terça-feira, 2 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Não se vê motivo claro para mudar foro no STF

Folha de S. Paulo

Normas para julgamento de políticos e autoridades foram estabelecidas há apenas 6 anos; troca pode gerar instabilidade

"Terroristas" ou "guerrilheiros da liberdade"? Não são poucas as ocasiões em que a disputa de versões começa a ser decidida com o nome com o qual se batiza um grupo ou fenômeno social. O "foro especial por prerrogativa de função", impropriamente chamado de "foro privilegiado", é um desses casos.

A ideia de julgar determinadas autoridades em tribunais específicos, a fim de reduzir influências indevidas, sejam contra ou a favor do réu, faz todo o sentido. No Brasil, oligarquias locais não têm dificuldade para capturar braços do Estado, incluindo o Judiciário.

Ao menos em teoria, cortes colegiadas resistem melhor a pressões e impulsos do que juízes singulares de primeira instância. Mas o instituto do desaforamento deu margem a tantos abusos que acabou se tornando sinônimo de impunidade, o que fez com que o apelido "foro privilegiado" se tornasse o nome dominante.

Aprimorar as regras a fim de tornar mais claro quem deve ser julgado em qual tribunal, consideradas as mais variadas circunstâncias, é importante para tentar preservar os aspectos positivos do foro especial e, ao mesmo tempo, diminuir as possibilidades de políticos manipularem o sistema para retardar processos e evitar punições.

É preocupante, porém, que o Supremo Tribunal Federal tenha se lançado numa revisão ampla dos limites do desaforamento apenas seis anos depois de ter estabelecido as regras atualmente em vigor, período insuficiente até para a assimilação da jurisprudência.

Se a impunidade de poderosos é uma das chagas do Judiciário brasileiro, a instabilidade jurídica é outra. Além da mudança na composição da corte em relação a 2018, não há fato novo que justifique nova mudança nas diretrizes.

Na verdade, de 2018 para cá registrou-se uma redução de 80% no número de inquéritos e ações penais originários tramitando no STF, o que é compatível com os objetivos das normas em vigor.

Até o ministro Luís Roberto Barroso pedir vista e interromper o julgamento da ação, o placar em favor da ampliação do alcance do foro especial para políticos, principalmente para colocar ex-autoridades sob jurisdição do Supremo, já estava em 5 a 0.

Em reação, parlamentares se articulam para aprovar uma emenda constitucional no sentido oposto. Tais quedas de braço entre Judiciário e Legislativo estão se transformando numa incômoda tendência.

Na prática, há uma disputa por poder. Quanto mais autoridades e ex-autoridades mantiver sob sua alçada, mais força terá o Supremo. Os vários casos envolvendo Jair Bolsonaro (PL) dão motivação extra para ministros da corte e parlamentares se posicionarem.

Maconha regulada

Folha de S. Paulo

Legalização na Alemanha é mais um modelo alternativo à falida guerra às drogas

Em fevereiro, a Alemanha tornou-se o terceiro país europeu a autorizar o uso recreativo da maconha. Nesta terça-feira (1º), a primeira parte da lei entrou em vigor. Trata-se de medida importante para limitar o raio de ação do Estado na esfera privada dos cidadãos.

Na etapa inicial, alemães acima de 18 anos podem portar e transportar 25 gramas de cânabis, cultivar até 50 gramas e ter três plantas por adulto na residência.

A compra fica proibida até julho, quando cooperativas de cultivo obterão permissão para plantar e distribuir maconha a no máximo 500 associados, que poderão receber até 50 gramas cada por mês.

Até aqui, nove países (UruguaiCanadá, Geórgia, África do Sul, México, Malta, Tailândia, Luxemburgo e Alemanha) e mais de 20 estados nos EUA e 1 na Austrália legalizaram o uso recreativo de maconha.

Não há um modelo único de regulamentação. O implantado na Alemanha assemelha-se ao do Canadá, aprovado em 2018, com a liberação de um limite de plantas para uso pessoal e de produção e venda restrita a clubes canábicos.

