sábado, 4 de novembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Deficit zero não é apenas uma questão do Tesouro

Correio Braziliense

A proposta de deficit zero embutida no novo arcabouço fiscal está sendo ameaçada pela perda de arrecadação, decorrente de uma série de benefícios e isenções concedida pelo Congresso

É grande a responsabilidade do Congresso Nacional na aprovação do Orçamento da União de 2024. Essa afirmação seria até uma tautologia, uma vez que é atribuição dos senadores e deputados estabelecer as suas diretrizes e a lei orçamentária. Mas acontece uma disfuncionalidade na relação entre o Executivo e o Legislativo na qual a aprovação das emendas impositivas ao Orçamento da União beneficia diretamente seus autores, ao atender interesses de suas bases eleitorais, mas não tem como contrapartida a responsabilidade quanto aos seus resultados dos investimentos e políticas públicas.

O descompromisso com o resultado é do debate sobre a questão fiscal. A proposta de deficit zero embutida no novo arcabouço fiscal está sendo ameaçada pela perda de arrecadação, decorrente de uma série de benefícios e isenções concedida pelo Congresso, sem a necessária compensação, com a ampliação da base de arrecadação e maior justiça tributária. O relator da Reforma Tributária no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM),

Também terão regime diferenciados de tributos operações alcançadas por tratado ou convenção internacional, inclusive missões diplomáticas e representações consulares e de organismos internacionais; serviços de saneamento e de concessão de rodovias; operações que envolvam a disponibilização da estrutura compartilhada dos serviços de telecomunicações; serviços de agência de viagem e turismo; e transporte coletivo de passageiros rodoviários intermunicipal e interestadual, ferroviário, hidroviário e aéreo.

Com isso, foram contemplados alguns dos lobbies mais poderosos do país, que fazem uma pressão direcionada aos parlamentares que integram a Comissão Mista do Orçamento. Em contrapartida, os interesses difusos da maioria da população, que não tem lobby institucional organizado, é que serão confrontados pelo aumento da alíquota do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que pode chegar a 27,5% do valor das mercadorias. Ou seja, quem pagará a conta é o consumidor comum.

O outro lado dessa moeda vimos ontem, na reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com os ministros da área de infraestrutura. O recado foi o seguinte: "Para quem está na Fazenda, dinheiro bom é dinheiro que está no Tesouro, mas, para quem está na Presidência, dinheiro bom é dinheiro transformado em obras. É dinheiro transformado em estrada, em escola, em escola de primeiro, segundo, terceiro graus, em saúde", disse.

Para bom entendedor, o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, responsável pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), ganhou a queda de braços com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em relação à possibilidade de contingenciamento de recursos destinados às obras públicas para chegar ao deficit zero, mesmo que arrecadação prevista não seja alcançada.

Nos bastidores do governo, Costa defende uma meta com deficit de até 0,5% para evitar corte de gastos do governo federal num ano de eleições municipais.

Desde a semana passada, quando, em entrevista à imprensa, Lula admitiu que o deficit zero não será alcançado, a equipe econômica está sendo atacada em três frentes: pelos ministros que querem tocar suas obras, pelos setores que desejam mais privilégios e subsídios fiscais, e pelo Congresso que pretende aumentar a fatia das emendas impositivas ao Orçamento da União. É um pacto difícil de ser derrotado, porque também divide os agentes econômicos e a sociedade.

A ordem é gastar o dinheiro previsto nos orçamentos da Esplanada: "Se o dinheiro estiver circulando e gerando emprego, é tudo que um político quer e que um presidente deseja", disse Lula, ao incentivar que seus ministros sejam "os melhores gastadores do dinheiro". O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) tem uma carteira de R$ 1,4 trilhão de investimentos em infraestrutura até 2026. Entretanto, a conta não fecha. Mesmo isolado dentro do governo, Haddad não pretende renunciar à meta de deficit zero no Orçamento de 2024. O relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias, Danilo Forte (União-CE), também não. Mas a base governista já se move para derrubá-la. Não zerar o deficit público, porém, é financiar investimento com inflação.

Rivalidade entre torcidas desafia autoridades

O Globo

Tumultos como o que antecede final da Libertadores exigem atenção para preservar a segurança nos estádios

São preocupantes os sinais emitidos pelas torcidas organizadas do Boca Juniors e do Fluminense, times que disputarão na tarde deste sábado, no Maracanã, a final da Copa Libertadores da América. Desde o início da semana, torcedores das duas equipes se engalfinham em Copacabana, cenário previsível diante da tensão que cerca partidas decisivas, especialmente quando envolvem brasileiros e argentinos. A polícia precisa levar em conta o potencial explosivo do jogo, e não só dentro do estádio, pois sabe-se que muitos visitantes não têm ingresso e ficarão circulando pelas ruas do Rio.

