sexta-feira, 15 de março de 2024

Vinicius Torres Freire - Lula e o preço da comida

Folha de S. Paulo

Governo estuda medidas para baratear alimentos, mas problema pode estar em outro lugar

O presidente da República e ministros fizeram questão de dizer nesta quinta-feira (14) que vão tomar providências a fim de diminuir o preço da comida. Tudo bem. Vai ser bom se aparecerem com medidas inteligentes e práticas.

É política básica, quando não necessária, demonstrar que o governo se ocupa de um assunto obviamente importante e que, talvez, seja um motivo da queda de popularidade de Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo que menor.

Difícil é cravar que as altas de preços do final do ano até agora sejam o motivo da piora do prestígio de Lula. Difícil também fazer algo prestante no curto prazo.

Ao menos nas pesquisas Quaest e Ipec, o grosso da perda de popularidade de Lula ocorreu entre setembro e o final do ano. Há algum outro gato nessa tuba.

Houve alta importante nos preços da comida neste ano, sim, embora a inflação dos alimentos ("alimentação no domicílio") desde o início do governo Lula até fevereiro passado tenha sido de 2,4%, ante 5,9% da inflação média, do IPCA.

Na média, sob Lula, o preço médio da comida aumentou bem menos do que o valor médio dos salários.

O preço dos alimentos deu alguns saltos recentes por causa de tempo ruim no Sul e no Centro-Oeste. Ainda assim. O problema é que a comida está cara faz tempo, considerada a variação dos salários, o que não vai mudar tão cedo, mesmo com providências inteligentes e ajuda dos céus (chuva e temperatura).

Desde janeiro de 2020, pouco antes da epidemia, até janeiro deste ano, a comida que se compra e se leva para casa ("alimentação no domicílio", no dizer do IBGE), aumentou em média 46,6%.

O salário nominal cresceu em média 31,1%. Tirar essa diferença vai levar tempo —anos de aumento de salário e contenção de preços do que se come.

É certo que preços de alimentos essenciais aumentaram muito recentemente. Desde janeiro de 2023, o arroz ficou em média 37,4% mais caro. O feijão preto, 26,7%. No entanto, o grupo de farinhas, massas e macarrão ficou apenas 1% mais caro. O de carnes caiu quase 10%; aves e ovos, baixa de uns 5%.

Da reunião de Lula saiu que se vai fazer algo a fim de melhorar a oferta de crédito rural, usar contratos futuros para tentar evitar variações excessivas de preços e um vago algo mais.

Ainda que se faça algo inteligente, nada vai fazer efeito tão cedo. Talvez no ano que vem e olhe lá, se o tempo por aqui e no restante do mundo ajudar.

Lula não pode fazer chover, conter chuva excessiva ou moderar o calor, fatores que provocaram perdas nesta safra 2023/2024. Seu governo pode inventar sistemas de seguro rural mais eficientes, refinar a oferta de crédito, pensar o que se passa na área plantada de cada produto. Mas não vai ter milagre.

Falta mais crescimento de PIB e de salário, recuperar o prejuízo de uma década.

O risco óbvio é "partir para ignorância". Tomar medidas erradas ou contraproducentes, não apenas na política agrícola.

Por exemplo, querer bulir com taxas de juros de bancos públicos (com o que bancos privados talvez não emprestem relativamente mais e ainda "empurrem" clientes problemáticos para bancos estatais). Em suma, inventar intervenções ineptas.

Pior ainda, o governo pode largar chumbo grosso em alvos errados. A popularidade em baixa pode se dever à política. Há noticiário ruim: o governo escorrega em bananas que ele mesmo jogou na calçada.

Pode haver uma nova onda de campanhas virtuais da oposição ou da ultradireita a respeito de assuntos como drogas e crime ou sabe-se lá o que circule por esse mundo. O conflito pelas redes sociais e de mensagens é permanente, vem em ondas como o mar, agora em um indo e vindo infinito de alta frequência.

O lugar da política mudou muito e frequentemente nem sabemos onde fica e o que passa por lá.

 

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