O Globo
Decisão deixou 22 milhões de brasileiros sem
acesso a uma plataforma em que tinham liberdade para falar o que quisessem
De um colega:
— E agora, sem Twitter, como a gente vai
derrubar o técnico? Como criticar as séries? Como falar mal do trânsito e dos
políticos?
Piada à parte, a suspensão do X deixou 22 milhões de brasileiros sem acesso a uma plataforma em que tinham liberdade para falar o que quisessem. Verdade que se fala muita bobagem, cretinice, coisas de péssimo gosto. Verdade também que há baixaria da pior espécie. Mas também foi no X que tomei conhecimento de bons artigos, belos argumentos, sacadas divertidas, polêmicas inteligentes. Verdade também que o X aceita manifestações antidemocráticas e foi amplamente usado na tentativa do golpe bolsonarista.
Colocando tudo na balança — pelo menos na
minha visão —, tem mais porcaria que coisa boa. Mas e daí? Acontece nas
conversas por aí, também em outras plataformas. Dos 22 milhões de usuários do
X, quantos seriam criminosos ou “supostos criminosos”? Dito de outra maneira:
“quase” 22 milhões de brasileiros inocentes que foram apanhados nessa história.
Como chegamos a esse ponto?
No plano imediato, todos sabem a resposta.
Alexandre de Moraes suspendeu o X porque o dono, Elon Musk,
se recusa a nomear um representante legal no Brasil. Não pode, ponto. Mas tem
muita história antes disso que envolve algo essencial. Tempos atrás, publiquei
um livrinho intitulado “Neoliberal, não. Liberal”, pela Editora Globo. São
ensaios variados, a partir de colunas no jornal. É como me considero: liberal.
E, para um liberal, o valor essencial é a liberdade de expressão.
Corolário: não pode haver censura prévia.
Não precisam me dizer que liberdade supõe
responsabilidade ao praticá-la. Todo mundo é responsável pelo que diz e pelo
que faz. Claro que ninguém pode gritar fogo numa sala de cinema lotada. Mas
também não se pode proibir que falem dentro do cinema. Liberdade e democracia
supõem riscos, que devem ser controlados.
Como? Em princípio, é simples, para um
liberal, claro. Se o cidadão comete um crime no discurso ou nos atos, tem de
ser punido por isso — para isso existe a Justiça independente. Para apurar,
investigar, processar e sentenciar. Isto mesmo: primeiro a liberdade, depois a
punição, se o crime for devidamente provado. E a Justiça tem de ser pública,
transparente e a tempo. O que inibe o criminoso é a certeza de que será
apanhado e punido. Os menores índices de criminalidade ocorrem justamente nos
países onde a polícia e a Justiça mais resolvem os crimes.
Portanto o inquérito presidido por Alexandre
de Moraes ofende o liberalismo. Não é aceitável que um único juiz investigue e
decida, em sigilo, sem dar ciência sequer a seus pares, que certos cidadãos não
podem falar nas redes. Sim, ele obteve apoio unânime, na Primeira Turma
do STF,
à decisão de suspender o X. E foi só. Não colocou na mesa de seus pares outras
duas decisões inaceitáveis para um liberal: bloquear as contas da Starlink e
ameaçar com multa absurda o brasileiro que tentar acessar o X via VPN.
O principal acionista da Starlink é o mesmo
Musk, mas se trata de empresa diferente, para público brasileiro diferente, com
outros acionistas que não têm nada a ver com o X. E ameaçar com multa quem
tentar acessar o X é coisa de regime arbitrário. O que vai fazer o STF: criar
um sistema para vigiar o acesso de todos os brasileiros às redes sociais? Não,
o processo de banimento das redes tem de ser aberto, transparente, dando aos
alvos, de qualquer lado, o direito de se defender nos foros apropriados. O que não
é possível quando tudo ocorre em sigilo.
Musk não é liberal, nem democrata. Como diz a
revista The Economist, ele “processa judicialmente aqueles com quem não
concorda, proíbe palavras de que não gosta em sua plataforma e é cordial com
Vladimir Putin, cujo instrumento preferido de moderação de conteúdo é o
Novichok”, um veneno fatal. Cabe processo? Que se processe. Mas ninguém é
obrigado a abrir conta no X ou em qualquer outra plataforma.
Sei que há muitas outras questões envolvendo
as redes e as big techs. Mas os diversos problemas são usados para justificar a
censura prévia, e secreta, daqui a pouco batendo na imprensa.
Um comentário:
A plataforma X não foi suspensa no país por seus defeitos ou problemas, mas porque seu único PROPRIETÁRIO se recusa a seguir as LEIS brasileiras!
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