Governo demonstra maturidade ao manter meta
fiscal
O Globo
Mesmo que ela seja inviável, intenções
importam. Seria demais voltar atrás antes da estreia do novo arcabouço
É bom que o ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, tenha saído vitorioso da batalha em torno da manutenção da
meta de déficit zero em 2024. Na quinta-feira, o relator do Projeto de Lei de
Diretrizes Orçamentárias (LDO), deputado Danilo Forte (União-CE), afirmou que o
Planalto descartara qualquer emenda para mudar a meta fiscal do próximo ano —
ao menos neste momento. Melhor assim. Ela ainda poderá ser
alterada em dezembro, durante a discussão da Lei Orçamentária Anual (LOA), ou
em março, na revisão das contas públicas prevista pela Lei de Responsabilidade
Fiscal. Mas Haddad ganhou um tempo precioso diante do bombardeio que vinha
recebendo de seu próprio partido.
No fim do mês passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tratou de atrapalhar o trabalho de seu ministro da Fazenda semeando desconfiança. Num café da manhã com jornalistas, afirmou que dificilmente o governo cumpriria a meta de zerar o déficit primário em 2024. “Muitas vezes o mercado é ganancioso demais e fica cobrando uma meta que ele sabe que não vai ser cumprida”, disse Lula. “E se o Brasil tiver déficit de 0,5%, de 0,25%, o que é? Nada.” Foi a senha para mais uma vez entrar em ação a profícua fábrica de crises do PT.
Desde o início, é sabido que as metas
ambiciosas traçadas no novo arcabouço fiscal se tornariam impraticáveis, dado o
apego do governo Lula à gastança, sempre justificada pela necessidade de
investimentos sociais. Há uma dificuldade crônica em cortar gastos ou em adotar
práticas capazes de tornar o Estado mais eficiente. Mas se imaginava que ao
menos haveria um esforço para reequilibrar as contas públicas. Quando o próprio
Lula pôs isso em dúvida, ruiu a imagem de responsabilidade fiscal que o governo
tentava transmitir.
Apesar da forte corrente no governo contra a
meta de déficit zero, Haddad convenceu Lula de que uma mudança tão cedo — antes
mesmo da estreia do novo arcabouço
fiscal — poderia contaminar os bons resultados da economia
neste primeiro ano. E seria um obstáculo à aprovação no Congresso de medidas
que visam ao aumento de arrecadação, principal aposta do governo para tentar
cumprir as metas fiscais.
Embora nos bastidores se reconheça a vitória
de Haddad, as ameaças continuam à espreita. No mesmo dia em que se anunciava a
decisão, petistas de destaque atacavam a meta, dizendo que Haddad errou ao
fixá-la mesmo sabendo que não seria cumprida e ao jogar a mudança para março,
com risco de maior desgaste ao governo. No PT e na Esplanada, o assunto está
longe de pacificado.
Por enfrentar a resistência, o governo
demonstrou maturidade mantendo a meta de déficit zero em 2024. Confiança é o
ativo mais importante que ele tem para transmitir à sociedade. Intenções
importam, mesmo que depois a meta venha a ser revista. Há dúvidas mais que
sensatas sobre sua viabilidade, que depende de alta expressiva na arrecadação.
Mas seria demais revê-la antes mesmo de o novo arcabouço entrar em vigor. O
compromisso de responsabilidade fiscal do Executivo deve ser reconhecido e
valorizado. Mas não basta apenas discutir metas e aumento de arrecadação. É
fundamental que o Estado adquira mais eficiência, que possa fazer mais gastando
menos. Assim o governo demonstraria na prática estar realmente comprometido com
o equilíbrio nas contas públicas.
Encontro entre Biden e Xi reaviva esperança
de reaproximação
O Globo
Diálogo teve pouco resultado prático, mas a mera conversa entre os dois líderes deve ser celebrada
A consequência mais relevante da reunião de
quatro horas do americano Joe Biden com
o chinês Xi Jinping durante
cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec) em San Francisco é a
determinação de os dois continuarem conversando. A relação entre a
superpotência ocidental e a potência emergente asiática está no pior momento em
quatro décadas, e o mundo todo precisa que elas se entendam para evitar o
cenário de confronto.
