sábado, 4 de novembro de 2023

Demétrio Magnoli - Brincando com a estrela de Davi

Folha de S. Paulo

Combate contra inimigo não legitima punição coletiva a palestinos

Gilad Erdan, embaixador de Israel na ONU, prendeu a seu paletó uma estrela de Davi durante o discurso que pronunciou na sessão do Conselho de Segurança de 30/10. O gesto valeu-lhe uma admoestação de Dani Dayan, presidente do Yad Vashem, o Museu do Holocausto em Jerusalém. Dayan lembrou que o símbolo alude "ao desamparo dos judeus" exterminados pelo nazismo e registrou a impropriedade do paralelo implícito.

O antissemitismo puro e duro nega o Holocausto. O antissemitismo maroto, difundido por intelectuais que perderam um sentido mínimo de decoro, prefere uma tática mais "sofisticada": acusar Israel de reeditar a Alemanha nazista promovendo um "genocídio" dos palestinos. Erdan talvez quisesse responder à acusação absurda, mas acabou desnundando o que há de pior no governo de Netanyahu: a manipulação do Holocausto como justificativa do injustificável.

Desde as atrocidades do 7/10, o atual governo de Israel habituou-se a identificar o Hamas ao nazismo. A banalização do mal absoluto serve ao propósito propagandístico de descrever a guerra contra o Hamas como um confronto existencial, o que propiciaria um álibi para circundar as leis de guerra.

O Hamas é uma organização abominável que perpetrou centenas de assassinatos bárbaros de civis indefesos, inclusive crianças, a sangue-frio e fora de um contexto de combate. Mas seu objetivo programático de eliminar o Estado judeu não se aproxima, nem de longe, do extermínio real de milhões de judeus nas câmaras de gás do nazismo. O Yad Vashem existe precisamente para ensinar a singularidade do Holocausto.

Dayan recomendou a Erdan portar a bandeira de Israel. O embaixador representa um Estado, não os judeus europeus colhidos na fúria degenerada de Hitler. Estados têm direito à autodefesa, o que abrange a destruição militar do aparato governamental e bélico do Hamas. Não podem, entretanto, como faz o governo de Netanyahu, invocar a "ira" para promover uma guerra de "vingança".

O Tribunal Penal Internacional (TPI) abriu investigação sobre os atos do Hamas e de Israel. Os crimes da organização terrorista estão à vista de todos: sequestro de civis, uso de reféns para propaganda de guerra, uso de civis palestinos como escudos humanos, lançamento aleatório de foguetes contra cidades israelenses. O combate contra um inimigo sórdido não legitima, porém, a sanguinária punição coletiva imposta aos palestinos de Gaza.

Israel precisa ser submetido a uma régua mais rigorosa que o Hamas justamente por ser um poder estatal. O bloqueio quase completo de entrada de ajuda humanitária, alegadamente para forçar a devolução dos reféns, forma um crime de guerra de primeira magnitude.

A Quarta Convenção de Genebra admite mortes inevitáveis de civis no curso dos combates, mas não concede um passaporte para matar. A BBC provou que Israel atacou zonas específicas indicadas como refúgios seguros para os habitantes de Gaza. Na guerra, admite-se a transferência provisória de civis para afastá-los de linhas de tiro, mas nunca a limpeza étnica. Contudo, um documento do Ministério da Inteligência de Israel sugere a remoção definitiva da população de Gaza.

O avô do embaixador Erdan pereceu no campo de Auschwitz. Honrar sua memória é, antes de tudo, abster-se de usar o nome de Auschwitz para justificar violações flagrantes do direito humanitário.

*****

O ombudsman teima em ocultar as investigações sobre a explosão no hospital de Gaza em 17/10 alegando, puerilmente, a ausência de "verdades definitivas". Mas o leitor da Folha merece conhecer a verdade provisória disponível aos leitores do Guardian, do NYT, do Washington Post, da BBC e da Economist: a hipótese mais provável é que a tragédia resultou de foguetes errantes lançados a partir de Gaza. Nem tudo que acontece são crimes de guerra israelenses.

 

3 comentários:

marcos disse...

Instigante. Quanto ao ombudsman,convenhamos,não deve ser fácil se-lo de um jornal cínico que se define democrata, enquanto censura assinante "a priori".

MAM

ADEMAR AMANCIO disse...

Marcos disse...

Daniel disse...

Um ministro de Netanyahu quer lançar uma bomba nuclear em Gaza. Para o governo TERRORRISTA israelense, não basta MATAR UMA CRIANÇA PALESTINA A CADA 10 minutos nestas 4 semanas. Todos os CRIMES DE GUERRA já realizados pelos militares israelenses foram insuficientes para aplacar o ódio deste governo maldito. Para ele, é necessário exterminar os palestinos de Gaza!