No Uruguai, primeiro país a autorizar o uso recreativo em 2013, além dos clubes e do cultivo pessoal, há comercialização em farmácias —mas os consumidores precisam se registrar e a produção é controlada pelo Estado.

Já o México foi mais conservador. O uso foi descriminalizado e o cultivo pessoal por adultos permitido, mas não o comércio.

Vários estados americanos seguem política mais aberta, que permite a venda em lojas, com idade mínima de 21 anos para compradores e proibição de licenças para empreendimentos a quem já foi preso por crimes relacionados a drogas.

Esta Folha defende a legalização da maconha levando em conta, além da valorização das liberdades individuais, a falência da política de guerra às drogas —que impulsiona o narcotráfico, a violência urbana e a superlotação do sistema carcerário.

O Brasil precisa avançar no debate sobre o tema e atualizar sua legislação à luz de evidências e de experiências internacionais para encontrar o modelo regulatório mais adequado para o país.

O valor da ‘preocupação’ de Lula

O Estado de S. Paulo

Lula afinal manifesta crítica à notória farsa da eleição na Venezuela, mas que ninguém se iluda: petista nunca esteve nem está preocupado com a qualidade da democracia naquele país

Na quarta-feira, pela primeira vez um governo lulopetista acrescentou um grão de sal à sua amizade fraterna com a ditadura chavista na Venezuela. O Itamaraty manifestou “preocupação” após Caracas impedir a inscrição de uma candidata de oposição, Corina Yoris. No dia seguinte, foi a vez de o presidente Lula da Silva arranhar o tabu. Em entrevista coletiva, Lula se disse “surpreso”. “É grave”, declarou, “não tem explicação jurídica e política.”

Yoris era só uma candidata-tampão para substituir a líder nas pesquisas, María Corina, inabilitada pelo Judiciário fantoche do chavismo. O Itamaraty foi duro ao condenar as sanções internacionais ao regime de Nicolás Maduro, mas suave ao condenar esse mesmo regime. A rigor, nem sequer o condenou, reiterando sua crença de que seria possível fazer da eleição de julho, desde já injusta, “um passo firme para que a vida política se normalize e a democracia se fortaleça na Venezuela”.

Esse inacreditável atestado de pusilanimidade está em linha com a relutância do chefão petista em rasgar a fantasia e confessar que o rei está nu. Tanto que Caracas conseguiu sustentar seu jogo duplo e enxovalhar o Itamaraty como lacaio dos EUA, mas ainda assim agradecer a Lula pelas “expressões de solidariedade” e pela condenação “às sanções que o governo dos EUA impôs ilegalmente”.

Longe de ser exceção, a perseguição a opositores é há décadas uma regra de aço num regime que sistematicamente oblitera candidatos da oposição, inabilitando-os, prendendo-os ou forçandoos ao exílio. Mesmo assim, ainda em março, Lula – que já disse que a Venezuela é democrática até demais, porque “tem mais eleições que o Brasil” – se disse “muito tranquilo”, permitindo-se equiparar o processo judicial de inabilitação de María Corina ao seu em 2018 e ainda recomendar a ela que parasse de “chorar” e escolhesse um substituto. Foi o que ela fez, mas essa candidata foi barrada por misteriosos “problemas técnicos” no prazo para a inscrição.

Se o governo anda “preocupado” não é por ter se dado conta de que as eleições na Venezuela não são livres nem justas. O que talvez tenha deixado Lula “surpreso” é que agora o regime nem sequer se dá ao trabalho de salvar as aparências e maquiar o pleito como “livre e justo”.

Até então, cada declaração de Lula sobre Maduro embutia seu aval ao regime chavista. Foi assim quando o recebeu com pompa e circunstância na reunião da Unasul ou quando declarou que o conceito de democracia “é relativo”. Lula já afirmou que o único problema do regime chavista é uma comunicação inocente. Ele seria “vítima de uma narrativa de antidemocracia e autoritarismo”, disse Lula, ao lado de Maduro. “É preciso que você construa a sua narrativa e eu acho que, por tudo o que conversamos, a sua narrativa vai ser infinitamente melhor do que a que eles têm contado contra você.”

