domingo, 30 de junho de 2024

Bernardo Mello Franco - Apagão de Biden

O Globo

Debate escancarou fragilidade de democrata para milhões de eleitores americanos

O debate ainda não contava dez minutos quando Joe Biden sofreu o primeiro apagão. Questionado sobre o déficit público, o presidente tentou articular um raciocínio sobre impostos e o sistema de saúde. No meio da fala, cerrou os olhos, baixou a cabeça e pareceu esquecer o que queria dizer.

A desorientação se repetiu outras vezes ao longo do duelo televisivo. Com olhar perdido, Biden se enrolou com as palavras, teve lapsos de memória, deixou frases pela metade. Donald Trump tripudiou da situação e desafiou o rival a fazer um teste cognitivo. “Eu realmente não sei o que ele disse no fim da última frase. E acho que ele também não sabe”, debochou.

O debate de quinta-feira escancarou a fragilidade de Biden para milhões de eleitores americanos. Sem a ajuda do teleprompter, o democrata se mostrou incapaz de encadear argumentos e defender seu legado. Pior: reforçou o temor de que não teria saúde física e mental para exercer um segundo mandato.

Biden foi o presidente mais velho a se eleger nos EUA. Se isso não foi problema na disputa de 2020, tornou-se tema central em 2024 pelas razões expostas na TV. Ele completará 82 anos em novembro. Se reeleito, ficaria no poder até os 86. “Passei metade da minha carreira sendo criticado por ser muito novo”, desconversou o presidente, quando a mediadora Dana Bash mencionou a preocupação com sua idade.

O democrata se elegeu senador pela primeira vez em 1972, quando o noticiário americano se dividia entre a Guerra do Vietnã e o escândalo de Watergate. Era um mundo bem diferente, e os políticos não viviam tão expostos aos olhos do público. Hoje um presidente não consegue dar dois passos longe da mira de uma câmera, e qualquer gafe ou tropeço viraliza nas redes em poucos minutos.

Na véspera do debate, pesquisa Gallup informou que 67% dos americanos já consideravam Biden velho demais para governar. Só 37% afirmavam o mesmo sobre Trump, embora a diferença de idade entre os dois seja de apenas três anos.

Na quinta, a preocupação de lugar ao pânico entre os democratas. Aliados torcem para que Biden desista de concorrer, mas ninguém ousa defender a ideia em público. Faltam menos de dois meses para a convenção que indicará oficialmente o candidato do partido, e o presidente não dá sinais de que vá largar o osso por iniciativa própria.

Depois do ataque ao Capitólio em 2021, parecia inimaginável que Trump pudesse retornar ao poder. A radicalização do eleitorado republicano e a impopularidade de Biden fizeram da distopia uma ameaça concreta. Agora o homem que tentou destruir a democracia americana arrisca voltar à Casa Branca pelo voto.

No debate, ele mostrou que continua o mesmo. Empilhou mentiras, insultou adversários, instigou o medo e o ódio contra imigrantes. Diante dos apagões de Biden, seus crimes e disparates ficaram em segundo plano. Já foi uma vitória para quem deveria estar atrás das grades, não em cima do palanque.


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