segunda-feira, 10 de junho de 2024

Bruno Carazza - A ministra e a arte de enxugar gelo

Valor Econômico

Negociações salariais só agravam distorções remuneratórias no serviço público

Não deve estar sendo fácil a vida de Esther Dweck, titular da pasta de Gestão e Inovação em Serviços Públicos. Em razão da política de reajuste zero durante os quatro anos de Bolsonaro e Paulo Guedes para a maioria dos servidores civis federais, a ministra já tomou posse pressionada para corrigir a defasagem salarial.

Uma de suas primeiras providências, contudo, foi relativamente tranquila. Com uma folga de R$ 145 bilhões no orçamento proporcionada pela PEC da Transição, Dweck anunciou um reajuste linear de 9%, beneficiando mais de um milhão de servidores e empregados públicos federais, ao custo de R$ 13,82 bilhões por ano.

Ao optar por um reajuste no atacado, a ministra se safou da dura e cansativa tarefa de negociar recomposições remuneratórias com cada carreira em específico, tendo de ouvir as penúrias de todas as categorias e debelar ameaças de greves e paralisações de atividades.

Mas Dweck não conseguiu sustentar essa estratégia por muito tempo. Alguns grupos de servidores têm maior poder de pressão do que outros, e não se contentaram em receber o mesmo aumento dado para todas as carreiras. Fiscais da Receita, delegados da Polícia Federal e analistas do Banco Central, entre outras carreiras do topo remuneratório do Executivo, reivindicaram a abertura de mesas de negociações individuais. Por outro lado, carreiras menos valorizadas, como os técnicos e professores das universidades federais, bem como gestores e fiscais do meio-ambiente, paralisaram suas atividades ou entraram em greve.

A ministra então caiu na armadilha de abrir negociações no varejo. Além de muito mais desgastante, a prática joga o governo numa espiral de insatisfação, pois a cada acordo celebrado com uma carreira, acaba despertando a cobiça das demais. Para piorar, as condições orçamentárias estão se mostrando cada vez mais restritivas, com a frustração das expectativas do arcabouço fiscal e a resistência do empresariado e do Congresso em aceitar passivamente as medidas de correção tributária propostas pelo Ministério da Fazenda.

A tática de negociar individualmente com cada carreira também agrava as distorções salariais no serviço público. A estrutura do governo federal hoje conta com centenas de cargos, com regimes remuneratórios bastante diferenciados. Algumas carreiras têm subsídios fixos, enquanto outras contam com um vencimento básico baixo complementado por parcelas variáveis a depender da qualificação ou do atendimento de metas institucionais ou da avaliação por superiores.

As remunerações iniciais e finais variam bastante, em geral sem critério algum. Não faz sentido, por exemplo, um pesquisador do IBGE receber no máximo R$ 15.239,15, enquanto seu colega do Ipea, que exerce uma atividade similar, ganha até R$ 29.832,94, segundo o Painel Estatístico de Pessoal.

Nos últimos anos, algumas carreiras conseguiram se diferenciar ainda mais assegurando para si o pagamento de polpudos penduricalhos salariais, como os honorários para os advogados públicos ou os bônus dos auditores fiscais, que turbinam seus ganhos totais a ponto de receberem quase igual aos ministros do Supremo.

Na estrutura salarial atual no Poder Executivo, um auditor da Receita ganhará mais de R$ 10 mil a mais por mês do que um auditor do Tesouro Nacional - diferença que não se justifica a não ser pelo lobby de uma carreira, que é mais efetivo do que a de outra.

Sem falar que o modelo de remuneração atual não leva em conta os graus de dedicação e produtividade de seus integrantes. Um advogado público que consegue desenvolver uma tese capaz de gerar um ganho de milhões para a União na Justiça terá direito a um honorário do mesmo valor do seu par que, em tempos de “home office”, mal redige uma petição por semana.

A lógica remuneratória do serviço público brasileiro foi desvirtuada nas últimas décadas pela capacidade de persuasão de algumas carreiras em detrimento de outras. Atividades jurídicas e tributárias são supervalorizadas, enquanto aquelas com valor difuso e de difícil mensuração, como a produção de conhecimento científico ou a proteção ambiental, são menosprezadas.

Além disso, funções que exigem formação acadêmica, qualificação profissional e natureza do trabalho semelhantes são remuneradas de maneira totalmente discrepantes. No âmbito individual, como não há definição de metas e aferição de produtividade, servidores dedicados são desestimulados ao verem colegas sem nenhum comprometimento com o trabalho ganharem o mesmo - ou muito mais, caso tenham tido a sorte de terem sido aprovados em um concurso mais prestigiado.

Ao dissipar sua energia em negociações pontuais com cada uma das carreiras separadamente, a ministra Esther Dweck e o governo Lula perdem a oportunidade de implementar uma reformulação da estrutura de pessoal da União, fundindo carreiras de atribuições semelhantes, instituindo um sistema de avaliação individual e, principalmente, liderando uma discussão para restabelecer a autoridade do teto do funcionalismo para os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

2 comentários:

Daniel disse...

Muito bom! É bem isto.

ADEMAR AMANCIO disse...

Verdade.