Mas quando o regime se recusa até a encenar a pantomima judicial e forjar um álibi “jurídico e político” para sua delinquência, aí nem os fabulosos marqueteiros do PT dão jeito. Tanto mais que as pesquisas indicam que a população brasileira e seus representantes estão fartos de ver o governo lulopetista usando o Estado brasileiro para bajular a frente ampla autocrática internacional que tanto apraz a Lula. Talvez esse clima também tenha surpreendido Lula, obrigando sua chancelaria a balbuciar sua “preocupação”.

Mas a prova de que esse é só mais um jogo de cena fabricado por mera conveniência político-eleitoral, que em nada altera a dogmática petista, foi a nota de entusiasmo efusivo do PT com a eleição do autocrata russo Vladimir Putin, seguida por um acordo de cooperação com o Partido Comunista de Cuba, os dois sustentáculos do Estado policial do “companheiro” Maduro.

Nas eleições de 2013, Lula veio a público dar seu testemunho aos venezuelanos: “Maduro presidente é a Venezuela que Chávez sonhou”. Sem dúvida. O diabo é que esse sonho é um pesadelo para os quase 8 milhões de venezuelanos que fugiram do país, enquanto 90% dos que ficaram amargam a extrema pobreza, a violência arbitrária do regime e a absoluta falta de liberdade. Para essa realidade, Lula está muito longe de despertar.

A ameaça de Putin à Otan

O Estado de S. Paulo

Cresce a possibilidade de que a Rússia lance um ataque à aliança ocidental em breve. Diante disso, mais do que nunca é crucial que o Ocidente impeça os russos de vencer na Ucrânia

O Ministério da Defesa dinamarquês alertou que dados de inteligência indicam que a Rússia pode tentar atacar um país da Otan entre três e cinco anos. O presidente polonês, Andrzej Duda, disse que Vladimir Putin está intensificando esforços para engendrar uma economia de guerra e atacar em 2026 ou 2027. Prazos bem mais curtos do que os estimados pela Otan em 2023.

Com efeito, o Ministério da Defesa em Moscou anunciou iniciativas para robustecer a capacidade militar russa. Mesmo sem um risco financeiro iminente, Putin advertiu as oligarquias russas de medidas penosas para garantir uma estabilidade financeira de longo prazo, sinal de que os gastos bélicos seguirão escalando. São só alguns dos indicadores econômicos e militares coligidos pelo Instituto para o Estudo da Guerra (IFW, na sigla em inglês) sugerindo que a Rússia se prepara para um conflito em larga escala com a Otan. A ampliação ou redução do risco depende visceralmente dos desdobramentos na Ucrânia.

“A Rússia não tem suficiente capacidade militar para atingir seus objetivos maximalistas se a vontade de lutar da Ucrânia persistir com o apoio do Ocidente”, constata o IFW. O PIB dos países da Otan e seus aliados ultrapassa US$ 63 trilhões. O da Rússia é de US$ 1,9 trilhão. Somando-se o de seus aliados (Bielorússia, Coreia do Norte e Irã), são US$ 2,4 trilhões. Mesmo com a China (bem mais ambígua), o total não chega a US$ 21 trilhões. Assim, para o Kremlin, “um dos poucos meios, possivelmente o único, de diminuir a lacuna entre os objetivos da Rússia e os meios da Ucrânia” é “degradar a capacidade decisória” do Ocidente.

A estratégia se baseia no que os soviéticos chamavam de “controle reflexivo”. A técnica consiste em excitar temores irracionais e saturar a opinião pública do oponente com falsas premissas para induzi-lo a chegar a falsas conclusões e tomar livremente decisões contrárias a seus próprios interesses. Em relação à Ucrânia, a meta é consolidar as seguintes percepções: a Rússia tinha o direito de controlar a Ucrânia; sua invasão foi provocada por Kiev e a Otan; sua vitória é inevitável; resistir a ela levará inevitavelmente a uma escalada e uma guerra com a Otan; e a rendição da Ucrânia é o único caminho para uma paz duradoura. Para cada uma dessas assertivas, a verdade é o exato oposto.