Na segunda-feira, quando ainda era pequeno o número de torcedores argentinos na cidade, houve tumulto em Copacabana entre apoiadores do Boca e do Fluminense. Ontem, quando o contingente já era maior, foi registrada mais confusão. A PM precisou usar bombas de efeito moral para conter os brigões. Pelo menos seis foram detidos. A temperatura voltou a subir com as ameaças feitas por chefes de torcidas organizadas. “Que esperem a gente chegar. E que os do Fluminense venham nos procurar”, desafiou um líder em áudio enviado à imprensa argentina. O clima de conflagração levou a Conmebol a fazer uma reunião de emergência para discutir a segurança do jogo.

Autoridades certamente não desconhecem os riscos, mas isso não significa que tudo esteja sob controle. Medidas administrativas foram tomadas com o objetivo de reduzir danos. A Prefeitura do Rio proibiu a venda de bebidas alcoólicas no entorno do Maracanã, iniciativa considerada excessiva pelo Sindicato de Bares e Restaurantes, sob a alegação de que não foi adotada noutros jogos da Libertadores. Espera-se que o veto alcance também os ambulantes, que costumam oferecê-las livremente, sem concorrência. A Prefeitura também reservou áreas específicas para os torcedores argentinos, como já fizera na Copa do Mundo de 2014, quando o Rio recebeu cerca de 100 mil visitantes do país vizinho. O Sambódromo e o Terreirão do Samba, na região central do Rio, serão enclaves dos torcedores do Boca.

A Polícia Militar diz estar preparada para a chegada deles — estima-se que serão entre 50 mil e 100 mil argentinos — e para o jogo no Maracanã. É verdade que a PM tem experiência em esquemas de policiamento de grandes eventos, mas nem sempre eles se revelam bem-sucedidos. Em março, antes de um jogo entre Flamengo e Vasco, cenas de selvageria tomaram conta da região do Maracanã. No mês passado, brigas entre vascaínos e rubro-negros deixaram pelo menos um morto e quatro feridos, uma lástima.

O Rio é uma cidade acostumada a grandes eventos. Apesar dos problemas com a violência, tem plenas condições de sediar uma final de Libertadores com mais de 60 mil torcedores no Maracanã e outras dezenas de milhares nas ruas. Mas é preciso que as autoridades tenham a noção exata dos riscos da guerra entre torcidas organizadas e tomem todas as providências necessárias para que a partida transcorra normalmente. Não só dentro da arena esportiva, mas também fora dela. É fundamental que o futebol seja jogado num ambiente pacífico, civilizado. Disso também depende o sucesso das competições. Afinal, quem irá com a família ao estádio se o lazer pode se transformar em atividade de risco?

Vacinação anual contra Covid exigirá mobilização da sociedade

O Globo

Governo acerta ao incluir vacina no calendário anual, mas só isso não garante imunização satisfatória

Foi acertada a decisão do Ministério da Saúde de incluir a vacinação contra a Covid-19 no Programa Nacional de Imunizações (PNI) a partir do ano que vem. Isso significa que o país terá condições melhores de manter sob controle o vírus mais ameaçador que surgiu no planeta desde a gripe espanhola no início do século passado. Mas não basta incluir o imunizante no calendário anual de vacinas e oferecê-lo à população nos postos de saúde. O desafio é ampliar as taxas de vacinação, ainda insuficientes para a população imunizada deter a circulação do vírus.

Para as crianças, a vacinação estará no calendário obrigatório. A parcela restante da população precisará ser mobilizada para se imunizar. O Ministério da Saúde continua a orientar os maiores de 18 anos, mesmo os já vacinados, a tomar a vacina bivalente, que protege contra as variantes mais recentes do coronavírus. É preciso mais.

O ministério promete para breve uma nova campanha com a finalidade de destacar a importância da vacinação, da testagem e do tratamento contra a Covid-19. Precisará ir além, em busca de canais mais diretos de comunicação com grupos específicos. O monitoramento de postos e centros de saúde com busca ativa dos não vacinados também será imprescindível. Não se pode relaxar. A vacinação anual de crianças a partir de 6 meses, de idosos e de quem tem imunidade baixa, entre outros grupos, é a única maneira de evitar os principais danos de um vírus que continua em circulação e ainda mata todo dia em torno de 42 pessoas no Brasil.

