Valor Econômico
Negociações salariais só agravam distorções remuneratórias no serviço público
Não deve estar sendo fácil a vida de Esther
Dweck, titular da pasta de Gestão e Inovação em Serviços Públicos. Em razão da
política de reajuste zero durante os quatro anos de Bolsonaro e Paulo Guedes
para a maioria dos servidores civis federais, a ministra já tomou posse
pressionada para corrigir a defasagem salarial.
Uma de suas primeiras providências, contudo, foi relativamente tranquila. Com uma folga de R$ 145 bilhões no orçamento proporcionada pela PEC da Transição, Dweck anunciou um reajuste linear de 9%, beneficiando mais de um milhão de servidores e empregados públicos federais, ao custo de R$ 13,82 bilhões por ano.
Ao optar por um reajuste no atacado, a
ministra se safou da dura e cansativa tarefa de negociar recomposições
remuneratórias com cada carreira em específico, tendo de ouvir as penúrias de
todas as categorias e debelar ameaças de greves e paralisações de atividades.
Mas Dweck não conseguiu sustentar essa
estratégia por muito tempo. Alguns grupos de servidores têm maior poder de
pressão do que outros, e não se contentaram em receber o mesmo aumento dado
para todas as carreiras. Fiscais da Receita, delegados da Polícia Federal e
analistas do Banco Central, entre outras carreiras do topo remuneratório do
Executivo, reivindicaram a abertura de mesas de negociações individuais. Por
outro lado, carreiras menos valorizadas, como os técnicos e professores das
universidades federais, bem como gestores e fiscais do meio-ambiente,
paralisaram suas atividades ou entraram em greve.
A ministra então caiu na armadilha de abrir
negociações no varejo. Além de muito mais desgastante, a prática joga o governo
numa espiral de insatisfação, pois a cada acordo celebrado com uma carreira,
acaba despertando a cobiça das demais. Para piorar, as condições orçamentárias
estão se mostrando cada vez mais restritivas, com a frustração das expectativas
do arcabouço fiscal e a resistência do empresariado e do Congresso em aceitar
passivamente as medidas de correção tributária propostas pelo Ministério da
Fazenda.
A tática de negociar individualmente com cada
carreira também agrava as distorções salariais no serviço público. A estrutura
do governo federal hoje conta com centenas de cargos, com regimes
remuneratórios bastante diferenciados. Algumas carreiras têm subsídios fixos,
enquanto outras contam com um vencimento básico baixo complementado por
parcelas variáveis a depender da qualificação ou do atendimento de metas
institucionais ou da avaliação por superiores.
As remunerações iniciais e finais variam
bastante, em geral sem critério algum. Não faz sentido, por exemplo, um
pesquisador do IBGE receber no máximo R$ 15.239,15, enquanto seu colega do
Ipea, que exerce uma atividade similar, ganha até R$ 29.832,94, segundo o
Painel Estatístico de Pessoal.
Nos últimos anos, algumas carreiras
conseguiram se diferenciar ainda mais assegurando para si o pagamento de
polpudos penduricalhos salariais, como os honorários para os advogados públicos
ou os bônus dos auditores fiscais, que turbinam seus ganhos totais a ponto de
receberem quase igual aos ministros do Supremo.
Na estrutura salarial atual no Poder
Executivo, um auditor da Receita ganhará mais de R$ 10 mil a mais por mês do
que um auditor do Tesouro Nacional - diferença que não se justifica a não ser
pelo lobby de uma carreira, que é mais efetivo do que a de outra.
Sem falar que o modelo de remuneração atual
não leva em conta os graus de dedicação e produtividade de seus integrantes. Um
advogado público que consegue desenvolver uma tese capaz de gerar um ganho de
milhões para a União na Justiça terá direito a um honorário do mesmo valor do
seu par que, em tempos de “home office”, mal redige uma petição por semana.
A lógica remuneratória do serviço público
brasileiro foi desvirtuada nas últimas décadas pela capacidade de persuasão de
algumas carreiras em detrimento de outras. Atividades jurídicas e tributárias
são supervalorizadas, enquanto aquelas com valor difuso e de difícil
mensuração, como a produção de conhecimento científico ou a proteção ambiental,
são menosprezadas.
Além disso, funções que exigem formação
acadêmica, qualificação profissional e natureza do trabalho semelhantes são
remuneradas de maneira totalmente discrepantes. No âmbito individual, como não
há definição de metas e aferição de produtividade, servidores dedicados são
desestimulados ao verem colegas sem nenhum comprometimento com o trabalho
ganharem o mesmo - ou muito mais, caso tenham tido a sorte de terem sido
aprovados em um concurso mais prestigiado.
Ao dissipar sua energia em negociações
pontuais com cada uma das carreiras separadamente, a ministra Esther Dweck e o
governo Lula perdem a oportunidade de implementar uma reformulação da estrutura
de pessoal da União, fundindo carreiras de atribuições semelhantes, instituindo
um sistema de avaliação individual e, principalmente, liderando uma discussão
para restabelecer a autoridade do teto do funcionalismo para os poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário.
2 comentários:
Muito bom! É bem isto.
Verdade.
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