Folha de S. Paulo
Com mal-estar político, presidente veta ato
anti-64, não quer cassação de Moro e critica pauta de costumes do STF
Nos últimos dias, o presidente Lula movimentou-se
para conter a onda pró-cassação de Sergio Moro e
evitar um ato planejado
pelo ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, para marcar os 60 anos
do golpe de 1964. Também criticou a pauta de "costumes" do STF... Por
que será?
Uma das evidências das recentes pesquisas
do Quaest e Ipec é
que, com queda de aprovação e alta de reprovação do governo, a divisão política
voltou a se aproximar do padrão polarizado do passado recente. O país tem, de
fato, assistido a uma elevação geral do tom na cena pública.
Além das apostas na divisão, do próprio Lula, no caso do Holocausto, e da cruzada revanchista contra Moro e a Lava Jato, as novas revelações sobre a trama golpista de 8/1 provocaram certa histeria nas duas pontas do espectro ideológico. Debates sobre aborto e drogas no STF também colaboram para acender a base da direita, com reflexos no Congresso —não fui eu quem o disse.
O certo é que o conjunto da obra dividiu o
centro, agitou evangélicos e mobilizou o bolsonarismo,
que se reabilitou nas ruas com uma improvável e desnecessária –para o
governo– manifestação
de grande porte na avenida Paulista.
Lula percebeu que o mal-estar político não
fará bem para a continuação de seu governo, que prometeu normalidade
democrática, progresso e alguma harmonia depois de um período obscuro com
disparada da inflação e confusões diárias. Esse desejo de paz e prosperidade
esteve presente na apertada eleição do petista, que negociou um selo de garantia
com parte do centro e da direita –e acenou com uma "frente ampla".
Do lado da prosperidade, se não houve um
grande salto, os sinais foram positivos: o PIB ajudou, os
programas sociais voltaram, Haddad acalmou
o mercado, o emprego aumentou, a renda subiu e os preços começaram a se
comportar.
O alívio causado pela derrota de Bolsonaro e
pelas medidas acertadas deu ao presidente uma explicável e justa vantagem de
popularidade no primeiro ano de mandato.
A percepção de melhoria, entretanto, foi se
tornando menos marcante no segundo semestre de 2023.
Quanto à pacificação, a barbárie golpista de
janeiro não poderia ter sido mais nefasta. Depois de uma demonstração de união
entre os Poderes para restabelecer a ordem e a segurança, o inquérito se aproximou
de militares de alta patente, autoridades e asseclas de Bolsonaro —além do
próprio.
A febre punitivista alastrou-se com a
expectativa de se prender generais, enjaular Bolsonaro na Papuda e anular a
eleição de Moro. Quem sabe aproveitar o embalo para punir Israel? Boicotar
empresas de judeus ou romper relações?
Vieram então as pesquisas, mostrando piora da
avaliação de Lula e uma convergência para o resiliente quadro de polarização
—já naturalmente insinuante em ano eleitoral. A elevação
da inflação de alimentos e preços administráveis, em janeiro e
fevereiro, provavelmente deu força para o mau humor. Os desentendimentos
abertos com o Congresso nos
últimos meses não foram apaziguadores.
Talvez tudo isso seja inevitável, talvez os
resultados do Quaest e do Ipec não tenham a ver com essas questões. Uma
liderança política com a rodagem de Lula não ficará, de qualquer modo,
esperando o circo pegar fogo. A tendência do presidente é jogar água na fervura
e atuar para a redução de danos em sua governabilidade. Por isso considera
erros políticos, neste momento, a pressão para cassar Moro e a decisão de um
ministério de fustigar as Forças
Armadas.
O presidente enfrentará, como tem enfrentado,
críticas da esquerda e insatisfação de quem acredita que a conciliação precisa
ser de uma vez por todas afastada da cultura política brasileira. Esse herói
revolucionário da ruptura, porém, não se chama Luiz Inácio.
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