Nos Estados
Unidos, a oposição aos chineses é um dos raros temas em que
democratas e republicanos concordam. Biden pouco mudou as medidas
protecionistas impostas pelo antecessor, Donald Trump. O sonho de que o
comércio tornaria a China mais parecida
com o Ocidente ficou distante no passado. Para Xi, o poder americano é
declinante, por isso ele costuma repetir a frase dong sheng, xi jiang (o Leste
sobe, o Oeste cai). Na sua visão, os americanos buscam “a contenção, o cerco e
a supressão da China”.
Como era esperado, na Califórnia os dois
líderes adotaram um tom conciliatório. Xi disse que o planeta era grande o
bastante para Estados Unidos e China e que os dois países, mesmo distintos,
devem ser capazes de superar as diferenças. Biden ressaltou a importância de
não deixar a concorrência se transformar em conflito.
Do ponto de vista prático, o maior avanço foi
a retomada dos canais de comunicação entre militares, rompidos pela China
depois da visita da então presidente da Câmara dos Estados Unidos, Nancy
Pelosi, a Taiwan em agosto de 2022. A impossibilidade de contato gerava
inquietação. Caças chineses têm voado a poucos metros de aviões de
reconhecimento americanos no Mar da China. O maior temor era uma eventual
colisão que acabasse tomando maiores proporções por falta de comunicação.
Biden e Xi não chegaram a nenhum acordo sobre
as questões mais espinhosas, mas isso era previsível. A respeito de Taiwan, o
líder americano mencionou o aumento da atividade militar chinesa perto da ilha.
Xi questionou os Estados Unidos por venderem mais armas aos taiwaneses. Há
preocupação com as eleições em Taiwan e nos Estados Unidos e a possibilidade de
os vencedores criarem uma situação que leve a um conflito militar.
Xi reclamou da decisão americana de bloquear
a venda de chips de alta tecnologia à China. O objetivo, disse ele, é diminuir
a competitividade industrial de seu país. Biden contestou dizendo que não daria
aos chineses nenhuma tecnologia que pudesse ser usada para fins militares.
Também não houve avanço na discussão para proibir o uso de inteligência
artificial nos sistemas de comando de arsenais atômicos. Nesse, como noutros
pontos, ficou acertado que representantes de ambos os países continuarão
conversando.
Depois do encontro, Biden criou uma rusga diplomática com os chineses ao voltar a chamar Xi de “ditador”. Nada que o diálogo agora restabelecido não possa consertar. Oxalá ele abra um novo capítulo na relação estremecida entre as duas potências.
Não cai, mas balança
Folha de S. Paulo
Meta de déficit zero em 2024 é mantida, mas
Lula segue sem inspirar confiança
O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
enfim anunciou que não vai
solicitar ou patrocinar mudança do objetivo de equilibrar receitas e despesas no
próximo ano. Ao fazê-lo, teve o desplante de negar que tenha havido discussões
sobre a alteração da meta fiscal ou que o presidente da República tenha
levantado tal hipótese.
No entanto a confirmação da meta de déficit
zero sobreveio quase três semanas depois de Lula ter dito
em público que não cortaria investimentos a fim de cumprir o
limite estabelecido no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
Ademais, pouco depois do anúncio tardio
soube-se que o compromisso dependeria de uma nova interpretação da legislação
fiscal.
Conforme a leitura governista, seria preciso
respeitar o aumento mínimo de despesas, de 0,6% acima da inflação por ano,
estabelecido na regra que substituiu o teto constitucional de gastos.
Dessa forma, pretende-se escapar de um
bloqueio orçamentário estimado em mais de R$ 50 bilhões logo no início do ano
—uma necessidade diante da elevada incerteza em relação às receitas. Calcula-se
agora que o montante pode ser reduzido a menos da metade.
