terça-feira, 16 de janeiro de 2024

Rana Foroohar* - EUA têm de falar claro sobre comércio

Valor Econômico

Casa Branca não conseguirá vender sua abordagem ao resto do mundo a menos que explique melhor como as políticas comerciais de Biden diferem das de Trump

A política comercial é o ponto mais importante dos dois grupos de interesse favoritos de Joe Biden - os trabalhadores americanos e os aliados dos EUA. Consideremos a declaração recente sobre a oferta da gigante japonesa Nippon Steel pela US Steel, feita pela principal assessora econômica do presidente, Lael Brainard.

Ela disse que embora Biden dê boas-vindas a “fabricantes do mundo todo que constroem o seu futuro na América, com empregos e trabalhadores americanos, ele também acredita que a compra dessa emblemática companhia por uma entidade estrangeira - mesmo sendo ela de um aliado próximo -, parece merecer um escrutínio sério em termos de seu possível impacto na segurança nacional e na confiabilidade da cadeia de abastecimento”.

A tradução é: sim, dissemos a aliados como o Japão que queremos mantê-los mais próximos enquanto tentamos nos dissociar da China em áreas estratégicas como o aço, chips e veículos elétricos. Mas continuamos preocupados que eles trabalhem com a China, deem preferência à sua própria produção local, ou mudem empregos siderúrgicos para Estados de baixos salários e onde a organização sindical é mais difícil. E isso fará com que o presidente fique mal, no momento em que Donald Trump está prestes a começar a fazer campanha enfatizando a política comercial linha dura da “América em primeiro lugar”.

Estas são preocupações legítimas. Robert Lighthizer, o ex-representante comercial dos EUA no governo Trump, que provavelmente serviria novamente se o republicano fosse reeleito, já esteve na Fox News condenando o negócio. Lighthizer pressionou com sucesso o Japão para limitar as exportações de aço, automóveis e outros bens quando foi vice-secretário do Comércio do governo Reagan. Agora, ele está articulando um ponto com o qual muitos da esquerda e nas organizações trabalhistas concordariam. Há uma assimetria entre a política de livre comércio laissez-faire, que pressupõe condições de concorrência equitativas, sem subsídios ou interesses de segurança nacional, e as economias estatizadas, que assumem exatamente o oposto.

Ao contrário da China, o Japão não é administrado pelo Estado. Mas, de certa forma, representa um desafio mais complexo para as autoridades reguladoras da Comissão de Investimentos Estrangeiros nos Estados Unidos (Cfius, na sigla em inglês), que vão analisar o negócio. O Japão é um aliado. Mas a Nippon, assim como muitas companhias de aliados dos EUA, possui algumas operações subsidiárias na China. Isso levanta a questão de até que ponto os aliados precisam seguir a linha de política de Washington com Pequim para fazer negócios nos EUA em setores estratégicos.

Além disso, embora o Japão não seja ostensivamente uma economia de livre mercado, seu sistema “keiretsu” de interligação da propriedade acionária corporativa e das relações comerciais (que pende a favor dos concorrentes nacionais), representa um desafio. O atual governo dos EUA está comprometido, sob as disposições da cláusula 232 da Lei de Expansão Comercial, a aumentar a produção interna de aço no longo prazo. Será que uma empresa multinacional na Ásia pode realmente ter a garantia de fazer isso? Se houver, digamos, um desastre natural ou uma guerra que interrompa as cadeias de suprimentos globais, quem teria a preferência na produção de aço da Nippon nos EUA? O Japão ou os EUA?

Biden tenta manter aliados mais próximos enquanto se dissocia da China em setores estratégicos, mas continua preocupado de que eles trabalhem com Pequim, deem preferência à produção local ou mudem empregos para áreas com baixos salários

É claro que essas questões podem ser resolvidas com acordos legais, caso a fusão seja concretizada. Mas há um problema maior em jogo. Qual é, exatamente, a política comercial do governo Biden? E como ela difere da que seria a política de Trump se ele fosse reeleito?

Os aliados dos EUA querem saber. E eles podem ser perdoados por sentirem que estão recebendo mensagens contraditórias a esse respeito. Supõe-se que o “friend-shoring” inclua os amigos, como o Japão. Mas quando se trata dos setores mais estratégicos, como o siderúrgico, talvez esse não seja o caso. Ou talvez possa ser, se uma companhia se comprometer com o trabalho sindicalizado e em não ter operações chinesas. Quem sabe? Esse é o ponto aqui - o mundo está desesperado por uma maior clareza dos EUA no comércio.

Por que isso ainda não aconteceu? Em parte devido às diferenças na forma como as autoridades veem um mundo em dissociação. Há, nos setores comercial e de segurança, quem esteja ansioso por firmar novos acordos comerciais com os aliados como uma forma de conter o poder econômico da China, especialmente na Ásia. Outros, como a representante comercial dos EUA, Katherine Tai, vêm defendendo um paradigma comercial “pós-colonial” baseado numa abordagem compartilhada do trabalho e do meio ambiente. Essa estratégia reconhece que o sistema de mercado existente simplesmente não os tem priorizado e que instituições como a OMC não foram criadas especificamente para fazer isso.

Concordo com isso, embora alguns aliados, como a União Europeia, não concordem. Eu também argumentaria que a Casa Branca não conseguirá vender a sua abordagem ao resto do mundo a menos que explique melhor como as políticas comerciais de Biden diferem das de Trump e por que elas são melhores do que as outras.

Há fortes argumentos a defender, por exemplo, de que o sistema americano de subsídios às energias limpas poderia funcionar melhor para o Sul Global do que para o mecanismo de ajuste de carbono nas fronteiras da Europa -- especialmente se a transferência de tecnologia dos EUA fosse oferecida em troca da segurança nas cadeias de abastecimento e dos recursos. Alguns mercados emergentes parecem ter comprado a abordagem “de baixo para cima e do meio para fora” do governo Biden para apoiar os trabalhadores por meio da política econômica. O vice-ministro de Investimentos, Comércio e Indústria da Malásia defendeu essa visão há poucos meses, afirmando que a abordagem tailandesa tem a possibilidade de encerrar a “corrida para o fundo” dos últimos 40 anos. Os pós-neoliberais do governo têm bons argumentos. Mas eles ainda não se saíram bem o suficiente.

Eles deveriam poder fazer isso, Ninguém pode vencer Trump em sua política da “América em primeiro lugar”. O governo Biden precisa esclarecer sua própria abordagem e mostrar por que ela é superior. (Tradução de Mário Zamarian)

*Rana Foroohar é colunista de negócios globais do Financial Times

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