Folha de S. Paulo
Mundo político diz que decretaço é
inconstitucional; presidente sofre de síndrome de Collor
A maioria do Congresso da Argentina promete
derrubar o decretaço liberal de Javier Milei,
anunciado na noite de quarta-feira (20).
Há muito parlamentar que concorda com alguns
dos 366
artigos do pacotão baixado pelo novo governo, mas a gritaria é quase geral
contra o método: um DNU (Decreto de Necessidade e Urgência), que tem validade
quase imediata, bem parecido com as medidas provisórias aqui no Brasil.
Em dez dias de governo, Milei detonou uma
crise constitucional, mas não está nem aí. Para surpresa de ninguém, atropelou
o Congresso. De resto, prometeu para esta sexta-feira um pacote de medidas de
reforma do Estado.
O DNU de Milei tem o objetivo declarado de
desregulamentar e liberalizar a economia argentina, de fato o império da
intervenção estatal aloprada, ineficiente, clientelista e o defeito que se
quiser imaginar. Muitos políticos argentinos dizem que concordam com parte das
mudanças, desde que possam aprovar apenas o que jugam razoável.
Certos governadores até aceitam engolir inteiro o sapo autoritário, em nome da "governabilidade" (e de algum dindim); outros estão fulos porque, um dia antes do anúncio do decreto, estiveram todos em reunião com Milei, que não tratou do assunto.
Em termos de civilidade, maneiras e métodos
democráticos, o pacote não é razoável, para dizer o menos.
Por exemplo, o pacotão muda a legislação
trabalhista de uma penada, assim como modifica a regulação do aluguel e
encaminha privatizações.
Mais impressionante ainda, contém um artigo
que, na prática, torna secundário ou obsoleto o Código Civil e Comercial
(valeria "o acordado sobre o legislado" também nisso), dizem
comentaristas argentinos. Abre um caminho para ampliar a dolarização
(oficializa contratos puramente em dólar).
Quase todos os peronistas, mesmo os
não-kirchneristas, se opõem ao pacotão. Nos partidos do bloco rachado da
centro-direita, "Juntos por el Cambio" (JxC), a maioria quer derrubar
o DNU e pede ao menos que Milei mande ao Congresso o que no Brasil chamamos de
leis que tramitem em regime de urgência.
Do JxC, a União Cívica Radical (UCR) vai se
opor ao decretaço, assim como parte do dividido PRO do ex-presidente Mauricio
Macri (2015-2019) e de Patricia Bullrich, candidata a presidente derrotada na
eleição de novembro e ministra da Segurança de Milei.
Macri fez um elogio derramado, baboso, ao
decreto. O comando da equipe econômica de Milei trabalhou no governo Macri. O
autor intelectual do pacote, Federico Sturzenegger, também, além de ter sido um
dos principais assessores econômicos da campanha derrotada de Bullrich.
Os blocos políticos que criticam o porretaço
legiferante formam maioria mais do que suficiente contra Milei, tanto na Câmara
como no Senado. "La Libertad Avanza", o partido do presidente, tem
apenas 37 dos 257 deputados da Câmara.
A constitucionalidade de um DNU tem de ser
apreciada por uma comissão mista de oito deputados e oito senadores. Em dez
dias, devem decidir se a medida será encaminhada aos plenários. Caso possa
tramitar, o DNU não pode ser emendado ou aprovado por partes. Será rejeitado em
bloco se cair em votações independentes de Câmara e Senado. Aprovado numa das
casas, vale.
Além da revolta política contra o pacotão, já
há e haverá muito mais tentativas de derrubar o DNU Justiça, em particular por
parte das centrais sindicais, que também perderão dinheiro e poder caso o
decretaço de Milei entre em vigor. Movimentos sociais peronistas-kirchneristas,
sindicalistas e a esquerda mais independente prometem manifestações para a
semana que vem.
A síndrome de Collor volta a afetar o também
perturbado Milei.
Um comentário:
Chorem por nós,brasileiros.
Postar um comentário