Os ucranianos desenvolveram anticorpos contra a realidade paralela fabricada pelo Kremlin. Mas o Ocidente, seja por seus pendores pacifistas, seja pelas sequelas de guerras recentes, seja pela incompreensão da real ameaça russa, se mostra suscetível. Após a invasão da Ucrânia em 2014, o Ocidente raciocinou conforme as premissas do Kremlin, fazendo todo tipo de concessões. Em 2022, a invasão em larga escala da Ucrânia restaurou sua clareza estratégica, os ocidentais ajudaram Kiev a abater as ambições iniciais da Rússia. Desde então, o Kremlin redirecionou esforços para distrair, confundir e provocar a autodissuasão do Ocidente, retardando a entrega de dinheiro e armas à Ucrânia e a coordenação de uma estratégia de longo prazo da Otan. Isso não altera a realidade: o custo de uma vitória de Putin será catastrófico. Os riscos de escalada nuclear e confronto com a Otan só aumentarão.

Hoje, os desafios do Ocidente são mais fáceis de solucionar que os da Rússia. Mas essa vantagem não é permanente e sua erosão será proporcional à demora em admitir que a Ucrânia é só a linha de frente da guerra de Putin contra o mundo livre.

O caminho para uma paz duradoura não é um alívio instantâneo e ilusório da guerra, mas a vitória da Ucrânia, a restauração de sua soberania e a consolidação de sua democracia, integrando-a à União Europeia e instalando o maior efetivo militar do continente na linha de frente das defesas da Otan. O Ocidente pode (do ponto de vista econômico e militar) e deve (do ponto de vista moral, para fazer justiça aos ucranianos, e geopolítico, por seu autointeresse) trilhar este caminho. Mas, primeiro, precisa se conscientizar desse poder e desse dever e, depois, precisa agir. No momento, não há nem essa clareza nem essa resolução.

A desinteligência do governo

O Estado de S. Paulo

Fim da mobilização para capturar os fugitivos no Rio Grande do Norte coroa negligência na segurança pública

Na Sexta-Feira Santa, depois de 45 dias de trabalho infrutífero, o Ministério da Justiça e Segurança Pública deu por encerrada a mobilização policial para capturar os dois criminosos que fugiram da Penitenciária

Federal de Mossoró (RN), em meados de fevereiro. A partir de agora, informou o ministro Ricardo Lewandowski, “o foco será em ações de inteligência”. No que depender apenas disso, então, os fugitivos podem ficar tranquilos.

A questão nunca foi a falta de informações. Havia, aliás, informações de sobra, sobretudo em relação aos problemas de um presídio que deveria ser de segurança máxima. O governo Lula, bem como o governo Bolsonaro, sabia que mais de 120 câmeras de vigilância estavam quebradas e que a estrutura física da prisão era um convite à fuga. Surpreende que não tenha acontecido antes.

Assim, de nada adianta ter a tal “inteligência” mencionada pelo ministro da Justiça se o governo não sabe o que fazer com ela. Com governos negligentes como o atual e o anterior, a fuga de dois meliantes do presídio de Mossoró teria acontecido mesmo que as informações sobre as fragilidades do local tivessem sido reunidas pela CIA ou pelo Mossad.

Se faltou competência, sobraram braços na campanha para recolocar os fugitivos Rogério Mendonça e Deibson Nascimento atrás das grades. Lewandowski mobilizou cerca de 500 agentes federais, além do Corpo de Bombeiros e das Polícias Militares de cinco Estados – Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí, Paraíba e Goiás.

Vários especialistas em segurança pública criticaram a forma como Lewandowski liderou as forças nacionais. Na visão desses analistas, não houve uma coordenação central das atividades policiais, abrindo espaço para que decisões erráticas e não raro conflitantes fossem tomadas por diferentes agentes em campo. Evidentemente, isso foi determinante para que os foragidos tivessem tempo mais que suficiente para deixar o perímetro de buscas. Hoje, poucos acreditam que ambos ainda estejam no Rio Grande do Norte.