Além disso, não foi descartada oficialmente a
mudança da meta em março de 2024, quando ocorre a primeira revisão oficial das
estimativas de arrecadação.
Dado o contexto do debate, está longe de
parecer pacificada no governo petista a noção de que é preciso rapidez na
redução do déficit orçamentário e na contenção da escalada da dívida pública.
Desde sempre, a Casa Civil e o PT contestam o
objetivo de déficit zero já em 2024, e a frustração com as receitas neste ano
reavivou a campanha. Segundo esta visão, seria imprudência política cortar
gastos, com danos ao crescimento imediato do PIB, à imagem de Lula e às chances
do PT e de aliados do governo nas eleições municipais.
Não será surpresa, assim, se a reafirmação do
déficit zero se mostrar apenas uma tentativa de dar mais chances ao ministro
Fernando Haddad, da Fazenda, de conseguir do Congresso a aprovação de leis que
permitam o desejado aumento exorbitante da arrecadação.
Mas caso isso não seja conseguido, como o
próprio presidente já considerou provável, não se vê disposição para um ajuste
na despesa.
Há indícios, pois, de que a meta continua sob
risco elevado. Dada tal incerteza, os benefícios de um programa fiscal mais
rigoroso são diminuídos. Com
expectativas abaladas, a queda das taxas de juros será menor, por
exemplo.
Melhor, claro, que a meta sobreviva por ora.
No entanto o reequilíbrio do Orçamento não será obtido de modo duradouro sem
reformas que Lula continua rechaçando.
Ética togada
Folha de S. Paulo
Suprema Corte dos EUA adota código de
conduta, exemplo a ser seguido por aqui
A Suprema Corte dos EUA publicou um
código de conduta para orientar a atividade de seus membros. É a
primeira vez que a entidade adota esse tipo de norma, que já é prática
recorrente nas demais instâncias do Judiciário americano. Trata-se de exemplo a
ser observado com atenção no Brasil.
Segundo o texto, pretende-se dissipar a ideia
de que a falta de um código continue a levar "ao entendimento equivocado
de que os juízes da corte, ao contrário de todos os outros juristas no país,
consideram-se sem restrições em relação a qualquer norma ética".
Restringir recebimento e proibir solicitação
de presentes são algumas das regras adotadas. Apesar de não estipular como
serão feitas a fiscalização e a punição, a medida ainda se mostra necessária
dados os casos controversos recentes.
Os magistrados Samuel Alito e Clarence Thomas
foram criticados por viagens luxuosas na companhia de empresários. O segundo
passou férias repetidas vezes com Harlan Crow, um bilionário doador
do Partido Republicano.
A norma proíbe ainda que relações familiares,
políticas e financeiras influenciem os julgamentos. O juiz Neil Gorsuch foi
repreendido por não divulgar que havia vendido uma casa para o líder de um
grande escritório de advocacia, e a juíza Sonia Sotomayor foi acusada de
envolver funcionários da corte na venda de seus livros.
Exemplos como esses fizeram com que a corte,
mesmo com profundas divisões ideológicas, adotasse de modo unânime o código.
Já o Brasil caminha em sentido oposto. Após
debater uma proposta de resolução que controlaria a participação de magistrados
em eventos patrocinados por entidades privadas, o Conselho Nacional de Justiça
rejeitou a iniciativa.
Apesar das hipóteses legais de suspeição e
impedimento, nota-se opulência recorrente em atividades da elite judiciária
brasileira.
Em outubro, o ministro Luís Roberto Barroso,
do Supremo Tribunal Federal, e membros do CNJ participaram de um encontro em
resort de luxo na Bahia. Neste mês, evento num hotel suntuoso em Minhas Gerais
foi bancado em
parte com recursos públicos do Tribunal Regional Federal da 6ª Região.
Não basta que juízes sejam éticos —precisam parecer éticos. Ostentação e proximidade excessiva com agentes privados não combinam com a sobriedade e a imparcialidade que deveriam nortear a atuação do Judiciário.