Jamais se deve esquecer o dano causado no governo Jair Bolsonaro pela protelação na compra de vacinas e pela campanha negacionista contra os imunizantes. Sem tanto obscurantismo, dificilmente um país que concentra algo como 2% da população mundial teria somado 14% dos mortos da pandemia — atingindo a cifra macabra de mais de 700 mil.

Não há, sempre é bom lembrar, nenhuma questão técnica em aberto sobre a eficácia da vacina contra a Covid-19. Ainda em 2021, foi constatado que mortes pela doença se concentravam primordialmente entre os não vacinados — 96,3% do total, segundo pesquisa da USP e da Unesp. Num estudo que se tornou clássico para desmentir os negacionistas, o Instituto Butantan vacinou a população adulta de Serrana, no interior paulista, e acompanhou a evolução. Os casos sintomáticos caíram 80%, as internações retrocederam 86% e as mortes 95%. É este o objetivo de qualquer vacinação: evitar mortes e deixar vagas nos hospitais para atender quem de fato precisa. Deve-se ter consciência da importância da vacinação e não se deixar levar por discursos que ecoam a Idade Média.

Condenado de novo

Folha de S. Paulo

TSE pune Bolsonaro mais uma vez, agora com inelegibilidade também a Braga Netto

Beiram o inexplicável os votos dos dois membros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que não viram, nas famigeradas comemorações do 7 de Setembro de 2022, atos despudorados de campanha praticados por Jair Bolsonaro (PL) e Walter Braga Netto (PL).

Menos mau que os ministros Kassio Nunes Marques e Raul Araújo tenham terminado sem o apoio dos demais colegas, com o que o TSE decretou, por 5 a 2, a inelegibilidade da dupla derrotada em segundo turno na corrida presidencial do ano passado.

Também pudera: o Bicentenário da Independência, organizado com verba pública, adquiriu as feições típicas de um comício bolsonarista, no qual se proferiram grosserias, ataques contra adversários e ameaças golpistas.

Dado que o ex-presidente já tinha sofrido a mesma punição em outro processo eleitoral, o principal impacto prático da nova decisão diz respeito a Braga Netto.

Ex-ministro de Bolsonaro, o general da reserva que concorreu a vice-presidente vinha sendo cotado por seu partido para disputar a prefeitura do Rio de Janeiro em 2024, mas agora está proibido de se candidatar a cargos eletivos até as vésperas do pleito de 2030.

No âmbito federal, nada muda. Esta segunda inabilitação de Bolsonaro não se soma à primeira, mas se sobrepõe a ela, de modo que os cálculos políticos e as acomodações partidárias em curso desde o julgamento de junho seguem na mesma toada.

Tampouco se vislumbram alterações na chamada guerra de narrativas. Se os adversários do ex-presidente já dispunham de farto arsenal retórico para admoestá-lo, seus apoiadores parecem imunes a qualquer artilharia proveniente do Poder Judiciário ou dos veículos de jornalismo profissional.

Ainda assim, não se ignora o peso que a nova sentença possa ter sobre a percepção difusa do mundo político e judicial. Da mesma forma que o TSE talvez não inabilitasse um Bolsonaro reeleito, a dupla condenação funciona como respaldo a outros processos que tenham o ex-presidente como alvo.

Muitos deles, não custa lembrar, correm fora da Justiça Eleitoral e podem resultar inclusive em prisão. Há, entre outras, suspeitas sobre omissões e irregularidades variadas durante a pandemia de Covid-19, venda de joias presenteadas por autoridades estrangeiras e incitação do levante golpista de 8 de janeiro, em Brasília.

É preciso avançar em todas essas frentes, com imparcialidade, celeridade e respeito às garantias do devido processo legal e da ampla defesa. São os primados básicos do Estado democrático de Direito —justamente aquele que Bolsonaro tentou destruir.

Reformar o funcionalismo

Folha de S. Paulo

Passa da hora de o governo apresentar sua plano para melhoria do serviço público

"De onde menos se espera, daí é que não sai nada." A frase, do jornalista Apparício Torelly (1895-1971), conhecido como Barão de Itararé, cai como uma luva no que concerne às intenções do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de reformar o serviço público brasileiro.

