Valor Econômico
Cenário internacional sugere que há muito
vento soprando as brasas
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não é
o principal culpado da evidente queda de popularidade sua e do governo,
atestada por todas as pesquisas de opinião realizadas nas últimas três semanas.
Esta conta não é dele, o que agrava a sua situação, porque talvez não esteja em
suas mãos mudar o curso dos acontecimentos.
As pesquisas Genial/Quaest, Ipec e Datafolha foram realizadas depois de 25 de fevereiro, data da manifestação que teve o ex-presidente Jair Bolsonaro no palanque da avenida Paulista. O bolsonarismo mostrou-se eficiente em reengajar a sua base, em especial e acima de tudo entre os evangélicos. Frases infelizes de Lula contribuíram com o resultado, mas que não se tire o mérito da oposição em produzi-lo.
Tome-se por exemplo a pesquisa mais recente,
do Datafolha, com entrevistas feitas entre 7 e 8 de março na cidade de São
Paulo. O índice de eleitores que consideram o governo ruim ou péssimo evoluiu
de 25% para 34% (margem de erro de dois pontos percentuais). Mas no segmento
evangélico pulou de 37% para 49% (margem de erro nesta faixa de 7 p.p). Entre
os católicos, há, a rigor, estabilidade. A desaprovação foi de 23% para 28%,
dentro da margem de erro para este grupo, que é de 5 p.p. A comparação é feita
em relação à pesquisa anterior, de agosto de 2023.
Para outro pesquisador, Antonio Lavareda, do
Ipespe, há uma clara relação de causa e efeito entre o resultado nas pesquisas
e o palanque de Bolsonaro transformado em púlpito pela ex-primeira-dama
Michelle Bolsonaro e o pastor Silas Malafaia. A fuga de bandidos da
penitenciária federal de Mossoró, há exatamente um mês, abriu outro flanco na
imagem do governo na segurança pública, tema particularmente explorado pelos
bolsonaristas. A economia, para Lavareda, joga a favor e não contra o
presidente. “A aprovação ainda maior que a desaprovação que o presidente tem
está ancorada nisso. A economia joga a favor dele”, comenta.
Lavareda afirma que a notícia boa para Lula é
que a economia é um fator estrutural, ao passo que o contexto de guerra
cultural fomentado por bolsonaristas estaria ancorado em questões de
conjuntura.
O problema é que o cenário internacional,
observado em uma sequência longa de tempo, sugere que há muito vento soprando
as brasas. De Portugal à Indonésia, da Holanda a El Salvador, da Suécia às
Filipinas, da Coreia do Sul à Argentina. Em quase todos os países que
realizaram eleições nos últimos quatro anos, incluindo 2024, o raio cai sempre
no mesmo lugar. Populistas com aspectos autoritários estão sempre em viés de
alta.
Mesmo onde as opções que sugeriam risco às
instituições foram derrotadas, como nos Estados Unidos e na França, o
prognóstico é preocupante para a democracia liberal a curto e médio prazo, como
indicam as pesquisas que colocam Trump favorito. As razões dessa onda estão em
discussão. Lavareda sugere prestar atenção em três marcos: entre 2007 e 2008
ganharam corpo a crise econômica global e o surgimento das redes sociais. Em
2020 veio a pandemia. Disso resultou “uma sociedade machucada e raivosa”, nas
suas palavras.
Divulgado este ano, o Índice V-Dem, da
Universidade de Gotemburgo, na Suécia, mede esse fenômeno. O indicador ranqueia
a qualidade da democracia em 178 países, levando em consideração alternância de
poder, direitos e garantias individuais, liberdade de expressão, pesos e
contrapesos. Mais interessante do que o ranking em si é a dinâmica que
sinaliza. Segundo o levantamento de 2024, das 60 nações que realizam eleições
este ano, 31 vivem declínio democrático. Apenas 3 vivem um cenário de melhora
da qualidade democrática.
Em 2003 havia 11 países em processo de
conversão para autocracias ou com a democracia em deterioração. Em 2023 eram
42. Há 20 anos, 35 países estavam na trilha da democratização ou de
revitalização das instituições. No ano passado podia-se falar isso em relação a
18 nações.
O relatório afasta-se do viés ideológico
quando classifica como coveiros da democracia os esquerdistas Daniel Ortega, da
Nicarágua, e Nicolás Maduro, da Venezuela, e os direitistas Viktor Orbán, da
Hungria, e Nayib Bukele, de El Salvador. Não coloca nessa categoria o argentino
Javier Milei, um extremista de direita.
Um parêntese para o caso da Argentina: o
grande teste está se dando agora. O Senado rejeitou nessa quinta-feira o
Decreto de Necessidade e Urgência (DNU), uma espécie de medida provisória, que
Milei editou assim que assumiu, alterando 300 leis. Um DNU precisa ser
rejeitado nas duas casas do Congresso para perder a validade, e não há prazo
para a Câmara fazer este exame, mas os deputados já haviam recusado a “lei
ônibus”, um dos principais projetos da estratégia econômica de Milei e o risco
do presidente voltar a perder se não negociar é grande. Milei por ora se mostra
resistente a fazer isso. Sem essa negociação, só restará a ele a capitulação ou
a ruptura.
Se a Argentina mal é mencionada no relatório
do V-Dem, o Brasil se destaca, como ponto fora da curva. Todas as 18 nações em
que a democracia ganha fôlego são de pequeno porte em território ou população,
com uma única exceção: o Brasil. A eleição de 2022 derrotou um candidato a
autocrata, de acordo com o relatório V-Dem, não só por ele ter menos votos, mas
pela demonstração de força de um Judiciário independente. Lula nesse sentido
era uma ilha. Ser tido como uma exceção é complicado, porque sugere circunstâncias
que podem não se repetir.
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