A exceção que é regra
O Estado de S. Paulo
Privilégios embutidos na reforma tributária são a regra no Brasil. O Estado negligencia os mais vulneráveis.
Durante a tramitação da reforma tributária na
Câmara dos Deputados e no Senado, foram criadas várias exceções no texto. É de
lamentar que, para aprovar um novo marco jurídico absolutamente benéfico para o
País – e assim pôr abaixo o sistema vigente que todos concordam que é
prejudicial ao desenvolvimento social e econômico –, tenha sido necessário
oferecer tantas benesses e privilégios a determinados grupos politicamente
organizados. Perante tais exceções, que impactam diretamente a arrecadação, a
alíquota básica do IVA terá de ser maior. Ou seja, todos terão de pagar um
pouco mais para que alguns possam pagar um pouco (ou muito) menos.
É de lamentar, mas a rigor tal situação não
deve causar estranheza. Esses privilégios não ocorrem apenas quando tramita uma
reforma tributária. Nesse caso, tudo fica mais explícito. No entanto, tais
exceções não são de forma nenhuma excepcionais. Trata-se do mais habitual
funcionamento do Estado brasileiro, que é continuamente capturado por
interesses de grupos politicamente organizados.
Isso não significa, por óbvio, amenizar a
gravidade das exceções da reforma tributária. É antes o contrário. Trata-se de
mostrar que o problema é mais grave, mais disseminado e mais tolerado. Tem-se
um regime democrático, onde todos os membros do Congresso são eleitos pelo
voto, e mesmo assim as decisões legislativas são frequentemente contrárias aos
interesses da maioria. Na prática, elas estão orientadas a preservar e a
proteger os interesses de alguns poucos.
Nessa dinâmica de privilégios, verifica-se um
fator especialmente inusitado. Apesar de todas as exceções introduzidas no
texto da reforma tributária, houve setores e grupos beneficiados pelas emendas
que se consideraram prejudicados e não atendidos em suas demandas. Eles
continuaram reclamando do texto da reforma. Tanto é assim que, mesmo depois de
conseguirem aprovar suas emendas instituindo novos privilégios, alguns
parlamentares votaram contra a reforma.
Há uma distorção de percepção: privilegiados
são os outros; as demandas próprias seriam sempre justas e necessárias. Com
isso, não apenas se instaura, mas se legitima o “país da meia-entrada” ou a
“democracia da meia-entrada”, expressões cunhadas pelos economistas Marcos
Lisboa e Zeina Latif. Todo mundo tenta obter algum tratamento mais benéfico que
o concedido ao público em geral. Todo mundo quer um Estado para chamar de seu.
É um grave equívoco transformar o regime
democrático em meio de obter vantagens individuais, como se o exercício dos
direitos políticos fosse uma espécie de batalha contínua para conquistar novos
benefícios, novas boquinhas, novas “meias-entradas”. Tal modo de proceder viola
o princípio republicano da igualdade de todos perante a lei. Fica parecendo que
o objetivo da lei é criar distinções entre os indivíduos e perpetuar
privilégios. Ora, é precisamente o oposto.
Esse modo de atuar, em defesa exclusivamente
do interesse próprio, é profundamente disfuncional. Entre os objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil definidos na Constituição estão
“construir uma sociedade livre, justa e solidária”, “erradicar a pobreza e a
marginalização” e “reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Ou seja, não
é função do Estado ampliar desigualdades. Isso é inconstitucional. No entanto,
se quem tem mais voz no espaço público e mais capacidade de articulação política
usa continuamente sua posição de privilégio para obter mais privilégios, o
regime democrático fracassa em seus objetivos primários.
Trata-se de um problema sério, que não pode
ficar oculto nem ser aceito como algo normal. Quem tem menos voz na política é,
em geral, quem mais precisa do poder público, por estar em situação mais
vulnerável. Esses grupos, portanto, não perdem somente quando se aprovam
exceções na reforma tributária. Eles perdem todos os dias, continuamente. O
verdadeiramente excepcional é que consigam uma proteção minimamente eficaz de
sua dignidade e de seus direitos. Tornar isso habitual é a principal eficiência
da máquina pública a ser buscada.