Desde que assumiu, sua administração não tomou nenhuma iniciativa concreta para levar adiante mudanças que poderiam tornar o Estado mais eficiente, aumentando os benefícios à população.

Pesquisa Datafolha recente revelou que a maioria dos brasileiros (56%) avalia que o funcionalismo não conhece os desafios dos cidadãos. Outros 55% acham que a minoria ou nenhum servidor têm boas condições para atender a sociedade, o que exigiria sua valorização e melhora no atendimento.

O levantamento mostra o rompimento entre a percepção e as aspirações da população, que banca o funcionalismo com impostos, e o que ela recebe em troca.

No Brasil, o gasto com salários de servidores, considerando União, estados e municípios, equivale a 8,9% do PIB, segundo o Fundo Monetário Internacional. O percentual é maior que o de muitas economias do G20 —que reúne os países mais ricos e com melhores serviços públicos que o Brasil—, como França (8%), Reino Unido (7,3%) e Alemanha (5,9%).

Outro estudo, do Banco Mundial, mostrou que, também na comparação internacional, os rendimentos dos servidores municipais não apresentam discrepâncias. Nos estados, porém, o prêmio salarial pago no Brasil é 30% maior.

Mas é na União, que reúne Executivo, Legislativo e Judiciário, onde aparecem as maiores diferenças salariais, que chegam a 100% em alguns casos, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

A única esperança de uma reforma partiu, em agosto, do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), quando cobrou publicamente avanços no tema. Ele lembrou que há, inclusive, Proposta de Emenda à Constituição (32, de 2020) pronta para ser votada, e que ela não interfere em direitos adquiridos, mas somente nas regras para novos contratados.

Em resposta, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos informou que o governo não apoia a PEC, mas que trabalha na "modernização" da atividade.

Passado quase um ano, já é hora de a gestão Lula detalhar o que tem em mente, em vez de seguir confirmando a máxima do barão.

A natureza de Lula

O Estado de S. Paulo

Sempre que teve de escolher entre a responsabilidade e a popularidade, Lula nunca titubeou. Haddad é o sacrificado da vez no altar do populismo lulopetista, outros certamente virão

Os exegetas de Lula estão tendo trabalho dobrado desde o dia 27/10, quando o presidente resolveu queimar seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e dizer que a meta de déficit nas contas públicas “não precisa ser zero”. Ruim de conta, mas bom de lábia, o petista argumentou: “E se o Brasil tiver déficit de 0,5%, de 0,25%, o que é? Nada”.

Houve quem dissesse que Lula apenas reconheceu a realidade. Houve quem sugerisse que Lula quis ajudar Haddad ao livrá-lo do fardo de ter que reconhecer essa realidade. Houve quem atribuísse a fala de Lula aos tropeços do improviso. E houve também quem considerasse que Lula foi, na verdade, apenas ingênuo, como se ele ou não soubesse o que estava falando ou não fosse capaz de perceber a mancada. Ou seja, há interpretações para todos os gostos, todas dependentes de boa vontade.

A coisa toda, no entanto, é muito mais simples: Lula da Silva funciona permanentemente no modo eleitoral. É como sua segunda pele. Tudo o que diz e faz está diretamente relacionado a esse mister. Isso significa que Lula, no momento em que se observa queda de sua popularidade, perda de confiança de consumidores e empresários e uma notável dificuldade de articulação no Congresso, percebeu que tinha de virar a chave de seu governo.

Durante dez meses, o ministro Haddad vendeu a fantasia do controle das contas públicas e se impôs a ousada meta de déficit zero, sinalizando disposição de pelo menos tentar fazer a coisa certa, ainda que pela via de aumento de receitas, e não do corte de despesas. Mas Lula não quis nem isso: mesmo estando em começo de governo, momento ideal para propor sacrifícios, aproveitando a legitimidade conferida pelas urnas, o presidente refugou. Nenhuma surpresa: sempre que teve de escolher entre a responsabilidade e a popularidade, Lula nunca titubeou. Haddad é o sacrificado da vez no altar do populismo lulopetista, e outros certamente virão. Ao contrário do que pensam os exegetas de Lula, o presidente não é sincero nem ingênuo – é apenas calculista.

E nesse cálculo não cabem nem respeito aos limites fiscais nem preocupação com a sustentabilidade da política econômica, como ficou claro desde o segundo mandato de Lula e cujo estado da arte foi o desastre de Dilma Rousseff – aquela que disse que “gasto é vida” e que classificou de “rudimentar” o projeto de zerar o déficit nominal, proposto pela equipe econômica do primeiro mandato de Lula. Como se vê, não é de hoje que o lulopetismo sabota os que tentam impor racionalidade no manejo do dinheiro do contribuinte.

