. Os
estudantes que descumprem as regras ou se desligarem do programa terão os
valores depositados devolvidos ao fundo.
O programa do governo é um paliativo importante para que meio milhão de jovens voltem aos bancos escolares. Mas insuficiente, uma vez que os estudantes e seus parentes, beneficiados pelos programas sociais do governo, por diferentes motivos, ainda dependem do Bolsa Família para que tenham meios de sobreviver. O programa é importante, uma vez que quem tem fome não pode esperar. Mas não deixa de ser uma dependência que precisa ser interrompida por meios de políticas públicas que assegurem emprego e renda a todos, dando-lhes condições de sobreviver com dignidade e, a seus filhos, educação de qualidade.
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