A opacidade do ‘novo’ IBGE
O Estado de S. Paulo
Pochmann demonstra apreço pelo modelo chinês
de gestão de estatísticas, conhecido pela manipulação, e menosprezo pelo
escrutínio da imprensa. Quem o nomeou sabia o que estava fazendo
O Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) é o mais importante provedor de dados do País. Produz uma
infinidade de pesquisas com informações censitárias, ambientais, econômicas,
geocientíficas e sociais que traçam com precisão o retrato do Brasil. Segue,
para isso, um Código de Boas Práticas, baseado em critérios certificados
internacionalmente, que classifica as estatísticas como um bem público que tem
na credibilidade a premissa fundamental para o exercício da cidadania.
A divulgação dos dados estatísticos
produzidos pelo IBGE segue um ritual há muito conhecido pela imprensa, com
entrevistas coletivas nas quais os técnicos detalham cálculos, estratificam
resultados, cruzam informações, elaboram comparações e tentam dirimir todas as
dúvidas que surgem. Apenas se recusam a fazer exercícios de futurologia ou
avaliar de forma pessoal os resultados. A regra básica é limitar a apresentação
ao que mostram os números, de forma estritamente técnica.
Apesar de todo o rigor, o atual presidente do
IBGE, Marcio Pochmann, está descontente. Em cerimônia interna no dia 24 de
outubro, para empossar Daniel Castro como coordenador-geral do Centro de
Documentação e Disseminação de Informações (CDDI), informou que o estatuto do
IBGE vai mudar para incorporar a coordenação de Comunicação Social, antes
autônoma, ao CDDI. Como primeira consequência, pretende eliminar as entrevistas
coletivas. Trata-se de evidente intenção de evitar o contraditório.
Para que não restassem dúvidas, apesar de seu
discurso pouco assertivo e marcado pela tergiversação e pela linguagem trôpega,
em determinado momento Pochmann afirmou que “a comunicação do passado” era
aquela em que o IBGE divulgava os dados “através dos meios de comunicação
tradicionais”. Segundo ele, “isso ficou para trás”, pois “hoje cada um de nós
tem a capacidade de comunicação”, provavelmente referindose às redes sociais.
Daniel Castro, por sua vez, disse na cerimônia que o grande desafio do IBGE “é
chegar na dona Maria diretamente”. Ao que parece, a intenção é difundir
informações diretamente ao público nessas redes, sem o filtro crítico e técnico
dos jornalistas.
Não será surpresa se, nessa comunicação
direta, sem o contraditório, o IBGE se preste a transformar estatísticas em
material de campanha eleitoral em favor do PT e do presidente Lula da Silva.
Foi exatamente o que fez Pochmann em 2009 quando, no comando do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), produziu comunicados supostamente técnicos
para alimentar os discursos de campanha da petista Dilma Rousseff à Presidência
da República. Um desses comunicados, a título de defender a contratação de mais
servidores, asseverava que a produtividade do setor público cresceu mais do que
a do setor privado no governo Lula; noutro, criticava a privatização dos bancos
estaduais.
Ainda que nada disso aconteça, é perturbador
quando o chefe do IBGE manifesta admiração pelo instituto de estatística da
China, como fez em seu pronunciamento. Ora, se há algo que a China pode
ensinar, é que ditaduras são muito zelosas quando se trata de manipulação de
estatísticas. Em agosto passado, por exemplo, o governo chinês suspendeu a
divulgação de dados de desemprego juvenil depois que o número bateu recordes
por meses consecutivos. Esse “modelo chinês” foi reproduzido na Argentina dos
“companheiros” Néstor e Cristina Kirchner, cujos governos manipularam
escandalosamente os índices da inflação galopante e da pobreza crescente. O
resultado foi uma brutal perda de credibilidade das informações oficiais.