Parece claro, a esta altura, que o governo petista optou pelo espetáculo midiático da mobilização de centenas de policiais para gerar a sensação de que estava fazendo algo, de modo a tentar remediar um péssimo revés na gestão da segurança pública, talvez a principal vulnerabilidade da administração de Lula da Silva. Como se viu, debalde – e não era preciso grande perspicácia para presumir esse desfecho.

A bem da verdade, a grosseira falha de gestão diz menos sobre Lewandowski do que sobre seu chefe. É notório que o ministro jamais demonstrou ter perfil executivo, menos ainda perfil de comando no curso de uma operação que mobilizou tantas forças federais e estaduais. De qualquer forma, a responsabilidade continua sendo do presidente da República. Se Lewandowski não é a pessoa certa, como hoje parece claro, que outro mais apetrechado lidere a tarefa. Enquanto isso, ao País resta torcer para que o governo, em algum momento, comece a fazer uso da inteligência que tem à sua disposição.

Desequilíbrio impõe uma nova reforma da Previdência

O Globo

Enquanto contribuintes aumentaram 0,7% ao ano entre 2012 e 2022, novos benefícios cresceram 2,2%, diz estudo

Falar em nova reforma da Previdência cinco anos depois da última pode parecer prematuro. Infelizmente, não há como brigar com a realidade de um país de renda média. No ano passado, o déficit dos regimes previdenciários do governo federal foi equivalente a 3,9% do PIB. Em 2022, na Previdência Social como um todo, incluindo estados e municípios, ficou em 4,9%. Como o rombo é grande, e tende a aumentar, governo e Congresso deveriam promover outra reforma. Do jeito como está, o sistema é insustentável. O Brasil tem muitas outras demandas urgentes, da educação à segurança, e não pode arcar com despesa tão grande no Orçamento — só os gastos com as aposentadorias do setor privado consomem 44% do gasto da União.

Não bastasse o desequilíbrio no presente, continuamos diante de uma bomba demográfica. Até 2050, a fatia de idosos deverá dobrar, enquanto a de contribuintes ficará inalterada. Não se trata de problema do futuro. Como revelou reportagem do GLOBO, o número de contribuintes cresceu 0,7% ao ano entre 2012 e 2022. No mesmo período, a quantidade de benefícios pagos subiu 2,2% anuais, segundo estudo do economista Rogério Nagamine.

É certo que, no período analisado, a economia passou por dois anos de recessão decorrentes das políticas do governo Dilma Rousseff, além da pandemia. Mas a regra das últimas três décadas, quebrada raramente, tem sido o crescimento econômico baixo. Com alterações tímidas do PIB, não crescem a parcela de trabalhadores formais nem as contribuições. Mesmo confiando na forte expansão econômica, as previsões demográficas se impõem.

O problema estrutural tem sido agravado pela conjuntura. Em 2023, o estoque de benefícios do INSS cresceu 4,5%, maior aumento dos últimos 19 anos. De acordo com o governo, isso é resultado do combate ao represamento de pedidos herdados. A explicação, porém, é insuficiente. As filas do INSS estão caindo lentamente apesar do forte aumento nos benefícios.

Ainda não há dados disponíveis a pesquisadores para determinar as causas do salto. Em artigo recente, Nagamine e o economista Marcos Mendes levantaram uma hipótese. As medidas adotadas para acelerar as análises de pedidos podem estimular cidadãos a solicitar o benefício mesmo sem cumprir os requisitos. Uma possibilidade mais grave é os processos automatizados serem mais lenientes. Se for esse o caso, o período atual não será de correção, mas o início de um “aumento duradouro” nas taxas de concessão.

A despesa com benefícios previdenciários e assistenciais tem crescido em ritmo tão alto que provavelmente exigirá corte de outros gastos já neste ano. Só o custo do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), dos trabalhadores da iniciativa privada, aumentou 4,4% em janeiro em relação ao mesmo mês do ano passado, descontada a inflação. Os benefícios assistenciais subiram 16%. O governo tem comemorado a alta na receita neste início de 2024, sem dar a devida atenção às despesas.