E o inimigo também permanece o mesmo: o mercado. “Eu acho que muitas vezes o mercado é ganancioso demais e fica cobrando a meta que eles acreditam que vai ser cumprida”, disse Lula, ignorando o fato de que questionar o déficit zero significaria comprometer a meta proposta por seu próprio ministro da Fazenda e o clima favorável para a redução dos juros pelo Banco Central.

A bem da verdade, o discurso do petista foi apenas a reiteração do que ele havia proferido há um ano, ainda no período de transição de governo, com críticas ao finado teto de gastos e à inexistência de um regime de metas de crescimento, em contraponto ao de metas de inflação.

É um discurso inaceitável para um presidente da República, que deveria saber da importância da estabilidade econômica para o País. Não é preciso ir longe para imaginar as consequências da gastança desenfreada na economia. Somente agora o País começou a colher os frutos da desaceleração da inflação após a pandemia de covid-19 – e nem todo o dinheiro que Jair Bolsonaro injetou na economia foi capaz de reelegê-lo.

Sem uma âncora crível, a inflação voltará a subir e os juros também, não por capricho do mercado, mas porque a necessidade de financiamento da dívida pública exige um altíssimo patamar de juros. Eis a importância de buscar atingir o déficit fiscal zero: sinalizar um limite, ainda que frouxo, para o avanço do endividamento. E se Lula ignora essas condições, não é por desconhecimento ou amor à democracia, mas por apego ao poder.

A urgência de uma nova segurança pública

O Estado de S. Paulo

Este jornal defende uma tomada de consciência a respeito do problema, seja por parte do Estado, seja pela própria sociedade. O que foi feito até aqui é escandalosamente insuficiente

O País precisa urgentemente de uma política de segurança pública responsável, apta a enfrentar os sintomas e as causas dessa violência que ameaça de maneira aterrorizante a população – como a barbárie impetrada por milicianos no Rio de Janeiro no dia 23 de outubro, incendiando dezenas de ônibus. Até agora, as respostas do poder público foram provisórias, imediatistas e insuficientes, com efeitos nulos ou mesmo prejudiciais.

Goste ou não o presidente Lula da Silva do tema, a segurança pública é uma prioridade nacional. Trata-se de uma necessidade vital da população, que o governo federal e os estaduais não podem ignorar - o que inclui admitir a natureza e a exata dimensão do problema, em suas várias camadas. Por exemplo, não é possível vislumbrar um futuro de paz sem uma educação pública de qualidade. Investir em educação é, portanto, cuidar da segurança pública. Mas não basta educar melhor. A segurança pública envolve medidas, atividades e tarefas específicas de prevenção, contenção e punição da violência e da criminalidade.

Este jornal defende uma nova tomada de consciência a respeito do problema da segurança pública, seja por parte do Estado, em suas várias esferas, seja pela própria sociedade. O que foi feito até aqui é escandalosamente insuficiente. Não é possível continuar fingindo que o problema está sendo enfrentado. Não está.

Sem a pretensão de oferecer soluções mágicas, que não existem, mencionam-se abaixo quatro aspectos referentes a uma política de segurança pública responsável.

O primeiro aspecto é, na verdade, uma condição: a necessidade de um novo compromisso do poder público com a segurança pública. Como o problema é difícil e complicado – as causas são antigas e o enfrentamento delas ultrapassa o tempo do mandato –, os governantes atuam como se não fossem responsáveis pelo tema.

Trata-se de uma situação disfuncional e desesperadora: todo mundo sabe que existe um problema grave, mas ninguém o enfrenta. No máximo, tenta-se escondê-lo com medidas imediatistas e espalhafatosas. Infelizmente, exemplos ineficazes não faltam. Caso paradigmático foi a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro decretada em 2018, que “não fez nenhuma diferença no crime organizado”, como lembrou a economista Joana Monteiro, coordenadora do Centro de Ciência Aplicada à Segurança da FGV.

Segundo aspecto: toda e qualquer política de segurança pública passa por reformar as polícias. Não basta injetar mais recursos. Em muitos lugares, setores da polícia são parte central do problema de segurança pública, não havendo separação entre polícia e bandido. Há experiências positivas de recrutamento, formação e acompanhamento de agentes policiais. O que não tem cabimento é buscar o retrocesso – por exemplo, retirando as câmeras dos uniformes dos policiais.