Ninguém pode se dizer surpreendido. Pochmann
é antes de tudo um quadro do PT, indicado por Lula da Silva ao IBGE não por
suas qualidades como economista, que são desconhecidas, e sim em razão de sua
fidelidade canina ao lulopetismo. Quem o colocou lá sabe bem o que fez.
Vitória do terrorismo
O Estado de S. Paulo
Quando afinal se pronunciou sobre a guerra
Israel-Hamas, o Conselho de Segurança da ONU foi pífio
Se pretendia demonstrar ao mundo ainda ser
capaz de superar suas rivalidades internas para se posicionar sobre um conflito
em curso – que, afinal, é sua razão de existir –, o Conselho de Segurança da
ONU fez o exato oposto no último dia 15. Ao aprovar a inócua Resolução 2.712, a
primeira desde o início da guerra entre Israel e o Hamas, a maioria de seus
integrantes concordou subliminarmente em não responsabilizar o grupo terrorista
Hamas por seu hediondo massacre em solo israelense no início de outubro. Não há
no texto uma única palavra de condenação do ato de terror que motivou a reação
militar de Israel na Faixa de Gaza. Ao poupar o agressor, a resolução não vale
o papel em que está escrita.
A resolução é minimalista. Os membros
permanentes do Conselho de Segurança recuaram em questões antes vistas como
basilares – o cessar-fogo, antes exigido pela Rússia, e a condenação ao Hamas e
o direito de defesa de Israel, caros aos Estados Unidos – para concentrar-se no
grave contexto humanitário vivido na Faixa de Gaza desde outubro. O texto
evidentemente responde ao clamor da comunidade internacional e da opinião
pública diante dos milhares de mortos, da escassez de bens essenciais à vida,
da migração forçada, da precária assistência médica e da destruição de
infraestrutura no enclave palestino.
Entretanto, a linguagem adotada traiu seus
próprios objetivos. O texto nada “exige” de ambos os lados conflagrados. Apenas
“solicita” a adoção de pausas no conflito e a criação de corredores para o
acesso da ajuda à população. Seja para imprimir isonomia ou para amenizar
reações, pede a “imediata e incondicional” libertação dos 240 reféns mantidos
nas masmorras do Hamas – como se qualquer grupo terrorista acatasse decisões do
Conselho. Não poderia ser mais insosso.
A iniciativa, porém, emitiu sinais
contraditórios sobre o direito de defesa, assegurado pela Carta das Nações
Unidas a qualquer Estado nacional quando atacado. Não é de hoje. O mesmo
Conselho de Segurança provou-se até o momento incapaz de condenar a Rússia por
sua invasão à Ucrânia em fevereiro de 2022. Sua dinâmica, assentada no direito
ao veto dos membros permanentes (a Rússia é um deles), está no centro do
esvaziamento de seu poder. Agora, porém, optou por uma frágil resolução sobre
ajuda humanitária que, indisfarçavelmente, cunha o agredido como agressor e
ignora a responsabilidade de quem começou a guerra. Ou seja, o Hamas, que
deveria ser alvo de reprovação mundial, sobretudo no âmbito da ONU, conseguiu
não só desmoralizar Israel, como também o todo-poderoso Conselho de Segurança.
O terrorismo triunfou.
A aprovação de uma resolução imperativa sobre a crise humanitária, com clara condenação ao Hamas, teria imenso valor inclusive para a mitigação do sofrimento da população civil da Faixa de Gaza e a perspectiva de cessar-fogo. O texto possível, entretanto, não fez mais do que alertar o mundo de que o órgão criado depois da 2.ª Guerra para ser a polícia do mundo pouco tem a contribuir.
Deficit zero e a expectativa para 2024
Correio Braziliense
O centro das atenções políticas e econômicas
na próxima semana será a aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias, que
estabelece as regras para a elaboração do Orçamento de 2024
O centro das atenções políticas e econômicas
na próxima semana será a aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias, que
estabelece as regras para a elaboração do Orçamento de 2024. Por que isso é tão
importante? Porque é a ancoragem das expectativas econômicas e políticas em
relação ao governo Lula, passado o período de boa vontade do mercado e da
opinião pública diante do que ocorreu em 8 de janeiro, quando tentou-se um
golpe de Estado para destituir o governo que tomara posse.