Parece óbvio que a Previdência exige correções de gestão no curto prazo. O primeiro passo é saber exatamente por que as filas não caem na velocidade esperada e se há gente beneficiada de forma indevida. Para os desafios estruturais de longo prazo, governo e Congresso precisam encarar o desafio de uma nova reforma, começando pelas categorias que driblaram as mudanças na última. Não haverá escapatória.

Plataformas digitais enfrentam desafios judiciais maiores na Europa e nos EUA

O Globo

Americanos acusam Apple de práticas ilegais, enquanto europeus também investigam Google, Meta e Amazon

As grandes plataformas digitais enfrentam dissabores judiciais crescentes na Europa e nos Estados Unidos. O Departamento de Justiça (DOJ) americano e procuradores-gerais de 16 estados informaram que processarão a Apple com base na lei antitruste. A empresa é acusada de práticas ilegais para tornar os consumidores menos dispostos a trocar seu iPhone por aparelhos da concorrência. A Comissão Federal de Comércio também processa, com base na mesma legislação, Amazon e Meta, dona de Facebook, Instagram e WhatsApp.

O Departamento de Justiça também quer levar o Google a júri popular, sob a acusação de exercer controle sobre o mercado de anúncios on-line. Processos civis como esse costumam ser decididos por juízes, mas o Google já foi condenado por um júri de San Francisco num caso envolvendo a exclusão do jogo Fortnite de sua loja de aplicativos. A acusação foi semelhante à que pesa agora contra a Apple: a comissão de 30% exigida dos desenvolvedores é considerada abusiva. Estima-se que Google e Apple faturem US$ 200 bilhões com a intermediação das vendas em lojas de aplicativos.

Quase simultaneamente, a Comissão Europeia, braço executivo da União Europeia, começou a investigar Apple, Google, Meta e Amazon. É a primeira investigação desde que entrou em vigor, no início de março, a Lei dos Mercados Digitais, cujo objetivo é ampliar a concorrência tecnológica dentro do bloco europeu. As multas podem ir a 10% do faturamento global ou a 20% em caso de reincidência. Mesmo antes da nova lei, as autoridades europeias vinham adotando postura dura com as plataformas digitais. Na França, o Google recebeu multa de € 250 milhões, sob a acusação de usar conteúdos sem autorização dos autores e, ao todo, já foi condenado a pagar mais de € 8 bilhões em processos por práticas anticompetitivas. A própria Apple já sofreu multa de € 1,8 bilhão por barrar ofertas em aplicativos de streaming.

A lógica de todos esses processos, inclusive os que pesam contra Meta e Amazon, é semelhante: a empresa é acusada de usar seu domínio sobre um mercado para sufocar a concorrência em outro. Nem sempre é uma acusação fácil de comprovar, pois em geral as inovações trazem benefícios aos consumidores. A novidade é que as autoridades americanas começam a apostar no caminho adotado pelos europeus.

De acordo com a denúncia do DOJ, a Apple manejou a distribuição de aplicativos para impedir inovações que levassem o usuário a trocar seu iPhone por outro smartphone. O procurador-geral dos Estados Unidos, Merrick Garland, afirmou que a Apple “consolidou seu poder de monopólio não fazendo seus produtos melhores, mas os dos outros piores”. Em 2020, uma análise feita na Câmara concluiu que a empresa abusa da posição monopolista na distribuição de softwares pelo iPhone ao impor aos desenvolvedores as comissões de 30%. Os processos contra Apple, Google e outras gigantes digitais mostram que as grandes plataformas enfrentarão, dos dois lados do Atlântico, problemas judiciais maiores.

Deter o uso militar da IA deve se tornar preocupação global

Valor Econômico

As principais potências parecem tomadas pelo temor de que o outro lado desenvolva sistemas militares baseados em IA mais sofisticados e poderosos

O Oscar deste ano premiou como melhor filme “Oppenheimer”, uma cinebiografia do físico responsável pelo Projeto Manhattan, que desenvolveu a primeira bomba atômica, nos EUA. Coincidentemente, o filme reforça o debate atual sobre outra tecnologia que pode se constituir numa ameaça existencial para a humanidade, se mal utilizada: a inteligência artificial (IA). A IA já se encontra presente de diversos modos na nossa vida, mas sua regulação ainda está dando os primeiros passos. E, no caso das aplicações militares, não há sinal de nenhuma salvaguarda à vista.

