Não se vê motivo claro para mudar foro no STF
Folha de S. Paulo
Normas para julgamento de políticos e
autoridades foram estabelecidas há apenas 6 anos; troca pode gerar
instabilidade
"Terroristas" ou
"guerrilheiros da liberdade"? Não são poucas as ocasiões em que a
disputa de versões começa a ser decidida com o nome com o qual se batiza um
grupo ou fenômeno social. O "foro especial por
prerrogativa de função", impropriamente chamado de "foro
privilegiado", é um desses casos.
A ideia de julgar determinadas autoridades em
tribunais específicos, a fim de reduzir influências indevidas, sejam contra ou
a favor do réu, faz todo o sentido. No Brasil, oligarquias locais não têm
dificuldade para capturar braços do Estado, incluindo o Judiciário.
Ao menos em teoria, cortes colegiadas resistem melhor a pressões e impulsos do que juízes singulares de primeira instância. Mas o instituto do desaforamento deu margem a tantos abusos que acabou se tornando sinônimo de impunidade, o que fez com que o apelido "foro privilegiado" se tornasse o nome dominante.
Aprimorar as regras a fim de tornar mais
claro quem deve ser julgado em qual tribunal, consideradas as mais variadas
circunstâncias, é importante para tentar preservar os aspectos positivos do
foro especial e, ao mesmo tempo, diminuir as possibilidades de políticos
manipularem o sistema para retardar processos e evitar punições.
É preocupante, porém, que o Supremo Tribunal
Federal tenha se lançado numa revisão ampla
dos limites do desaforamento apenas seis anos depois de ter
estabelecido as regras atualmente em vigor, período insuficiente até para a
assimilação da jurisprudência.
Se a impunidade de poderosos é uma das chagas
do Judiciário brasileiro, a instabilidade jurídica é outra. Além da mudança na
composição da corte em relação a 2018, não há fato novo que justifique nova
mudança nas diretrizes.
Na verdade, de 2018 para cá registrou-se uma
redução de 80% no número de inquéritos e ações penais originários tramitando
no STF,
o que é compatível com os objetivos das normas em vigor.
Até o ministro Luís Roberto
Barroso pedir vista e interromper o julgamento da ação, o
placar em favor da ampliação do alcance do foro especial para políticos,
principalmente para colocar ex-autoridades sob jurisdição do Supremo, já estava
em 5 a 0.
Em reação, parlamentares
se articulam para aprovar uma emenda constitucional no sentido oposto.
Tais quedas de braço entre Judiciário e Legislativo estão se transformando numa
incômoda tendência.
Na prática, há uma disputa por poder. Quanto
mais autoridades e ex-autoridades mantiver sob sua alçada, mais força terá o
Supremo. Os vários casos envolvendo Jair
Bolsonaro (PL) dão motivação extra para ministros da corte e
parlamentares se posicionarem.
Maconha regulada
Folha de S. Paulo
Legalização na Alemanha é mais um modelo
alternativo à falida guerra às drogas
Em fevereiro, a Alemanha tornou-se o
terceiro país europeu a autorizar o uso recreativo da maconha. Nesta
terça-feira (1º), a primeira
parte da lei entrou em vigor. Trata-se de medida importante para
limitar o raio de ação do Estado na esfera privada dos cidadãos.
Na etapa inicial, alemães acima de 18 anos
podem portar e transportar 25 gramas de cânabis, cultivar até 50 gramas e ter
três plantas por adulto na residência.
A compra fica proibida até julho, quando
cooperativas de cultivo obterão permissão para plantar e distribuir maconha a
no máximo 500 associados, que poderão receber até 50 gramas cada por mês.
Até aqui, nove países (Uruguai, Canadá,
Geórgia, África do Sul, México,
Malta, Tailândia, Luxemburgo e Alemanha) e mais de 20 estados nos EUA e 1 na
Austrália legalizaram o uso recreativo de maconha.
Não há um modelo único de regulamentação. O
implantado na Alemanha assemelha-se ao do Canadá, aprovado em 2018, com a
liberação de um limite de plantas para uso pessoal e de produção e venda
restrita a clubes canábicos.