O ex-presidente Jair Bolsonaro, com seus
direitos políticos cassados, apesar de manter grande influência, deixou de ser
uma ameaça. O apoio por gravidade ao governo Lula de parte do centro
democrático perdeu sua força de inércia. Cobra-se, agora, resultados do novo
governo. Em relação à economia, isso ocorre em dois níveis: primeiro, no âmbito
da grande massa empobrecida do país, que é a base eleitoral mais resiliente do
presidente; segundo, no mercado propriamente dito, os atores da economia
formal, principalmente os produtivos, que desejam investimentos, sobretudo em
infraestrutura.
A política de deficit zero, núcleo da chamada
âncora fiscal do governo, é um consenso entre as forças políticas que apoiam o
governo e os agentes econômicos, com exceção do PT. Sem esse objetivo, haverá
um desencontro político que pode trazer grandes prejuízos para a economia e
perda de credibilidade do governo, por mudar regras do jogo que haviam sido
pactuadas na tumultuada transição e que, com toda certeza, garantiram a
estabilidade das nossas instituições democráticas.
O projeto com as diretrizes para 2024 ainda
precisa ser votado por deputados e senadores na Comissão Mista de Orçamento
(CMO). Já está atrasado, deveria ter sido aprovado em 5 de julho, mas foi
adiado em razão da aprovação da reforma tributária e outras medidas que visam a
elevação da arrecadação para que o deficit zero possa ser alcançado sem cortes
de despesas nem investimentos.
O relator do texto, deputado Danilo Forte
(União/CE), argumenta que o atraso ocorreu "para dar a oportunidade para o
governo federal realizar o convencimento acerca das propostas da equipe
econômica". Entretanto, a meta de deficit zero não tem apoio pleno do
governo, enfrenta resistência do PT. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
ganhou a queda de braço com o ministro da Casa Civil, Rui Costa, mas precisa
provar que a arrecadação será suficiente para bancar as despesas até março.
Vice-líder do governo na Câmara, o deputado
Lindbergh Farias (PT-RJ) abriu as baterias contra Haddad, critica-o
publicamente e apresentou emenda à LDO na qual propõe um deficit de 0,75% a 1%
do PIB. É o caso de perguntar: por que não cortar 1% das despesas do governo?
Qual seria o seu impacto na qualidade e na produtividade das políticas
públicas? Com toda certeza, seria positivo. Espanta a recusa a se discutir essa
possibilidade.
É notória a convergência entre o Congresso, o
governo federal e o Judiciário para aumentar despesas. Haja vista, por exemplo,
a farra com passagens aéreas nos ministérios, como foi o caso dos Direitos
Humanos, que pagou a passagem da esposa de um traficante para participar de
reuniões na Esplanada; a proposta dos líderes da Câmara de aumento do fundo
eleitoral de 2024 de R$ 2 bilhões para R$ 5 bi; e a decisão do Conselho de
Nacional de Justiça que reduz o trabalho de juízes federais para três dias na
semana e renumera extraordInariamente as atividades que os obrigarem a
trabalhar mais do que isso.
São três fatos recentes que ilustram a despreocupação com a austeridade no gasto de recursos públicos. O presidente Lula tem duas prioridades claras no seu governo: as políticas com foco na população de baixa renda e a retomada do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). É perfeitamente possível cortar 1% das despesas do governo sem mexer nisso. Como? De duas maneiras: ou bem os gestores cortam gastos desnecessários da área meio ou, se não forem capazes, a própria equipe econômica contingencia 1% das verbas do ministério incapaz de fazê-lo. Se o governo optasse por esse caminho, já estaria fortemente ancorado nas boas expectativas econômicas e políticas.
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