O Globo
O bonde passou. Faz tempo. O do Brasil que
pode se tornar um Equador; se não se prevenir. O do Brasil que se tornará, se
não agir. Alô! Já é. Já era. Equadorizado está. (Ou brasileirado estará o
Equador?) Anestesiados estamos? Observando o que ocorre lá como se
possibilidade para cá. Ora. Em largas e crescentes porções de seu território,
este país tem — e cultiva — equadores. Quantos há — havendo também no Norte e
no Nordeste — apenas no Rio de Janeiro?
Exemplo. Outubro de 2023. A operação da Polícia Civil que matou miliciano na Zona Oeste, aquela guayaquil. O Estado que entra, age — e tem de sair. Que entra e depois corre; porque, desprovido de meios para permanecer, ousou pisar em área que tem dono. O Estado que admite, em sua ação, não poder ficar. Que reconhece não ser completamente Estado. Que reconhece um estado outro.
Ao sair: o caos. O convite — sai a Civil,
ausente a Militar — para o caos; para a reafirmação de quem manda. Não há
vácuo. A narcomilícia à vontade para tocar o terror, destruir ônibus, fechar a
Avenida Brasil — interditar o direito de ir e vir. Toque de recolher. Equador.
Aqui. Hoje. Não amanhã nem talvez.
Criminoso toma dinheiro de construtora para
liberar obras públicas há mais de década. Pelo menos. (Refiro-me àqueles da
ordem dos sem colarinho branco.) Não raro trabalhadores abandonam canteiros
porque, ameaçados pelos senhores do lugar, não têm segurança. A manicure que
não atende em casa sem pagar extorsão ao proprietário do pedaço; onde
concessionária de serviço público não consegue consertar poste porque não
autorizada. Há Estado. O paralelo. Não há direito.
O Brasil pode virar Equador? Lá o cidadão
anda pelas ruas apressadamente e olhando para os lados...
A liberdade para o desenvolvimento das
organizações criminosas produziu o traficante que vende gás e internet e o
miliciano que comercia pó; propiciou intercâmbios, sociedades e guerras entre
grupos; infiltrou representantes em parlamentos; estimulou expansões e
desenvolvimentos para outras regiões do país; e fomentou a constituição de
empresas multinacionais do negócio de armas e drogas.
Os cartéis do México estão neste equador
aqui; também nos equadores de nossos terminais portuários. O Rio Solimões tem
donos. Os cárceres de Alcaçuz, donos. A fronteira com o Paraguai, donos.
Ouve-se sobre o chefão criminoso equatoriano
que comanda os negócios desde o presídio. Grava até clipe. Duvido que a rede de
internet dele — o sinal de telefone — seja melhor que a do traficante-miliciano
preso em Bangu. O preso ascende na hierarquia de comando do crime. O preso. Tem
internet — até para deliberações, em videoconferência, sobre quem morrerá do
lado de fora — e segurança. Manda. Trabalha à vontade e cresce. Vira ou se
mantém líder. Desde a cadeia.
Se quiser sair, pode fazer como o Abelha. Que
saiu do presídio, pela porta da frente, com alvará de soltura falso, não sem
cumprimentar o então secretário de Administração Penitenciária de Cláudio
Castro — o governador do Rio que tira férias no verão e fora do estado; e que
volta no susto, para não se afogar. Chuvas e enchentes também de imposturas.
Tudo previsível.
O Abelha tendo voado — não que não estivesse
em colmeia confortável — sob a desculpa-padrão, a do erro de comunicação entre
sistemas, de um estado cuja bagunça se expressa na coexistência
amontoada-improvisada das secretarias de Segurança Pública, Polícia Militar e
Polícia Civil.
Este equador não haveria sem que nas
instituições vastas porções estivessem tomadas. Com juízes e desembargadores
plantonistas disparando liminares para soltar criminosos graúdos. Com cassino,
sociedade entre bicheiro e miliciano, funcionando invisível nas quebras do mar,
enquanto a polícia faz operação fake para derrubar os de mentira cujas máquinas
inoperantes teriam a sucata por destino — de real, somente o Estado que serve
de transportadora de lixo para o crime.
O presidente do Equador disse — sem ter
dúvida — o que aqui neste equador eleito nenhum teria coragem:
— Os juízes e promotores que estejam com os
delinquentes também serão considerados parte do terrorismo.
Aqui, antes de tudo, viria a reação
corporativista.
O assassinato dos médicos na beira da praia —
porque um deles fora confundido com miliciano — expressa que o equador
brasileiro já está, e não de repente, na orla da Barra da Tijuca; que aquele
pedaço nobre também tem dono, se isso ainda não tivesse ficado evidente no caso
da tortura e morte, num quiosque (que tem dono), de Moïse Kabagambe.
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