No Uruguai, primeiro país a autorizar o uso
recreativo em 2013, além dos clubes e do cultivo pessoal, há comercialização em
farmácias —mas os consumidores precisam se registrar e a produção é controlada
pelo Estado.
Já o México foi mais conservador. O uso foi
descriminalizado e o cultivo pessoal por adultos permitido, mas não o comércio.
Vários estados americanos seguem política
mais aberta, que permite a venda em lojas, com idade mínima de 21 anos para
compradores e proibição de licenças para empreendimentos a quem já foi preso
por crimes relacionados a drogas.
Esta Folha defende
a legalização da maconha levando em conta, além da valorização
das liberdades individuais, a falência da política de guerra às drogas —que
impulsiona o narcotráfico, a violência urbana e a superlotação do sistema
carcerário.
O Brasil precisa avançar no debate sobre o
tema e atualizar sua legislação à luz de evidências e de experiências
internacionais para encontrar o modelo regulatório mais adequado para o país.
O valor da ‘preocupação’ de Lula
O Estado de S. Paulo
Lula afinal manifesta crítica à notória farsa da eleição na Venezuela, mas que ninguém se iluda: petista nunca esteve nem está preocupado com a qualidade da democracia naquele país
Na quarta-feira, pela primeira vez um governo
lulopetista acrescentou um grão de sal à sua amizade fraterna com a ditadura
chavista na Venezuela. O Itamaraty manifestou “preocupação” após Caracas
impedir a inscrição de uma candidata de oposição, Corina Yoris. No dia
seguinte, foi a vez de o presidente Lula da Silva arranhar o tabu. Em
entrevista coletiva, Lula se disse “surpreso”. “É grave”, declarou, “não tem
explicação jurídica e política.”
Yoris era só uma candidata-tampão para
substituir a líder nas pesquisas, María Corina, inabilitada pelo Judiciário
fantoche do chavismo. O Itamaraty foi duro ao condenar as sanções
internacionais ao regime de Nicolás Maduro, mas suave ao condenar esse mesmo
regime. A rigor, nem sequer o condenou, reiterando sua crença de que seria
possível fazer da eleição de julho, desde já injusta, “um passo firme para que
a vida política se normalize e a democracia se fortaleça na Venezuela”.
Esse inacreditável atestado de pusilanimidade
está em linha com a relutância do chefão petista em rasgar a fantasia e
confessar que o rei está nu. Tanto que Caracas conseguiu sustentar seu jogo
duplo e enxovalhar o Itamaraty como lacaio dos EUA, mas ainda assim agradecer a
Lula pelas “expressões de solidariedade” e pela condenação “às sanções que o
governo dos EUA impôs ilegalmente”.
Longe de ser exceção, a perseguição a
opositores é há décadas uma regra de aço num regime que sistematicamente
oblitera candidatos da oposição, inabilitando-os, prendendo-os ou forçandoos ao
exílio. Mesmo assim, ainda em março, Lula – que já disse que a Venezuela é
democrática até demais, porque “tem mais eleições que o Brasil” – se disse
“muito tranquilo”, permitindo-se equiparar o processo judicial de inabilitação
de María Corina ao seu em 2018 e ainda recomendar a ela que parasse de “chorar”
e escolhesse um substituto. Foi o que ela fez, mas essa candidata foi barrada
por misteriosos “problemas técnicos” no prazo para a inscrição.
Se o governo anda “preocupado” não é por ter
se dado conta de que as eleições na Venezuela não são livres nem justas. O que
talvez tenha deixado Lula “surpreso” é que agora o regime nem sequer se dá ao
trabalho de salvar as aparências e maquiar o pleito como “livre e justo”.
Até então, cada declaração de Lula sobre
Maduro embutia seu aval ao regime chavista. Foi assim quando o recebeu com
pompa e circunstância na reunião da Unasul ou quando declarou que o conceito de
democracia “é relativo”. Lula já afirmou que o único problema do regime
chavista é uma comunicação inocente. Ele seria “vítima de uma narrativa de
antidemocracia e autoritarismo”, disse Lula, ao lado de Maduro. “É preciso que
você construa a sua narrativa e eu acho que, por tudo o que conversamos, a sua
narrativa vai ser infinitamente melhor do que a que eles têm contado contra
você.”
