terça-feira, 16 de janeiro de 2024

Dora Kramer - Cabeça de juiz

Folha de S. Paulo

Cabem aos magistrados decidirem se devem fidelidade à toga ou gratidão ao presidente

"Cabeça política", para usar expressão de Luiz Inácio da Silva, é atributo essencial aos que, como ele, exercem a Presidência da República ou quaisquer cargos em chefias no Poder Executivo. Se o governante não tiver a referida "cabeça", é caminho (mais que meio) andado para o fracasso das respectivas gestões.

Não é, como disse Lula ao anunciar o nome de Ricardo Lewandowski para o Ministério da Justiça e ao mesmo tempo celebrar, e justificar, a nomeação de Flávio Dino para o Supremo Tribunal Federal, critério exigido a magistrados. Quaisquer que sejam as instâncias de seus postos.

O predicado a eles imposto é a boa reputação aliada ao saber jurídico. E muito mais ainda se espera daqueles com direito à última palavra nas decisões de interesse da nação, muito além das conveniências do Palácio do Planalto.

Lula não lustra a biografia, mas faz o que é de sua vontade quando usa o critério da fidelidade pessoal para indicar ministros ao STF. Isso não obriga os indicados a atenderem à expectativa presidencial, cujo "sonho" confesso era ver no tribunal alguém com "experiência de deputado, de senador, de ganhar e perder eleições".

Vários dos indicados em governos do PT não atenderam. Um deles, Luiz Fux, foi alvo de admoestação pública —com ares de denúncia— porque não "matou no peito" o julgamento do mensalão como supôs o então chefe da Casa Civil, José Dirceu, em sondagem prévia à indicação.

No início do atual mandato, o presidente disse que não repetiria "erros do passado", e agora fez como quis. Cabem aos juízes fazerem as coisas ao modo constitucional, não ao molde das vontades presidenciais.

Podem se manter à altura institucional de suas funções ou podem se apequenar dando respaldo à ideia de Lula de transpor as dificuldades com o Congresso buscando facilidades no Supremo.

Tudo na vida são escolhas. Há liberdade para fazê-las. Já as consequências são inevitáveis. Para o bem e para o mal.