Um terceiro ponto se refere aos presídios. Muitos deles são territórios dominados por organizações criminosas – várias nasceram lá dentro –, sendo utilizados para recrutamento de novos integrantes das facções. É preciso melhorar as condições de controle das prisões, o que inclui infraestrutura minimamente condizente com a dignidade humana, e repensar seriamente quais crimes merecem ser punidos com pena de prisão. É um debate que não pode ser adiado.

Quarto aspecto: segurança pública não é teoria. É policiamento ostensivo, é controle sobre armas de fogo, é iluminação pública, é resolução efetiva dos homicídios, entre outras muitas tarefas, nas quais o Estado brasileiro tem sido manifestamente falho. No Rio, nove em cada dez casos de homicídios não são responsabilizados depois de cinco anos. A paz e a ordem públicas não são objetivos impossíveis, mas o poder público tem de trabalhar.

Não urge que haja mais populismo ou que os mesmos erros sejam repetidos. A urgência é de responsabilidade, para desenvolver políticas de segurança pública baseadas em evidências, coordenadas entre os diversos entes da Federação e estáveis, que não sejam trocadas a cada novo mandato.

Banco Central cumpre roteiro

O Estado de S. Paulo

Para alívio de todos e até do governo, BC decidiu ignorar, por ora, declaração de Lula contra a meta fiscal

Em meio a discussões no governo para alterar a meta fiscal de 2024, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) seguiu o roteiro esperado e reduziu a taxa básica de juros para 12,25% ao ano. O comunicado reforçou também as apostas dos investidores sobre novos cortes de 0,5 ponto porcentual nas duas próximas reuniões.

A decisão do Copom não surpreendeu. Há indicadores suficientes a delinear um quadro de desaceleração da inflação e da própria atividade econômica nos últimos meses. E, ainda que esteja em ciclo de queda, a Selic permanece em terreno contracionista, tanto que o País retomou a liderança no ranking mundial dos juros reais.

Para alívio de todos, inclusive do governo, o BC decidiu ignorar, por ora, a declaração de Lula da Silva menosprezando a importância de atingir o déficit zero no ano que vem. A despeito das turbulências que o próprio presidente criou para si mesmo, o compromisso, ao menos oficialmente, permanece o mesmo, o que permitiu ao BC manter inalterada a menção à importância da “firme persecução” das metas fiscais para a ancoragem das expectativas da inflação.

“Tendo em conta a importância da execução das metas fiscais já estabelecidas para a ancoragem das expectativas de inflação e, consequentemente, para a condução da política monetária, o Comitê reafirma a importância da firme persecução dessas metas”, disse o BC.

A trégua, no entanto, tem tudo para ser temporária. Se a frase dita por Lula não modificou a trajetória da Selic no curto prazo, ela já alterou as expectativas sobre a inflação e a curva de juros futuros. Segundo a última edição do Boletim Focus, a previsão para a inflação no fim do ano que vem subiu de 3,87% para 3,90%. A projeção para a taxa básica de juros no fim de 2024 aumentou de 9% para 9,25%, e algumas instituições financeiras já elevaram suas projeções para um nível superior a 10%.

Não há como deixar de relacionar esses movimentos às declarações de Lula, uma vez que a projeção para a Selic, no Boletim Focus, permanecia inalterada há 11 semanas. Assim, todas as atenções se voltam agora para a ata da reunião, a ser divulgada na próxima semana. O documento, bem mais longo que o comunicado, trará mais detalhes sobre a avaliação dos diretores sobre a conjuntura econômica.

O cenário externo tampouco tem colaborado. Além das tensões geopolíticas, o BC mencionou que o processo desinflacionário tem sido mais lento do que o esperado em diversos países do mundo. O Federal Reserve (Fed) manteve a taxa básica de juros norte-americana no patamar entre 5,25% e 5,5%, o maior em 22 anos, e não descartou a possibilidade de elevá-la em dezembro.

Nesse contexto, o governo ajudaria muito se fizesse sua parte e parasse de alimentar incertezas, mesmo porque o risco fiscal costuma ser mais relevante do que o cenário externo na definição da política monetária. Ninguém acredita que o governo conseguirá atingir o déficit zero no ano que vem, o que em nada diminui a importância de articular ações e esforços na busca pelo melhor resultado possível.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

São tantos assuntos que é melhor não comentar nenhum,rs.