Mas quando o regime se recusa até a encenar a
pantomima judicial e forjar um álibi “jurídico e político” para sua
delinquência, aí nem os fabulosos marqueteiros do PT dão jeito. Tanto mais que
as pesquisas indicam que a população brasileira e seus representantes estão
fartos de ver o governo lulopetista usando o Estado brasileiro para bajular a
frente ampla autocrática internacional que tanto apraz a Lula. Talvez esse
clima também tenha surpreendido Lula, obrigando sua chancelaria a balbuciar sua
“preocupação”.
Mas a prova de que esse é só mais um jogo de
cena fabricado por mera conveniência político-eleitoral, que em nada altera a
dogmática petista, foi a nota de entusiasmo efusivo do PT com a eleição do
autocrata russo Vladimir Putin, seguida por um acordo de cooperação com o
Partido Comunista de Cuba, os dois sustentáculos do Estado policial do
“companheiro” Maduro.
Nas eleições de 2013, Lula veio a público dar
seu testemunho aos venezuelanos: “Maduro presidente é a Venezuela que Chávez
sonhou”. Sem dúvida. O diabo é que esse sonho é um pesadelo para os quase 8
milhões de venezuelanos que fugiram do país, enquanto 90% dos que ficaram
amargam a extrema pobreza, a violência arbitrária do regime e a absoluta falta
de liberdade. Para essa realidade, Lula está muito longe de despertar.
A ameaça de Putin à Otan
O Estado de S. Paulo
Cresce a possibilidade de que a Rússia lance
um ataque à aliança ocidental em breve. Diante disso, mais do que nunca é
crucial que o Ocidente impeça os russos de vencer na Ucrânia
O Ministério da Defesa dinamarquês alertou
que dados de inteligência indicam que a Rússia pode tentar atacar um país da
Otan entre três e cinco anos. O presidente polonês, Andrzej Duda, disse que
Vladimir Putin está intensificando esforços para engendrar uma economia de
guerra e atacar em 2026 ou 2027. Prazos bem mais curtos do que os estimados
pela Otan em 2023.
Com efeito, o Ministério da Defesa em Moscou
anunciou iniciativas para robustecer a capacidade militar russa. Mesmo sem um
risco financeiro iminente, Putin advertiu as oligarquias russas de medidas
penosas para garantir uma estabilidade financeira de longo prazo, sinal de que
os gastos bélicos seguirão escalando. São só alguns dos indicadores econômicos
e militares coligidos pelo Instituto para o Estudo da Guerra (IFW, na sigla em
inglês) sugerindo que a Rússia se prepara para um conflito em larga escala com
a Otan. A ampliação ou redução do risco depende visceralmente dos
desdobramentos na Ucrânia.
“A Rússia não tem suficiente capacidade
militar para atingir seus objetivos maximalistas se a vontade de lutar da
Ucrânia persistir com o apoio do Ocidente”, constata o IFW. O PIB dos países da
Otan e seus aliados ultrapassa US$ 63 trilhões. O da Rússia é de US$ 1,9
trilhão. Somando-se o de seus aliados (Bielorússia, Coreia do Norte e Irã), são
US$ 2,4 trilhões. Mesmo com a China (bem mais ambígua), o total não chega a US$
21 trilhões. Assim, para o Kremlin, “um dos poucos meios, possivelmente o
único, de diminuir a lacuna entre os objetivos da Rússia e os meios da Ucrânia”
é “degradar a capacidade decisória” do Ocidente.
A estratégia se baseia no que os soviéticos
chamavam de “controle reflexivo”. A técnica consiste em excitar temores
irracionais e saturar a opinião pública do oponente com falsas premissas para
induzi-lo a chegar a falsas conclusões e tomar livremente decisões contrárias a
seus próprios interesses. Em relação à Ucrânia, a meta é consolidar as
seguintes percepções: a Rússia tinha o direito de controlar a Ucrânia; sua
invasão foi provocada por Kiev e a Otan; sua vitória é inevitável; resistir a
ela levará inevitavelmente a uma escalada e uma guerra com a Otan; e a rendição
da Ucrânia é o único caminho para uma paz duradoura. Para cada uma dessas
assertivas, a verdade é o exato oposto.
