Correio Braziliense
Desde o restabelecimento das eleições diretas
para a Prefeitura de São Paulo, repete-se um padrão de disputa entre forças de
centro-direita e centro-esquerda do tipo Nunes e Boulos
A professora aposentada da USP e pesquisadora
do Cebrap Maria Hermínia Tavares, em seu artigo na Folha de S. Paulo, nesta
quinta-feira, confrontou a tese de que o realinhamento político das forças de
centro-direita em torno da liderança do ex-presidente Jair Bolsonaro, apontado
pelas pesquisas de opinião, deve ser encarado “pelas embaçadas lentes da
polarização política”. Segundo ela, essa ideia serve antes para confundir do
que para esclarecer.
Maria Hermínia afirma que a tese falha quando avalia que a ampla coalizão que sustenta o governo Lula e a radical oposição “aprisionaram os brasileiros em dois polos irredutíveis”. Além de argumentar que a presença de políticos de centro, como José Múcio Monteiro (PRD-PE) e André Fufuca (PP-AM), dá um caráter moderado ao governo Lula, cita o exemplo das eleições para a Prefeitura de São Paulo para fugir aos esquemas de análise que crava a chamada “calcificação” da polarização política.
Na mais recente pesquisa DataFolha, Guilherme
Boulos (PSol), que era favorito, aparece empatado com Ricardo Nunes (MDB), com
cerca de 30% das preferências eleitorais. Há “preferência precoce” pelos dois
candidatos, um apoiado pelo presidente Luiz Inácio da Silva e o PT, seu
partido, e outro pelos ex-presidentes Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL),
além do governador Tarcísio de Freitas (PR). Esse resultado atestaria a
permanência da polarização nacional, fruto do empenho do presidente Lula e do
antecessor Bolsonaro em medir forças no território paulistano, porém, também
pode ser consequência do fato de serem mais conhecidos.
Caso isso se mantenha, se repetirá o padrão
das eleições paulistanas há quase três décadas. É aí que entram os conceitos de
“guerra de posição” e “guerra de movimento”, que surgiram na Itália, após a
Primeira Guerra Mundial, nas reflexões de Antonio Gramsci sobre a hegemonia
política. Segundo ele, a conquista do Estado numa batalha campal e a utilização
da máquina estatal para transformar coercitivamente a sociedade não deveriam
ser o “arquétipo” da revolução no Ocidente. Isso teria se esgotado com a tomada
do poder pelos comunistas na Rússia, em outubro de 1917. O filósofo e cientista
político Giuseppe Vacca, num breve artigo publicado no site Gramsci e o Brasil,
intitulado Guerra de posição e de movimento, explica as diferenças.
Nos Cadernos do Cárcere (7), que dariam
origem ao eurocomunismo, Gramsci afirma que a guerra manobrada que levou os
comunistas ao poder na Rússia não teria êxito no Ocidente, o que se confirmou
historicamente: “No Oriente, o Estado era tudo, a sociedade civil era primitiva
e gelatinosa; no Ocidente, havia uma justa relação entre Estado e sociedade
civil e, diante dos abalos do Estado, podia-se divisar imediatamente uma
robusta estrutura de sociedade civil. O Estado era apenas uma trincheira
avançada, por trás da qual se situava uma robusta cadeia de fortalezas e
casamatas; isso se podia ver, mais ou menos, de Estado para Estado, mas essa
observação exigia um acurado reconhecimento de caráter nacional”.
A disputa em São Paulo
O conceito, resguardada a diferença entre a
política da esquerda europeia de 100 anos atrás e a atuação das esquerdas no
Brasil nas eleições municipais deste ano, aplica-se ao que está ocorrendo em
São Paulo. Maria Hermínia lembra que, desde o restabelecimento das eleições
diretas para a Prefeitura de São Paulo, que tem o terceiro orçamento do país,
repete-se um padrão de disputa entre forças de centro-direita (Jânio Quadros,
Maluf, Pitta, Kassab) e centro esquerda (Erundina, Marta Suplicy, José Serra, Haddad,
Bruno Covas). O que houve foi a mudança de eixo nesses campos, que agora passam
por uma nova centralidade: PSol e MDB.
Muito interessante a passagem em que Vacca
destaca o fato de que as crises econômicas, mesmo as mais graves, não têm
repercussão imediata no plano político. “A política está sempre atrasada e
bastante atrasada em relação à economia. O aparelho de Estado é muito mais
resistente do que se pode imaginar e, com êxito, é capaz de organizar, nos
momentos de crise, forças fiéis ao regime muito além do que a profundidade da
crise deixaria supor.”
Tem muito a ver com o que está acontecendo em
São Paulo. Se, de um lado, o favoritismo de Boulos reproduzia a vitória de Lula
sobre Bolsonaro nas eleições presidenciais, a espetacular reação de Nunes, de
outro, tem a ver com trincheiras e casamatas difíceis de serem transpostas numa
guerra de posições, porque o governo é sempre a forma mais concentrada de poder
(arrecada, normatiza e coage), como diria o filósofo e jurista italiano
Norberto Bobbio, social-democrata e positivista.
Nesse contexto, para encerrar a prosa, quem
poderia recorrer à guerra de movimento seria a deputada Tabata Amaral (PSDB),
se conseguisse transpor a fronteira do centrismo da classe média paulistana e
empolgar a periferia da capital, que tão bem conhece, por ter sido criada na
Vila Missionária, bairro pobre da periferia de São Paulo. O voto de periferia é
muito volátil, sobretudo na populosa Zona Leste. De resto, a situação mais ou
menos se reproduz pelo país afora, porque as pesquisas mostram que os prefeitos
são mais bem avaliados e influentes nas eleições do que o presidente Lula e o
ex-presidente Bolsonaro.
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