domingo, 30 de junho de 2024

Luiz Carlos Azedo - Para não sucumbir, Lula precisa adaptar-se à nova realidade

Correio Braziliense

Joe Biden, aos 81 anos, após perder o debate com Trump, resiste às pressões para desistir da reeleição. Repete o roteiro dos que não querem se retirar antes de o sol se pôr

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva completa hoje 546 dias de governo, 34 dias a menos do que o período em que esteve preso em Curitiba. São, portanto, 78 semanas, quase 18 meses e pouco menos do que um ano e meio de poder. Ao contrário de seus governos anteriores, divide o protagonismo político da nação com um Congresso conservador, que muitas vezes lhe dá uma invertida; um ex-presidente capaz de lhe fazer oposição de massas, o que antes era uma quase exclusividade do petismo; e governadores adversários — em São Paulo, Tarcísio de Freitas (PR); Minas Gerais, Romeu Zema (Novo); Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil); e Paraná, Ratinho Jr. (PSD).

A menos de 100 dias das eleições municipais, que se caracterizam por fortes disputas locais, o que se vê é uma tendência de polarização nas grandes cidades, protagonizada por Jair Bolsonaro, que está inelegível e precisa manter seu poder de influência elegendo o maior número possível de prefeitos aliados. Ao contrário, Lula pisa em ovos para não confrontar interesses locais de aliados poderosos, o que significa abrir mão de candidaturas petistas em muitas cidades, algumas de muita projeção nacional, como São Paulo — onde apoia Guilherme Boulos (PSol) — e Rio de Janeiro — vai de Eduardo Paes (PSD), o atual prefeito, que busca a reeleição. Se no âmbito nacional a polarização o beneficia, nas eleições municipais o atrapalha.

Será inevitável um balanço geral do ambiente político após as eleições e um ajuste de rota do governo, talvez até uma mexida forte na equipe ministerial, o que Lula tenta evitar —, mesmo em casos como o do ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil), indiciado pela Polícia Federal (PF) por suspeita de desvio de verbas de emendas do Orçamento da União.

Quando Lula decidir se disputará ou não a reeleição, lá pelos mil dias de governo, um dos fatores que pesarão na balança será o resultado das eleições presidenciais dos Estados Unidos. Não por acaso, já manifestou apoio incondicional à reeleição do presidente Joe Biden.

As eleições americanas são para Lula o que os manuais de planejamento estratégico chamam de externalidade, uma variável que não depende do seu governo. Se Biden for reeleito, será positiva (oportunidade) e o assessor especial para relações internacionais Celso Amorim poderá continuar flertando com o antiamericanismo. Porém, será negativa (ameaça) caso Donald Trump continue favorito e vença a eleição, porque seu apoio ao candidato de Bolsonaro será inequívoco e ostensivo. A águia americana tem asas longas e voa longe, mas seu rumo dependerá desse resultado.

O debate eleitoral entre Biden e Trump mostrou que as eleições americanas representam uma ameaça para o governo Lula. O atual presidente dos EUA, que isolou o líder russo Vladmir Putin em praticamente todo o Ocidente e tenta conter o avanço da China na economia global, era um homem acuado, hesitante, com falhas de raciocínio e frases desconexas ou incompletas.

Mesmo com todas as mentiras de Trump, seu desempenho deixou em pânico os democratas e acendeu uma luz amarela nas chancelarias de seus aliados. Além disso, as pesquisas dão resiliente vantagem para Trump. Lula precisa considerar esse cenário.

Fortuna e virtude

O The New York Times, em editorial, traduziu as preocupações do establishment norte-americano: “Para servir este país, o presidente Biden deveria deixar a corrida”. Aos 81 anos, porém, ele não jogou a toalha e resistiu às pressões para abandonar a reeleição. Repete o roteiro dos que não querem se retirar antes de o sol se pôr: “Sei que não sou mais um jovem. Não caminho com tanta facilidade, não falo com tanta fluidez, não debato tão bem quanto antes, mas sei o que sei: como dizer a verdade”, disse no dia seguinte, na Carolina do Norte. “Dou a vocês minha palavra. Não voltaria a me candidatar se não acreditasse, com todo o meu coração e minha alma, que posso fazer esse trabalho”, completou.

Trump, com 78 anos, é apenas três anos mais jovem, mas aparenta muito vigor físico e rapidez de raciocínio, ainda que minta muito, tenha ideias estapafúrdias e agenda reacionária.

“Aquele que não sabe adaptar-se às realidades do mundo sucumbe infalivelmente aos perigos que não soube evitar. Aquele que não prevê a consequência dos seus atos não pode conservar os favores do século”, diz o Grão Vizir para sua filha, a princesa Sherazade, em “O pescador e o gênio”, do clássico da literatura árabe As mil e uma noites. A obra anônima reúne contos populares do Oriente Médio e do Sul da Ásia, entre os quais as histórias de Aladim e a lâmpada mágica e de Ali Baba e os 40 ladrões.

Uma vez por mês, num domingo à noite, o ex-prefeito Gilberto Kassab, presidente do PSD, reúne um grupo de políticos de diversas tendências para jantar em sua casa, entre os quais velhas raposas do Congresso. Nessas reuniões, discute-se conjuntura e se fazem diagnósticos, que dias depois começam a circular em conversas com outros políticos e jornalistas.

No último encontro, chegou-se a quatro conclusões: o governo Lula lida com um Congresso rico e poderoso, que inverteu a relação de dependência com o Executivo; seu ministério é um arquipélago político, no qual cada ministro cuida do seu quintal; a narrativa do governo está descolada das redes sociais, que hoje formam a opinião política da sociedade; e o cenário internacional carrega incertezas econômicas e políticas com as quais Lula não está sabendo lidar.

Como aquele príncipe que já não pode contar com muita fortuna diante da mudança de conjuntura, Lula dependerá muito mais das próprias virtudes para manter-se no poder. A propósito, O Príncipe, de Nicolau Maquiavel, clássico dos clássicos da política e publicado em 1532, está entre os livros mais vendidos da semana. Trata, fundamentalmente, de como chegar, exercer e manter o poder. Vale a pena a edição comentada por Napoleão Bonaparte e Cristina da Suécia.

 

4 comentários:

Daniel disse...

"A águia americana tem asas longas e voa longe"! É certamente o mais temível e terrível PREDADOR do nosso Planeta!

Daniel disse...

"O ministério de Lula é um arquipélago político, no qual cada ministro cuida do seu quintal"! Uma maneira interessante e relativamente correta de ver o governo Lula 3. Mas que também diminui a influência/responsabilidade do PT neste governo, que seria quase restrita no máximo aos ministérios que o partido comanda!

Anônimo disse...

O avanço da direita no mundo afora reflete o cansaço do povo das mentiras e autoritarismo dos governos de esquerda.
A pandemia deixou isso muito claro e acelerou a rejeição que hoje vivemos como foi observada nas recentes eleições do parlamento Europeu , onde a direita teve um avanço espetacular e a esquerda murchou Trump ganhará nos Estados Unidos e o Supremo Tribunal Federal que já está sob investigação do Congresso Americano irá sofrer grandes pressões e sanções por sua atuação na censura e ataques as liberdades do povo brasileiro Suspensão de visto americanos, negócios com empresas americanas e o bloqueio dos seus bens e ativos americanos é um golpe fatal aos magistrados e todos os envolvidos, que pode e será executado pela administração Trump
O reflexo imediato já é o recuo e autocrítica de alguns magistrados , como no caso do Edson Faccin e o ex-presidente do STF o ministro Fux

ADEMAR AMANCIO disse...

Maquiavel ainda soa atual,incrível!