Os ucranianos desenvolveram anticorpos contra
a realidade paralela fabricada pelo Kremlin. Mas o Ocidente, seja por seus
pendores pacifistas, seja pelas sequelas de guerras recentes, seja pela
incompreensão da real ameaça russa, se mostra suscetível. Após a invasão da
Ucrânia em 2014, o Ocidente raciocinou conforme as premissas do Kremlin,
fazendo todo tipo de concessões. Em 2022, a invasão em larga escala da Ucrânia
restaurou sua clareza estratégica, os ocidentais ajudaram Kiev a abater as
ambições iniciais da Rússia. Desde então, o Kremlin redirecionou esforços para
distrair, confundir e provocar a autodissuasão do Ocidente, retardando a
entrega de dinheiro e armas à Ucrânia e a coordenação de uma estratégia de
longo prazo da Otan. Isso não altera a realidade: o custo de uma vitória de
Putin será catastrófico. Os riscos de escalada nuclear e confronto com a Otan
só aumentarão.
Hoje, os desafios do Ocidente são mais fáceis
de solucionar que os da Rússia. Mas essa vantagem não é permanente e sua erosão
será proporcional à demora em admitir que a Ucrânia é só a linha de frente da
guerra de Putin contra o mundo livre.
O caminho para uma paz duradoura não é um
alívio instantâneo e ilusório da guerra, mas a vitória da Ucrânia, a
restauração de sua soberania e a consolidação de sua democracia, integrando-a à
União Europeia e instalando o maior efetivo militar do continente na linha de
frente das defesas da Otan. O Ocidente pode (do ponto de vista econômico e
militar) e deve (do ponto de vista moral, para fazer justiça aos ucranianos, e
geopolítico, por seu autointeresse) trilhar este caminho. Mas, primeiro,
precisa se conscientizar desse poder e desse dever e, depois, precisa agir. No
momento, não há nem essa clareza nem essa resolução.
A desinteligência do governo
O Estado de S. Paulo
Fim da mobilização para capturar os fugitivos
no Rio Grande do Norte coroa negligência na segurança pública
Na Sexta-Feira Santa, depois de 45 dias de
trabalho infrutífero, o Ministério da Justiça e Segurança Pública deu por
encerrada a mobilização policial para capturar os dois criminosos que fugiram
da Penitenciária
Federal de Mossoró (RN), em meados de
fevereiro. A partir de agora, informou o ministro Ricardo Lewandowski, “o foco
será em ações de inteligência”. No que depender apenas disso, então, os
fugitivos podem ficar tranquilos.
A questão nunca foi a falta de informações.
Havia, aliás, informações de sobra, sobretudo em relação aos problemas de um
presídio que deveria ser de segurança máxima. O governo Lula, bem como o
governo Bolsonaro, sabia que mais de 120 câmeras de vigilância estavam
quebradas e que a estrutura física da prisão era um convite à fuga. Surpreende
que não tenha acontecido antes.
Assim, de nada adianta ter a tal
“inteligência” mencionada pelo ministro da Justiça se o governo não sabe o que
fazer com ela. Com governos negligentes como o atual e o anterior, a fuga de
dois meliantes do presídio de Mossoró teria acontecido mesmo que as informações
sobre as fragilidades do local tivessem sido reunidas pela CIA ou pelo Mossad.
Se faltou competência, sobraram braços na
campanha para recolocar os fugitivos Rogério Mendonça e Deibson Nascimento
atrás das grades. Lewandowski mobilizou cerca de 500 agentes federais, além do
Corpo de Bombeiros e das Polícias Militares de cinco Estados – Rio Grande do
Norte, Ceará, Piauí, Paraíba e Goiás.
Vários especialistas em segurança pública
criticaram a forma como Lewandowski liderou as forças nacionais. Na visão
desses analistas, não houve uma coordenação central das atividades policiais,
abrindo espaço para que decisões erráticas e não raro conflitantes fossem
tomadas por diferentes agentes em campo. Evidentemente, isso foi determinante
para que os foragidos tivessem tempo mais que suficiente para deixar o
perímetro de buscas. Hoje, poucos acreditam que ambos ainda estejam no Rio
Grande do Norte.