Robert Oppenheimer não conseguiu, como o filme ilustra, avançar com um debate sobre os riscos das armas nucleares. Estava-se em plena Segunda Guerra Mundial, e os EUA desconfiavam de que a Alemanha nazista poderia logo desenvolver a sua própria bomba atômica. A Alemanha acabou sendo derrotada com armas convencionais, mas os EUA realizaram os dois únicos ataques nucleares até hoje, em 1945, para forçar o Japão a se render. Anos mais tarde, depois que a União Soviética desenvolveu sua bomba atômica, começaram as negociações que levaram a uma série de acordos sobre o controle desses armamentos de destruição em massa.

Um grupo de renomados cientistas na área de IA fez um apelo neste mês por uma maior colaboração internacional no sentido de que a tecnologia seja regulada globalmente por acordos como os que EUA e URSS concluíram durante a Guerra Fria, em relação às armas nucleares. O objetivo agora, como então, é limitar o risco de um evento que ameace a existência humana.

“No momento mais sombrio da Guerra Fria, a coordenação científica e governamental ajudou a evitar a catástrofe da guerra termonuclear. A humanidade novamente precisa de coordenação para evitar a catástrofe que pode surgir de uma tecnologia sem precedente”, diz o comunicado final da reunião do Diálogo Internacional sobre Segurança em IA (Idais, na sigla em inglês). Participaram do encontro em Pequim especialistas ocidentais e chineses, como o britânico-canadense Jeffrey Hinton, o canadense Yoshua Bengio e o chinês Andrew Yao, todos precursores da IA e vencedores do prêmio Turing, o mais importante na área da computação.

Sistemas de IA estão rapidamente entrando no nosso cotidiano, em basicamente qualquer atividade que demande a análise rápida de uma grande quantidade de dados. Também proliferam usos ilícitos, como o vídeo falso que circulou na Rússia simulando um assessor da Presidência da Ucrânia admitindo que o país estaria por trás do recente ataque terrorista em Moscou.

Mas a regulação desses sistemas de IA ainda é incipiente. A UE aprovou o primeiro pacote de leis específico com esse fim. O objetivo, segundo o Parlamento Europeu, é tornar a IA segura, transparente, rastreável e não discriminatória. O projeto europeu classifica os sistemas de IA com base nos riscos que ele traz; quanto maior o risco, maior a regulação. A maioria das atividades é de risco baixo. Há sistemas de alto risco, como os usados em atividades que já são submetidas a regras rígidas de segurança, por exemplo aviação, veículos e equipamentos médicos. E há categorias novas de alto risco, como educação, gestão de infraestruturas e controle de fronteiras.

Por fim, a UE identificou quatro áreas em que o risco às pessoas é considerado inaceitável e que serão vetadas para a IA. Isso inclui sistemas de pontuação social -aqueles que classificam as pessoas com base em comportamento -, situação sócio-econômica ou características pessoais ou culturais. Mas essa proposta exclui o controle de sistemas militares de IA, justamente porque isso precisa ser feito em nível global, e as regras da UE valem apenas para o bloco europeu. Sistemas de IA já estão sendo usados nas guerras na Ucrânia e em Gaza, mas a aplicação militar está apenas no começo.

O comunicado da reunião do Idais identifica algumas linhas vermelhas, isto é, áreas que deveriam ser vetadas para sistemas de IA militares. São elas: 1) Nenhum sistema de IA deveria poder se replicar ou se aperfeiçoar sem aprovação ou assistência humana; 2) Nenhum sistema de IA deve poder agir para ampliar seu poder ou influência; 3) Nenhum sistema de IA deve pode aumentar a capacidade de produzir armas de destruição em massa; 4) Nenhum sistema de IA deve ser capaz de realizar ciberataques autonomamente; e 5) Nenhum sistema de IA deve ser capaz de esconder a sua capacidade de violar as regras anteriores.

