O Globo
‘De hoje em diante, nossas conexões,
inclusive por VPN, estão cortadas. Nenhum link nos une mais’, seria o grito de
Moraes
Era um sábado como este, há 202 anos. Um
exausto Pedro de Alcântara — 24 anos incompletos, em trajes de tropeiro e
debilitado por um desarranjo intestinal — ergueu-se nos estribos de uma mula
baia gateada e, possivelmente sem forças para gritar ou desembainhar a espada,
desabafou diante da pequena comitiva que o acompanhava na subida da Serra do
Mar:
— As Cortes portuguesas querem mesmo
escravizar-nos e perseguem-nos. De hoje em diante, nossas relações estão
quebradas. Nenhum laço nos une mais.
A cena, bem pouco instagramável, foi mais tarde repaginada. Pedro ganhou um imponente cavalo castanho e figurino à altura; convocou-se a Guarda de Honra para turbinar a plateia e até um carreteiro — afinal, o povo não poderia ficar de fora, ainda que tivesse de se contentar em permanecer à margem, mero espectador.
A Independência seria comemorada em 12 de
outubro — dia do aniversário do agora D. Pedro I e de sua aclamação como
imperador — e só alguns anos depois migrou, por motivos estratégicos, para 7 de
setembro.
Certas datas são assim mesmo — ganham (ou
perdem) relevância com o tempo. O 8 de Janeiro já é celebrado no Distrito
Federal como Dia da Defesa da Democracia — lembrando a vandalização da Praça
dos Três Poderes por partidários do ex-presidente Bolsonaro, seduzidos pelo
canto da sereia de um golpe de Estado. Talvez a efeméride se desloque, no
futuro, para 30 de agosto, dia em que o ministro Alexandre de
Moraes, no afã de coibir o discurso de ódio, acabou por coibir o
discurso — pelo menos dos cerca de 22 milhões de brasileiros que usavam o X
para expor suas opiniões, se informar e fazer negócios, não para atentar contra
a Constituição.
Os excessos do ministro no seu bom combate ao
golpismo e à desinformação levaram-no ao submundo da censura prévia — e, no
caminho, toparam com a insolência e os valores bastante questionáveis do
bilionário Elon Musk.
Ainda que jurem estar do mesmo lado, o da liberdade de expressão, dois bicudos
não se beijam — e é possível imaginar o ministro, às margens plácidas do
Paranoá, proclamando, monocraticamente:
— As redes sociais querem mesmo afrontar-nos
e desobedecem-nos. De hoje em diante, nossas conexões, inclusive por VPN, estão
cortadas. Nenhum link nos une mais.
É assim, parcialmente desconectados do mundo
e uns dos outros, que chegamos a mais este 7 de Setembro, estando parte do país
em pânico com a possibilidade de entrega da Prefeitura de São Paulo (e, mais
adiante, do Palácio do Planalto) a um coach acusado de furtos cibernéticos,
falsidade ideológica, apropriação indébita eleitoral, lavagem de dinheiro, de
colocar em risco a vida de 32 pessoas e de relações com o crime organizado.
Esses zelosos cidadãos parecem não se dar conta de que o coach só terá a chance
de arrastar milhões de paulistanos a uma aventura ainda mais insana que a do
Pico dos Marins porque a opção oferecida pela esquerda é um invasor de terras;
pela direita, um político anódino; pelo centro, um apresentador
sensacionalista; pelos liberais, alguém que não hesita em se valer de um
recurso legal, mas que impede o exercício do contraditório.
Hoje haverá manifestações lideradas, em Brasília,
por um presidente democrata e ardente apoiador de ditaduras, e em São Paulo por
um protoditador travestido em defensor das liberdades. Tomara que no próximo 7
de Setembro estejamos um pouco mais independentes de certo tipo de político e
de certos abusos judiciais.
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