Parece claro, a esta altura, que o governo
petista optou pelo espetáculo midiático da mobilização de centenas de policiais
para gerar a sensação de que estava fazendo algo, de modo a tentar remediar um
péssimo revés na gestão da segurança pública, talvez a principal
vulnerabilidade da administração de Lula da Silva. Como se viu, debalde – e não
era preciso grande perspicácia para presumir esse desfecho.
A bem da verdade, a grosseira falha de gestão diz menos sobre Lewandowski do que sobre seu chefe. É notório que o ministro jamais demonstrou ter perfil executivo, menos ainda perfil de comando no curso de uma operação que mobilizou tantas forças federais e estaduais. De qualquer forma, a responsabilidade continua sendo do presidente da República. Se Lewandowski não é a pessoa certa, como hoje parece claro, que outro mais apetrechado lidere a tarefa. Enquanto isso, ao País resta torcer para que o governo, em algum momento, comece a fazer uso da inteligência que tem à sua disposição.
Desequilíbrio impõe uma nova reforma da Previdência
O Globo
Enquanto contribuintes aumentaram 0,7% ao ano
entre 2012 e 2022, novos benefícios cresceram 2,2%, diz estudo
Falar em nova reforma da Previdência cinco
anos depois da última pode parecer prematuro. Infelizmente, não há como brigar
com a realidade de um país de renda média. No ano passado, o déficit dos
regimes previdenciários do governo federal foi equivalente a 3,9% do PIB. Em
2022, na Previdência Social como um todo, incluindo estados e municípios, ficou
em 4,9%. Como o rombo é grande, e tende a aumentar, governo e Congresso
deveriam promover outra reforma. Do jeito como está, o sistema é insustentável.
O Brasil tem muitas outras demandas urgentes, da educação à segurança, e não
pode arcar com despesa tão grande no Orçamento — só os gastos com as
aposentadorias do setor privado consomem 44% do gasto da União.
Não bastasse o desequilíbrio no presente,
continuamos diante de uma bomba demográfica. Até 2050, a fatia de idosos deverá
dobrar, enquanto a de contribuintes ficará inalterada. Não se trata de problema
do futuro. Como revelou
reportagem do GLOBO, o número de contribuintes cresceu 0,7% ao ano entre 2012 e
2022. No mesmo período, a quantidade de benefícios pagos subiu
2,2% anuais, segundo estudo do economista Rogério Nagamine.
É certo que, no período analisado, a economia
passou por dois anos de recessão decorrentes das políticas do governo Dilma
Rousseff, além da pandemia. Mas a regra das últimas três décadas, quebrada
raramente, tem sido o crescimento econômico baixo. Com alterações tímidas do
PIB, não crescem a parcela de trabalhadores formais nem as contribuições. Mesmo
confiando na forte expansão econômica, as previsões demográficas se impõem.
O problema estrutural tem sido agravado pela
conjuntura. Em 2023, o estoque de benefícios do INSS cresceu 4,5%, maior
aumento dos últimos 19 anos. De acordo com o governo, isso é resultado do
combate ao represamento de pedidos herdados. A explicação, porém, é
insuficiente. As filas do INSS estão caindo lentamente apesar do forte aumento
nos benefícios.
Ainda não há dados disponíveis a
pesquisadores para determinar as causas do salto. Em artigo recente, Nagamine e
o economista Marcos Mendes levantaram uma hipótese. As medidas adotadas para
acelerar as análises de pedidos podem estimular cidadãos a solicitar o
benefício mesmo sem cumprir os requisitos. Uma possibilidade mais grave é os
processos automatizados serem mais lenientes. Se for esse o caso, o período
atual não será de correção, mas o início de um “aumento duradouro” nas taxas de
concessão.
A despesa com benefícios previdenciários e
assistenciais tem crescido em ritmo tão alto que provavelmente exigirá corte de
outros gastos já neste ano. Só o custo do Regime Geral de Previdência Social
(RGPS), dos trabalhadores da iniciativa privada, aumentou 4,4% em janeiro em
relação ao mesmo mês do ano passado, descontada a inflação. Os benefícios
assistenciais subiram 16%. O governo tem comemorado a alta na receita neste
início de 2024, sem dar a devida atenção às despesas.