Os presidentes dos EUA, Joe Biden, e da China, Xi Jinping, se comprometeram em novembro do ano passado a abrir um diálogo sobre os riscos da IA. E, segundo o Financial Times (18/3), empresas ocidentais de IA têm se reunido discretamente com especialistas chineses para discutir a questão da segurança.

Mas colaboração tem sido um ativo escasso no mundo atual. EUA e China estão em um conflito estratégico. A outra superpotência militar, a Rússia, trava uma guerra indireta com o Ocidente na Ucrânia. Há uma corrida armamentista em andamento, como nos anos 1940 de Oppenheimer. As principais potências parecem tomadas pelo temor de que o outro lado desenvolva sistemas militares baseados em IA mais sofisticados e poderosos. Essa é uma corrida perigosa demais. A colaboração em IA precisa rapidamente entrar no topo das prioridades da agenda dos líderes globais.

Motoristas, pedestres têm sempre preferência

Correio Braziliense

O DF foi o primeiro no país a criar faixas exclusivas para pedestres atravessarem as ruas. Nesta segunda-feira, quando a norma completou 27 anos, os órgãos de trânsito do DF festejaram a redução de 66% no número de óbitos na faixa entre 2022 (seis mortes) e 2023 (duas vítimas)

O Distrito Federal foi a primeira unidade da Federação a cumprir o artigo 70 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/1997), sobre a obrigatoriedade de os veículos darem preferência aos cidadãos nas faixas de pedestres. Ao ver uma pessoa estender a mão na faixa, o condutor é obrigado a parar para que o transeunte atravesse a via em segurança. Um comportamento abraçado pelo Correio, que deu início à campanha Paz no trânsito, em 1996, e ajudou a transformá-lo em exemplo nacional. Nesta segunda-feira, quando a norma completou 27 anos, os órgãos de trânsito do DF festejaram a redução de 66% no número de óbitos na faixa entre 2022 (seis mortes) e 2023 (duas vítimas). Neste ano, nenhuma morte foi registrada. Uma realidade que não se repete pelo resto do país.

Em todo o DF, são mais de 4 mil faixas nas vias. Elas começaram a ser reavivadas pelas equipes de trânsito, o que atende à recorrente cobrança da população. Há 2 milhões de veículos em circulação — quase um carro por pessoa para uma população de 2,8 milhões, segundo o Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Minas Gerais, com uma população de 21,1 milhões de cidadãos e uma frota de 12,4 milhões de veículos, ocupa a terceira posição do ranking nacional de acidentes de trânsito envolvendo pedestres, atrás de São Paulo e Goiás, segundo dados do Ministério de Saúde e do Sistema Único de Saúde (SUS), coletados pela Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), divulgados no ano passado. No primeiro semestre de 2023, ocorreram 2.452 internações de pedestres vítimas de acidentes de trânsito em Minas Gerais. Em Goiás, foram 6.402 internações por atropelamento, e São Paulo, com 19 milhões de veículos, registrou 3.072 vítimas, em igual período.

Mesmo com trânsito menos violento, a capital da República ressente-se de um transporte público de qualidade, uma vez que os congestionamentos no trânsito são estressantes. A dificuldade do Distrito Federal é a mesma das demais unidades da Federação, o que leva os brasileiros a fazer esforço para ter um veículo, evitando o desconforto do transporte público. Se, por uma lado, essa opção aquece a indústria automobilística; por outro, faz com que a maioria das grandes cidades pouco ou nada contribuam para a redução da emissão de gases de efeito estufa, que comprometem todos os esforços para conter o aquecimento global.

Mas não só isso. Há necessidade, em todo país, de uma fiscalização mais rigorosa para conter os infratores, manter o respeito à velocidade máxima das vias e, sobretudo, educar os condutores, lembrando-os da importância de respeitar os pedestres. Agir de acordo com a legislação só quando há blitzes ou agentes de segurança nas rodovias e vias urbanas não vale. As normas têm de ser respeitadas em quaisquer circunstâncias, pois ignorar a sinalização de trânsito, nas rodovias interestaduais e nas vias urbanas, significa risco de morte para os que caminham pelas cidades. Os veículos são meios de transporte, e não devem ser transformados em armas.

 

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