Valor Econômico
Países com democracia avançada apontam que há
um papel importante do Poder Legislativo, em ação conjunta com o Poder
Executivo, na coordenação do orçamento público
Ao longo dos últimos anos, um tema vem
despontando no debate público: o crescimento do papel do Congresso Nacional na
alocação de recursos no Orçamento público. Na prática, o que se tem visto é uma
perda de protagonismo do Executivo em prol do Legislativo. Naturalmente, essa
importante mudança institucional tem várias implicações. Diante dessa nova
realidade, existem aqueles que creem que houve uma deterioração no modelo,
enquanto há outros que acreditam que a direção a ser seguida está correta.
Embora haja necessidade de ajustes, esta coluna advoga favoravelmente ao
aumento do papel do Legislativo.
Para começar, é oportuno quantificar o encolhimento do Executivo no Orçamento público. Na verdade, fica mais fácil construir indicadores a partir do mecanismo que propiciou a ascensão do Legislativo: o aumento no volume das emendas parlamentares. Em termos nominais, as emendas saíram de R$ 6,14 bilhões em valores empenhados em 2014 para um montante autorizado de R$ 44,67 bilhões em 2024. Com isso, as emendas dos congressistas, que correspondiam a pouco menos de 4% do conjunto das despesas discricionárias em 2014, devem alcançar cerca de 20% no corrente ano. Salto bastante expressivo.
Ainda nessa toada, ao se analisarem as
transferências federais diretas para Estados, municípios e entidades privadas -
isto é, os recursos discricionários não executados diretamente pela União -, em
2014, 83% foram provenientes de políticas do Executivo federal, ficando os
restantes 17% a cargo do Legislativo (esses valores não incluem fundos de
participação). Em 2023, as transferências do Executivo foram 54% do total, logo
as do Legislativo (emendas) corresponderam a 46%. Como se vê, os dados também
corroboram o entendimento de aumento relativo da atuação dos congressistas
junto aos municípios.
Em função do crescimento da participação do
Legislativo na execução e elaboração do Orçamento público surge a questão: em
que medida essa dinâmica é benéfica para o país?
Na visão de muitos analistas políticos, a
multiplicação das emendas pulveriza o dinheiro público em ações paroquiais, em
vez de se integrarem numa estratégia nacional de atuação do Estado.
Essa crítica subentende que, através do
instituto das emendas parlamentares, o Congresso Nacional não consegue atingir
um nível de eficiência na alocação dos recursos equiparável àquele na qual o
Executivo lidera as ações. De fato, parece que essa crítica procede. A
percepção é a de que as emendas parlamentares estão produzindo uma “colcha de
retalhos”. Ao que tudo indica, há uma tendência dos legisladores/ propositores
das emendas de buscar soluções para as suas bases eleitorais pulverizadas, sem
focar numa ação política mais articulada em escala global. Dessa forma, as
ações dos congressistas podem estar sendo promovidas em detrimento de um
projeto mais bem orquestrado.
Por outro lado, é igualmente verdade que, em
boa parte das democracias mais maduras do mundo, o Legislativo também participa
do processo de definição de prioridades para a aplicação do dinheiro público.
Inclusive, essa participação é um dos aspectos do funcionamento das
instituições democráticas que confere legitimidade política ao Orçamento
público.
Além disso, em países cujo orçamento é
impositivo, o processo legislativo orçamentário é forte e coordenado, e nele é
contemplada a restrição macroeconômica a ser preservada nas negociações entre
Executivo e Legislativo na montagem do cronograma anual de gasto público. A
partir do orçamento fechado, o processo se torna impositivo, na medida em que o
Executivo executa o que foi orçado, sem discricionariedade e sem
contingenciamento.
Como se vê, à luz das boas práticas
internacionais, o caminho escolhido pelo Brasil está na direção correta.
Afinal, países com democracia avançada apontam que há um papel importante do
Poder Legislativo, em ação conjunta com o Poder Executivo, na coordenação do
orçamento público federal. No entanto, existem ajustes importantes a serem
feitos no modelo de emendas parlamentares hoje em vigor no país. Como um
primeiro passo, é fundamental que a percepção de um orçamento estruturado como
“colcha de retalhos” desapareça. Mas, para isso, é importante que algumas
medidas sejam tomadas quanto ao tratamento das emendas parlamentares, tais como
aumentar significativamente a transparência da destinação e do uso das verbas;
e, aprimorar os critérios técnicos de elegibilidade para obtenção dos recursos.
Para Manoel Pires, Carolina Resende e Bráulio
Borges, do Centro de Política Fiscal e Orçamento do FGV Ibre, outra forma de
abordar essa questão é encarar a atual situação como um processo em que o
Congresso precisa definir de maneira mais clara seu papel na gestão
orçamentária. E, nesse processo, corrigir vícios de atuação, definir as
prioridades alocativas, monitorar a execução do Orçamento e avaliar o que está
sendo executado.
Em síntese, embora o modelo atual de
fortalecimento das emendas parlamentares apresente inúmeros problemas, aboli-lo
não é nem realista nem desejável. Isso corresponderia a retornar a um período
em que o Congresso, de forma infantilizada, não tinha participação quase
nenhuma no processo orçamentário efetivo e trocava votos por emendas
irrelevantes em seu conjunto. Todas as mudanças e conflitos entre Executivo e
Legislativo em torno das emendas parlamentares nos últimos dez a 15 anos
refletem, na verdade, um Congresso que demanda a sua devida participação no
processo orçamentário, o que, como já mencionado, é positivo para evolução
democrática do país.
Por outro lado, para cumprir esse papel, é
fundamental que o Legislativo esteja técnica e institucionalmente equipado para
que o uso dos recursos públicos se integre à lógica de um projeto de país.
Afinal, como aponta o provérbio popularizado pelos quadrinhos do Homem-Aranha:
“Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”. É nesse sentido que o
Brasil deve caminhar para uma nova cultura orçamentária.
*Luiz Schymura é pesquisador do FGV Ibre
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