Parece óbvio que a Previdência exige correções de gestão no curto prazo. O primeiro passo é saber exatamente por que as filas não caem na velocidade esperada e se há gente beneficiada de forma indevida. Para os desafios estruturais de longo prazo, governo e Congresso precisam encarar o desafio de uma nova reforma, começando pelas categorias que driblaram as mudanças na última. Não haverá escapatória.
Plataformas digitais enfrentam desafios
judiciais maiores na Europa e nos EUA
O Globo
Americanos acusam Apple de práticas ilegais,
enquanto europeus também investigam Google, Meta e Amazon
As grandes plataformas digitais enfrentam
dissabores judiciais crescentes na Europa e nos Estados
Unidos. O Departamento de Justiça (DOJ) americano e
procuradores-gerais de 16 estados informaram que processarão a Apple com
base na lei antitruste. A empresa é acusada de práticas ilegais para tornar os
consumidores menos dispostos a trocar seu iPhone por aparelhos da concorrência.
A Comissão Federal de Comércio também processa, com base na mesma
legislação, Amazon e Meta, dona de
Facebook, Instagram e WhatsApp.
O Departamento de Justiça também quer levar
o Google a
júri popular, sob a acusação de exercer controle sobre o mercado de anúncios
on-line. Processos civis como esse costumam ser decididos por juízes, mas o
Google já foi condenado por um júri de San Francisco num caso envolvendo a
exclusão do jogo Fortnite de sua loja de aplicativos. A acusação foi semelhante
à que pesa agora contra a Apple: a comissão de 30% exigida dos desenvolvedores
é considerada abusiva. Estima-se que Google e Apple faturem US$ 200 bilhões com
a intermediação das vendas em lojas de aplicativos.
Quase simultaneamente, a Comissão Europeia,
braço executivo da União
Europeia, começou a investigar Apple, Google, Meta e Amazon. É a
primeira investigação desde que entrou em vigor, no início de março, a Lei dos
Mercados Digitais, cujo objetivo é ampliar a concorrência tecnológica dentro do
bloco europeu. As multas podem ir a 10% do faturamento global ou a 20% em caso
de reincidência. Mesmo antes da nova lei, as autoridades europeias vinham
adotando postura dura com as plataformas digitais. Na França, o Google recebeu
multa de € 250 milhões, sob a acusação de usar conteúdos sem autorização dos
autores e, ao todo, já foi condenado a pagar mais de € 8 bilhões em processos
por práticas anticompetitivas. A própria Apple já sofreu multa de € 1,8 bilhão
por barrar ofertas em aplicativos de streaming.
A lógica de todos esses processos, inclusive
os que pesam contra Meta e Amazon, é semelhante: a empresa é acusada de usar
seu domínio sobre um mercado para sufocar a concorrência em outro. Nem sempre é
uma acusação fácil de comprovar, pois em geral as inovações trazem benefícios
aos consumidores. A novidade é que as autoridades americanas começam a apostar
no caminho adotado pelos europeus.
De acordo com a denúncia do DOJ, a Apple manejou a distribuição de aplicativos para impedir inovações que levassem o usuário a trocar seu iPhone por outro smartphone. O procurador-geral dos Estados Unidos, Merrick Garland, afirmou que a Apple “consolidou seu poder de monopólio não fazendo seus produtos melhores, mas os dos outros piores”. Em 2020, uma análise feita na Câmara concluiu que a empresa abusa da posição monopolista na distribuição de softwares pelo iPhone ao impor aos desenvolvedores as comissões de 30%. Os processos contra Apple, Google e outras gigantes digitais mostram que as grandes plataformas enfrentarão, dos dois lados do Atlântico, problemas judiciais maiores.
Deter o uso militar da IA deve se tornar
preocupação global
Valor Econômico
As principais potências parecem tomadas pelo
temor de que o outro lado desenvolva sistemas militares baseados em IA mais
sofisticados e poderosos
O Oscar deste ano premiou como melhor filme
“Oppenheimer”, uma cinebiografia do físico responsável pelo Projeto Manhattan,
que desenvolveu a primeira bomba atômica, nos EUA. Coincidentemente, o filme
reforça o debate atual sobre outra tecnologia que pode se constituir numa
ameaça existencial para a humanidade, se mal utilizada: a inteligência
artificial (IA). A IA já se encontra presente de diversos modos na nossa vida,
mas sua regulação ainda está dando os primeiros passos. E, no caso das
aplicações militares, não há sinal de nenhuma salvaguarda à vista.
