Folha de S. Paulo
País vai apresentar ao G20 ideia de taxação
dos bilionários globais
O mundo tem cerca de 3.000 pessoas com
patrimônio superior a US$ 1 bilhão. Se esse número fosse o público
pagante de um jogo de futebol, seria um dos menores do atual Brasileirão. Esse
pequeno grupo tem abocanhando uma parte cada vez maior da riqueza mundial. Em
1987, os 0,0001% mais ricos do mundo controlavam cerca de 3% da riqueza do
mundo. Em 2024, esse número subiu para 13%. É muito pouca gente controlando
muito dinheiro.
Os números são do estudo encomendado pelo governo Lula ao economista francês Gabriel Zucman, um dos grandes estudiosos de desigualdade de renda do mundo. O estudo, "A blueprint for a coordinated minimum effective taxation standard for ultra-high-net-worth individuals" ("Proposta para um padrão de taxação efetiva mínima para os indivíduos de riqueza ultra-alta"), foi publicado nos últimos dias.
O governo brasileiro pretende
apresentá-lo ao G20, o grupo
dos 20 países mais ricos do mundo, que o Brasil atualmente preside.
Zucman propõe que todos os países concordem
em taxar os bilionários em pelo menos 2% de sua riqueza. Um esforço coordenado
ajudaria a contornar uma das grandes dificuldades dos impostos sobre grandes
fortunas: o risco dos muito ricos enviarem seus recursos para fora do país,
como aconteceu alguns anos atrás com a Colômbia. O economista francês estima
que o imposto proposto arrecadaria algo entre US$ 200 bilhões e US$ 250 bilhões
por ano.
Mas os ricos não parariam de investir? Bom,
atualmente, sempre segundo Zucman, a riqueza detida pelos bilionários lhes
rende, em média, 7,5% ao ano (7,2% após a cobrança de impostos). Com a nova
alíquota, renderia 5,5% ao ano. Ainda é um bom trocado.
Notem que a iniciativa seria global, mas cada
país arrecadaria seu próprio imposto e gastaria como quisesse. Em si, a
proposta não implica em redistribuição de renda do norte para o sul global.
O governo brasileiro chegou a sondar os
países ricos sobre uma outra proposta, a da Nobel de economia Esther Duflo,
que poderia ser complementar à de Zucman. Duflo propõe que a grana arrecadada
com o imposto de Zucman seja gasta para ajudar os países pobres a se adaptarem
ao aquecimento global. Afinal, os países pobres contribuem pouco para o
aquecimento global, mas sofrem muito com suas consequências.
Haveria algum grau de coordenação global para
esse gasto, mas Duflo propõe que a burocracia envolvida seja mínima: a ideia
seria que, por exemplo, se a temperatura atingisse um nível X em áreas sob
risco (na África subsaariana, por exemplo), o sistema disparasse algo como um
Pix para a população local, automaticamente.
Quando o Brasil trouxe a proposta de Duflo
para a discussão, vários países ricos discordaram. Concordam que é imoral que
os riquíssimos paguem menos imposto que o resto da população, mas preferem
utilizar o dinheiro arrecadado com o imposto de Zucman para socorrer seus
próprios pobres.
Por isso, o Brasil deve bancar apenas a
proposta de Zucman diante do G20. A proposta de Duflo, como outras semelhantes,
devem continuar na discussão. Como me disse a vencedora do Nobel em 2019 na
semana passada, essa luta não é uma corrida de cem metros, é uma maratona.
Não sabemos se o Brasil conseguirá convencer os países ricos, mas é bom poder voltar a dizer que o Brasil está fazendo o certo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário