Por Victoria Abel, Camila Turtelli e Renan Monteiro / O Globo
R$ 46 bilhões em emendas: Congresso mira controle de quase um quinto do valor que governo dispõe para gastar livremente
Em uma queda de braço com o Palácio do Planalto pelo controle do Orçamento, o Congresso prevê aumentar para R$ 46 bilhões o valor em emendas parlamentares a que terá direito no ano que vem, o equivalente a quase um quinto do que o Executivo pode gastar livremente e a 75% do que espera investir no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Na prática, a ideia é compensar o fim do orçamento secreto e turbinar as emendas de comissão, com um acréscimo de mais de 60% nos recursos que podem ser indicados por meio dos colegiados. A iniciativa, contudo, enfrenta resistência entre governistas, que veem tentativa do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de ampliar seu poder.
Como mostrou o GLOBO, além do reajuste, Lira
trabalha para tornar a obrigatório o pagamento das emendas comissão — que devem
somar cerca de R$ 11 bilhões em 2024. Parlamentares ainda discutem com o
Tribunal de Contas da União (TCU) a possibilidade de estabelecer um calendário
para que a execução da verba ocorra, evitando, assim, que o Planalto a utilize
para barganhar apoio.
Emendas são a forma como os deputados e
senadores destinam recursos do Orçamento a seus redutos eleitorais. Embora o
pagamento da maior parte dos valores seja obrigatório, o ritmo de liberação é
definido pelo Palácio do Planalto, que costuma usar isso como moeda de troca em
negociações políticas.
Essa fatia do Orçamento controlado pelo
Congresso registrou um salto em 2020, durante o governo de Jair Bolsonaro,
quando parlamentares passaram a destinar recursos por meio das emendas de
relator — base do orçamento secreto. Essa modalidade, em que não era possível
identificar quem era o responsável pelas indicações, foi considerada
inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2022. A destinação
tinha a influência de representantes da cúpula do Congresso, como Lira e o
presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Compensação
Na época, havia R$ 19,8 bilhões previstos
nesse formato no Orçamento deste ano, que foi divido pela metade entre emendas
parlamentares e ministérios. O entendimento de congressistas agora é que, ao
turbinar as emendas de comissão, o Parlamento apenas recupera o controle desses
recursos dos quais já tinha direito. Parte do plano já começou a ser colocado
em prática neste ano, quando as verbas na modalidade alcançaram R$ 6,8 bilhões
— eram R$ 329 milhões em 2022.
Diferentemente das emendas de comissão, o
aumento nos outros tipos de emendas é vinculado à receita do governo. Assim,
com base nos números atuais, a previsão é que sejam reservados R$ 22,8 bilhões
para emendas individuais e R$11,4 bilhões às de bancada em 2024. Caso a
proposta seja aprovada, o Parlamento ficará responsável por definir 17,83% das
despesas livres do ano que vem, previstas em R$ 257,9 bilhões.
O aumento total no valor das emendas, de 27%
— dos atuais R$ 36,2 bilhões para os R$ 46 bilhões — supera a estimativa de
inflação deste ano, prevista pelo governo em 4,85%. A quantia também equivale a
75% do que o governo reservou para obras do PAC.
Na tentativa de ampliar o controle do
Congresso sobre os recursos, o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO), deputado Danilo Forte (União-CE), chegou a propor a criação de uma nova
modalidade de emendas, a RP5, batizada de “emenda de bancada partidária”. A
inciativa, porém, naufragou, pois foi rejeitada por Lira e líderes.
O cálculo político entre aliados do governo é
que as emendas de comissões turbinadas devem dar poder ainda maior para Lira. O
presidente da Câmara é o responsável por indicar os presidentes desses
colegiados e costuma privilegiar nomes alinhados a ele.
Governistas também avaliam que a distribuição
do dinheiro entre as diversas comissões pode acabar sendo desigual — são 25
colegiados na Câmara e 17 no Senado.
— Vai dar briga dentro das comissões. Algumas
têm desequilíbrios entre partidos na quantidade de membros. Além disso, você dá
muito poder ao presidente do colegiado. Vai criar muita distorção. Todos vão
querer ficar nas comissões que tiverem mais dinheiro — disse o coordenador de
governo na Comissão Mista de Orçamento, Carlos Zarattini (PT-SP).
Contas públicas
A ampliação do pagamento obrigatório também
pode ter impacto nas contas do governo. Neste ano, quando as emendas de
comissão ainda não eram obrigatórias, o Executivo pagou apenas 1,1% do
previsto, R$75 milhões.
O movimento preocupa a equipe econômica do
governo, que vê pouca margem nas contas públicas para investir em novas ações.
Diante da movimentação do Congresso, o Planalto deve apresentar uma emenda ao
texto da LDO para que as emendas individuais e de bancada ao Orçamento possam
ser destinadas para as obras de uma das principais bandeiras petistas.
A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, contudo,
se antecipou e foi às redes sociais atacar Lira por defender o pagamento
obrigatório das emendas de comissão. Ela apontou contradição do presidente da
Câmara, que apoia o governo manter a meta de zerar o déficit nas contas
públicas no ano que vem. Procurado, Lira não comentou.
Já parlamentares da oposição concordam em
obrigar o governo a pagar as emendas de comissão. O principal argumento é
impedir que o Planalto use as emendas como moeda de troca.
—Se já existe uma previsão de emendas ela tem
de ser cumprida. Isso dá mais transparência ao diálogo entre Câmara e
Executivo. Senão fica aquele negócio de ter uma emenda e o Executivo dizer
“não, eu só pago se votar assim ou assado”. Quem perde são municípios e
estados— disse o líder do PL na Câmara, Altineu Côrtes.
O senador Carlos Portinho (RJ), líder do PL
no Senado, atribui a movimentação do Congresso para retomar o controle sobre
uma fatia maior do Orçamento à fragilidade do governo.
— A gente não está enxergando políticas públicas, então o Congresso prefere fazer as suas —afirmou ele.
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