Robert Oppenheimer não conseguiu, como o
filme ilustra, avançar com um debate sobre os riscos das armas nucleares.
Estava-se em plena Segunda Guerra Mundial, e os EUA desconfiavam de que a
Alemanha nazista poderia logo desenvolver a sua própria bomba atômica. A
Alemanha acabou sendo derrotada com armas convencionais, mas os EUA realizaram
os dois únicos ataques nucleares até hoje, em 1945, para forçar o Japão a se
render. Anos mais tarde, depois que a União Soviética desenvolveu sua bomba
atômica, começaram as negociações que levaram a uma série de acordos sobre o
controle desses armamentos de destruição em massa.
Um grupo de renomados cientistas na área de
IA fez um apelo neste mês por uma maior colaboração internacional no sentido de
que a tecnologia seja regulada globalmente por acordos como os que EUA e URSS
concluíram durante a Guerra Fria, em relação às armas nucleares. O objetivo
agora, como então, é limitar o risco de um evento que ameace a existência
humana.
“No momento mais sombrio da Guerra Fria, a
coordenação científica e governamental ajudou a evitar a catástrofe da guerra
termonuclear. A humanidade novamente precisa de coordenação para evitar a
catástrofe que pode surgir de uma tecnologia sem precedente”, diz o comunicado
final da reunião do Diálogo Internacional sobre Segurança em IA (Idais, na
sigla em inglês). Participaram do encontro em Pequim especialistas ocidentais e
chineses, como o britânico-canadense Jeffrey Hinton, o canadense Yoshua Bengio e
o chinês Andrew Yao, todos precursores da IA e vencedores do prêmio Turing, o
mais importante na área da computação.
Sistemas de IA estão rapidamente entrando no
nosso cotidiano, em basicamente qualquer atividade que demande a análise rápida
de uma grande quantidade de dados. Também proliferam usos ilícitos, como o
vídeo falso que circulou na Rússia simulando um assessor da Presidência da
Ucrânia admitindo que o país estaria por trás do recente ataque terrorista em
Moscou.
Mas a regulação desses sistemas de IA ainda é
incipiente. A UE aprovou o primeiro pacote de leis específico com esse fim. O
objetivo, segundo o Parlamento Europeu, é tornar a IA segura, transparente,
rastreável e não discriminatória. O projeto europeu classifica os sistemas de
IA com base nos riscos que ele traz; quanto maior o risco, maior a regulação. A
maioria das atividades é de risco baixo. Há sistemas de alto risco, como os
usados em atividades que já são submetidas a regras rígidas de segurança, por exemplo
aviação, veículos e equipamentos médicos. E há categorias novas de alto risco,
como educação, gestão de infraestruturas e controle de fronteiras.
Por fim, a UE identificou quatro áreas em que
o risco às pessoas é considerado inaceitável e que serão vetadas para a IA.
Isso inclui sistemas de pontuação social -aqueles que classificam as pessoas
com base em comportamento -, situação sócio-econômica ou características
pessoais ou culturais. Mas essa proposta exclui o controle de sistemas
militares de IA, justamente porque isso precisa ser feito em nível global, e as
regras da UE valem apenas para o bloco europeu. Sistemas de IA já estão sendo
usados nas guerras na Ucrânia e em Gaza, mas a aplicação militar está apenas no
começo.
O comunicado da reunião do Idais identifica
algumas linhas vermelhas, isto é, áreas que deveriam ser vetadas para sistemas
de IA militares. São elas: 1) Nenhum sistema de IA deveria poder se replicar ou
se aperfeiçoar sem aprovação ou assistência humana; 2) Nenhum sistema de IA
deve poder agir para ampliar seu poder ou influência; 3) Nenhum sistema de IA
deve pode aumentar a capacidade de produzir armas de destruição em massa; 4)
Nenhum sistema de IA deve ser capaz de realizar ciberataques autonomamente; e 5)
Nenhum sistema de IA deve ser capaz de esconder a sua capacidade de violar as
regras anteriores.
