O Estado de S. Paulo
Governo e Congresso seguem apostando que podem mudar regras fiscais sem custo de credibilidade
É acordão que se chama a aprovação, pelo
Senado, de projeto de lei complementar que altera artigo do arcabouço fiscal
para tirar do teto de gastos deste ano as despesas que vão financiar a
bolsa-poupança de incentivo à permanência de estudantes de baixa renda no
ensino médio.
Governo e oposição se uniram e aprovaram
ontem o projeto, de autoria do senador petista Humberto Costa (PE), relatado
pelo líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP).
Ficou muito claro que, com uma negociação de acordos para atender a interesses de curto prazo, é possível mudar a regra fiscal, numa votação rápida, sem nenhuma discussão séria. Para mudar o antigo teto de gastos criado pelo governo Temer, era preciso alterar a Constituição, o que é muito mais difícil e exige quantidade de votos maior e dois turnos de votação.
Resultado: temos um arcabouço que foi
sancionado faz poucos meses, e já estamos discutindo riscos fiscais no Brasil.
A leitura no Senado é de que o acordo com a
oposição ainda reflete o aceno ao líder do governo no Senado, Jaques Wagner,
pelo voto favorável à PEC que limita os poderes do Supremo Tribunal Federal em
decisões monocráticas. Mas, sem dúvida, estão sendo costurados muito mais
acordos por trás, que garantiram também a aprovação do projeto que altera os
investimentos em fundos dos super-ricos no Brasil (exclusivos) e no exterior
(offshore). Renegociação mais favorável de dívida de Estados e novos “jabutis”
a encarecer a conta de luz certamente estão nesses acertos de votações na reta
final do ano.
Às vésperas de ano de eleições municipais, o
que está acontecendo agora com o programa não é lá muito diferente do que
aconteceu no governo Bolsonaro, em 2021, com a aprovação da MP que criou o
Auxílio Brasil – que, na época, substituiu o Bolsa Família, e que já se sabia
que tinha sido desenhado de olho nas eleições do ano seguinte.
É lamentável, porque esse tipo de programa é
altamente meritório e, em tese, se bem desenhado, sai barato quando comparado
ao enorme benefício que pode alcançar para diminuir o elevado abandono escolar
no País. Mas os interesses de curto prazo, sobretudo os eleitorais, sempre se
sobrepõem.
Governo e Congresso seguem apostando que
podem mudar as regras fiscais e que não há custo de credibilidade, bastando
repetir o mantra da responsabilidade fiscal. Daqui a pouco, esse custo vai
ficar mais claro para os investidores. Aliás, já está ficando. É só aguardar um
pouco mais com as manobras em curso. Mudar ou não a meta nesse cenário vai
virando discussão secundária.
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