terça-feira, 16 de janeiro de 2024

Carlos Andreazza - Os equadores do Brasil

O Globo

O bonde passou. Faz tempo. O do Brasil que pode se tornar um Equador; se não se prevenir. O do Brasil que se tornará, se não agir. Alô! Já é. Já era. Equadorizado está. (Ou brasileirado estará o Equador?) Anestesiados estamos? Observando o que ocorre lá como se possibilidade para cá. Ora. Em largas e crescentes porções de seu território, este país tem — e cultiva — equadores. Quantos há — havendo também no Norte e no Nordeste — apenas no Rio de Janeiro?

Exemplo. Outubro de 2023. A operação da Polícia Civil que matou miliciano na Zona Oeste, aquela guayaquil. O Estado que entra, age — e tem de sair. Que entra e depois corre; porque, desprovido de meios para permanecer, ousou pisar em área que tem dono. O Estado que admite, em sua ação, não poder ficar. Que reconhece não ser completamente Estado. Que reconhece um estado outro.

Ao sair: o caos. O convite — sai a Civil, ausente a Militar — para o caos; para a reafirmação de quem manda. Não há vácuo. A narcomilícia à vontade para tocar o terror, destruir ônibus, fechar a Avenida Brasil — interditar o direito de ir e vir. Toque de recolher. Equador. Aqui. Hoje. Não amanhã nem talvez.

Criminoso toma dinheiro de construtora para liberar obras públicas há mais de década. Pelo menos. (Refiro-me àqueles da ordem dos sem colarinho branco.) Não raro trabalhadores abandonam canteiros porque, ameaçados pelos senhores do lugar, não têm segurança. A manicure que não atende em casa sem pagar extorsão ao proprietário do pedaço; onde concessionária de serviço público não consegue consertar poste porque não autorizada. Há Estado. O paralelo. Não há direito.

O Brasil pode virar Equador? Lá o cidadão anda pelas ruas apressadamente e olhando para os lados...

A liberdade para o desenvolvimento das organizações criminosas produziu o traficante que vende gás e internet e o miliciano que comercia pó; propiciou intercâmbios, sociedades e guerras entre grupos; infiltrou representantes em parlamentos; estimulou expansões e desenvolvimentos para outras regiões do país; e fomentou a constituição de empresas multinacionais do negócio de armas e drogas.

Os cartéis do México estão neste equador aqui; também nos equadores de nossos terminais portuários. O Rio Solimões tem donos. Os cárceres de Alcaçuz, donos. A fronteira com o Paraguai, donos.

Ouve-se sobre o chefão criminoso equatoriano que comanda os negócios desde o presídio. Grava até clipe. Duvido que a rede de internet dele — o sinal de telefone — seja melhor que a do traficante-miliciano preso em Bangu. O preso ascende na hierarquia de comando do crime. O preso. Tem internet — até para deliberações, em videoconferência, sobre quem morrerá do lado de fora — e segurança. Manda. Trabalha à vontade e cresce. Vira ou se mantém líder. Desde a cadeia.

Se quiser sair, pode fazer como o Abelha. Que saiu do presídio, pela porta da frente, com alvará de soltura falso, não sem cumprimentar o então secretário de Administração Penitenciária de Cláudio Castro — o governador do Rio que tira férias no verão e fora do estado; e que volta no susto, para não se afogar. Chuvas e enchentes também de imposturas. Tudo previsível.

O Abelha tendo voado — não que não estivesse em colmeia confortável — sob a desculpa-padrão, a do erro de comunicação entre sistemas, de um estado cuja bagunça se expressa na coexistência amontoada-improvisada das secretarias de Segurança Pública, Polícia Militar e Polícia Civil.

Este equador não haveria sem que nas instituições vastas porções estivessem tomadas. Com juízes e desembargadores plantonistas disparando liminares para soltar criminosos graúdos. Com cassino, sociedade entre bicheiro e miliciano, funcionando invisível nas quebras do mar, enquanto a polícia faz operação fake para derrubar os de mentira cujas máquinas inoperantes teriam a sucata por destino — de real, somente o Estado que serve de transportadora de lixo para o crime.

O presidente do Equador disse — sem ter dúvida — o que aqui neste equador eleito nenhum teria coragem:

— Os juízes e promotores que estejam com os delinquentes também serão considerados parte do terrorismo.

Aqui, antes de tudo, viria a reação corporativista.

O assassinato dos médicos na beira da praia — porque um deles fora confundido com miliciano — expressa que o equador brasileiro já está, e não de repente, na orla da Barra da Tijuca; que aquele pedaço nobre também tem dono, se isso ainda não tivesse ficado evidente no caso da tortura e morte, num quiosque (que tem dono), de Moïse Kabagambe.

 

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