Os presidentes dos EUA, Joe Biden, e da
China, Xi Jinping, se comprometeram em novembro do ano passado a abrir um
diálogo sobre os riscos da IA. E, segundo o Financial Times (18/3), empresas
ocidentais de IA têm se reunido discretamente com especialistas chineses para
discutir a questão da segurança.
Mas colaboração tem sido um ativo escasso no mundo atual. EUA e China estão em um conflito estratégico. A outra superpotência militar, a Rússia, trava uma guerra indireta com o Ocidente na Ucrânia. Há uma corrida armamentista em andamento, como nos anos 1940 de Oppenheimer. As principais potências parecem tomadas pelo temor de que o outro lado desenvolva sistemas militares baseados em IA mais sofisticados e poderosos. Essa é uma corrida perigosa demais. A colaboração em IA precisa rapidamente entrar no topo das prioridades da agenda dos líderes globais.
Motoristas, pedestres têm sempre preferência
Correio Braziliense
O DF foi o primeiro no país a criar faixas
exclusivas para pedestres atravessarem as ruas. Nesta segunda-feira, quando a
norma completou 27 anos, os órgãos de trânsito do DF festejaram a redução de
66% no número de óbitos na faixa entre 2022 (seis mortes) e 2023 (duas vítimas)
O Distrito Federal foi a primeira unidade da
Federação a cumprir o artigo 70 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº
9.503/1997), sobre a obrigatoriedade de os veículos darem preferência aos
cidadãos nas faixas de pedestres. Ao ver uma pessoa estender a mão na faixa, o
condutor é obrigado a parar para que o transeunte atravesse a via em segurança.
Um comportamento abraçado pelo Correio, que deu início à campanha Paz no
trânsito, em 1996, e ajudou a transformá-lo em exemplo nacional. Nesta
segunda-feira, quando a norma completou 27 anos, os órgãos de trânsito do DF
festejaram a redução de 66% no número de óbitos na faixa entre 2022 (seis
mortes) e 2023 (duas vítimas). Neste ano, nenhuma morte foi registrada. Uma
realidade que não se repete pelo resto do país.
Em todo o DF, são mais de 4 mil faixas nas
vias. Elas começaram a ser reavivadas pelas equipes de trânsito, o que atende à
recorrente cobrança da população. Há 2 milhões de veículos em circulação —
quase um carro por pessoa para uma população de 2,8 milhões, segundo o Censo
Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Minas Gerais, com uma população de 21,1
milhões de cidadãos e uma frota de 12,4 milhões de veículos, ocupa a terceira
posição do ranking nacional de acidentes de trânsito envolvendo pedestres,
atrás de São Paulo e Goiás, segundo dados do Ministério de Saúde e do Sistema
Único de Saúde (SUS), coletados pela Associação Brasileira de Medicina do
Tráfego (Abramet), divulgados no ano passado. No primeiro semestre de 2023,
ocorreram 2.452 internações de pedestres vítimas de acidentes de trânsito em
Minas Gerais. Em Goiás, foram 6.402 internações por atropelamento, e São Paulo,
com 19 milhões de veículos, registrou 3.072 vítimas, em igual período.
Mesmo com trânsito menos violento, a capital
da República ressente-se de um transporte público de qualidade, uma vez que os
congestionamentos no trânsito são estressantes. A dificuldade do Distrito
Federal é a mesma das demais unidades da Federação, o que leva os brasileiros a
fazer esforço para ter um veículo, evitando o desconforto do transporte
público. Se, por uma lado, essa opção aquece a indústria automobilística; por
outro, faz com que a maioria das grandes cidades pouco ou nada contribuam para
a redução da emissão de gases de efeito estufa, que comprometem todos os
esforços para conter o aquecimento global.
Mas não só isso. Há necessidade, em todo país, de uma fiscalização mais rigorosa para conter os infratores, manter o respeito à velocidade máxima das vias e, sobretudo, educar os condutores, lembrando-os da importância de respeitar os pedestres. Agir de acordo com a legislação só quando há blitzes ou agentes de segurança nas rodovias e vias urbanas não vale. As normas têm de ser respeitadas em quaisquer circunstâncias, pois ignorar a sinalização de trânsito, nas rodovias interestaduais e nas vias urbanas, significa risco de morte para os que caminham pelas cidades. Os veículos são meios de transporte, e não devem ser transformados em armas.
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